A crítica demolidora de Michael Pettis à teoria e à política económica neoliberal – 1. A China e a História dos modelos de crescimento dos Estados Unidos (1ª parte). Por Michael Pettis

egoista

1. A China e a História dos modelos de crescimento dos Estados Unidos (1ª parte).

Por Michael Pettis michael pettis

Seleção e tradução por Júlio Marques Mota

Editado por Yves Smith em 15 de fevereiro de 2013 em https://www.nakedcapitalism.com/2013/02/pettis-china-and-the-history-of-us-growth-models.html (publicado de MacroBusiness)

[Nota: este artigo veio a ser republicado por Michael Pettis em 28 de fevereiro de 2017 no sítio Carnegie Michael Pettis http://carnegieendowment.org/chinafinancialmarkets/68128]

Aqui é Yves. Este é um texto importante, no sentido em que abala a teoria e o conhecimento convencional, neoliberal, sobre o crescimento e o desenvolvimento económico em diversas maneiras. Também me agrada que Michael Pettis assinale que Alexander Hamilton contrariou as panaceias económicas do seu tempo. E também suspeito que ele ficaria horrorizado com a forma como os neoliberais que se reclamam de Hamilton hoje se consideram sucessores do seu próprio pensamento económico. Uma coisa que Pettis menciona de passagem é a importância dos países em desenvolvimento promoverem uma concorrência agressiva no mercado interno protegido por uma pauta aduaneira. Eu lembro-me de quando estudei a economia japonesa na década de 1980. Foi impressionante ver o quão agressivo foi o desenvolvimento e a proliferação dos produtos no mercado de eletrónica de consumo no Japão.

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 O modelo de desenvolvimento chinês é antigo e podemos localizar as suas raízes pelo menos desde a proteção às indústrias emergentes, progressos internos e o sistema financeiro nacional dos EUA dos anos 1820 e 1830. Compreender porque razão os muitos precedentes deste modelo de crescimento tiveram êxito em alguns poucos casos e falharam noutros ajudar-no-á enormemente a compreender as perspetivas futuras da China.

Nota: devido à bastante pobre gestão do meu blog, alguns artigos parece que desapareceram. Felizmente para mim, vários outros sítios reproduzem muitos deles, pelo que quando tive que os procurar e recordar o título, normalmente consegui encontrá-los. De tempos a tempos, se achar que ainda podem ser úteis, republicá-los-ei aqui no sítio Carnegie com ligeiras correções e aditando ligações. O primeiro artigo que receberá este tratamento é de 15 de fevereiro de 2013, no qual tentei colocar o modelo de crescimento chinês num contexto histórico que começa como o famoso sistema americano desenvolvido nos inícios do século XIX.

[introdução e nota ao artigo republicado em 28/02/2017]

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Como os meus habituais leitores sabem, frequentemente defendi que o modelo chinês do desenvolvimento é um modelo antigo e que se podem localizar as suas raízes pelo menos tão longe no tempo quanto o “sistema americano” dos anos de 1820 e de 1830. Este sistema foi baseado principalmente nos trabalhos do brilhante primeiro Secretário do Tesouro dos EUA Alexander Hamilton (Vejam-se especialmente os seus três principais relatórios ao Congresso: o seu “First Report on The Public Credit” de 14 de janeiro de 1790; o seu “Second Report on The Public Credit” (também conhecido como “Report on a National Bank”) de 13 de dezembro de 1790, e sobretudo o seu brilhante “Report on Manufactures” de 5 de dezembro de 1791).

Este modelo de desenvolvimento fez também parte implicitamente do debate em França que levou a uma das mais importantes inovações financeiras do século XIX, a criação do Crédit Mobilier em França em 1852. A importância disto é discutida, por exemplo, no ensaio de Alexander Gershenkron “Atraso económico numa perspetiva histórica” (páginas 11–16). O debate dizia respeito a uma das grandes questões económicas em França, especialmente depois da derrota de Napoleão: porque razão a Inglaterra, país que cem anos antes era mais pobre que a França, conseguiu superar a França e todos os outros países económica e tecnologicamente, embora nas ciências e engenharia puras, os franceses fossem pelo menos iguais aos britânicos e talvez superiores?

Uma razão óbvia tinha a ver com o financiamento da aplicação comercial da nova tecnologia. O sistema bancário francês, dominado pelos rentistas e pela aristocracia fundiária, parecia especializar-se na proteção dos aforradores, em parte mobilizando capital e investindo em ouro ou em obrigações do governo. O sistema bancário inglês fez isso também, mas também parecia muito mais disposto a financiar a capacidade de infraestrutura e fabricação.

De facto, de modo mais geral, tenho defendido que a principal razão pela qual as revoluções industriais ocorreram em grande parte na Inglaterra e nos Estados Unidos é que as revoluções industriais não são impulsionadas por desenvolvimentos científicos, mas antes pela aplicação comercial de desenvolvimentos científicos. Para que isso aconteça, parece que um sistema de financiamento robusto é fundamental. A Inglaterra, e depois os Estados Unidos, beneficiaram de um sistema financeiro que parecia fazer melhor do que outros no financiamento de novas infra-estruturas e empreendimentos tecnológicos.

Por outras palavras, um sistema financeiro que funcione bem, que aloque capital para novos empreendimentos pode ter sido a diferença chave entre a Inglaterra e a França no final do século XVIII, e por isso alguns historiadores culpam o brilhante, mas errático, John Law e a sua bolha do Mississippi. Essa preocupação com o ineficiente sistema bancário francês levou à criação do Crédit Mobilier, cujo papel era romper as restrições do sistema financeiro dominado pelos Rothschild; mobilizar as poupanças da classe média; e alocar essas popanças para projetos financeiros, tais como o desenvolvimento de infra-estruturas, que, a longo prazo, levariam a um desenvolvimento económico mais rápido

Voltarei a esta questão do sistema financeiro, mas o ponto aqui é que tem havido muitas versões deste modelo de desenvolvimento. Pelo menos dois importantes teóricos económicos – o alemão Friedrich List no século XIX e o ucraniano-americano Alexander Gershenkron no século XX – descreveram formalmente variações do modelo de crescimento impulsionado pelo investimento. Michael Hudson, um dos meus pensadores económicos favoritos, escreveu um livro brilhante e provocante (Comércio, Desenvolvimento e Dívida Externa) vinte anos atrás; traça muitos aspetos desse modelo para debates na Inglaterra no final do século XVIII.

Além de Alexander Hamilton, seu padrinho intelectual e político, os principais proponentes do sistema americano foram figuras como Henry Clay, Henry e Matthew Cary, John Calhoun e até o próprio Abraham Lincoln. A sua visão de elaboração de políticas económicas era vista como ingénua e até tola pela maioria dos economistas académicos americanos – instruídos como eram nas doutrinas do laissez-faire então em moda em Inglaterra. Mas acho que é difícil para qualquer historiador económico não se sentir aliviado de que nem os académicos, nem as facções jeffersoniana e jacksoniana tivessem a influência suficiente para forçar o que eles consideravam uma boa política económica para o desenvolvimento dos EUA. A América ficou rica em parte por fazer as coisas erradas.

Muitos países em que os académicos tinham influência real na época – o Chile na década de 1860 sob a tutela do famoso economista francês Jean Gustave Courcelle-Seneuil, por exemplo, ou o México na passagem do século sob a orientação especializada de José Y. Limantour, ministro das Finanças do então presidente Porfirio Díaz – nunca alcançaram o tipo de crescimento que os países-alunos menos capazes experimentaram. Eu escrevo sobre alguns desses casos no meu artigo de 1996em Foreign Affairs, para quem possa estar interessado.

Para voltar à história principal, noutro livro (American’s Protectionist Take-off, 1815-1914), Michael Hudson refere-se a um dos principais membros da segunda geração de defensores do sistema americano, E. Pechine Smith. O que é especialmente interessante sobre Smith no contexto da China é que em 1872 ele foi convidado a ir ao Japão para servir como conselheiro do Mikado, tornando-se o primeiro de uma corrente de economistas e advogados – a maioria deles proponentes do Sistema Americano – a aconselhar e ajudar a moldar o desenvolvimento japonês após a Restauração Meiji.

Smith criou, assim, uma ligação direta entre o sistema americano e o modelo de desenvolvimento chinês. Era, naturalmente, o modelo de desenvolvimento japonês do pós-guerra, baseado na experiência japonesa de desenvolvimento económico durante e após a Restauração Meiji, que se tornou o padrão para os formuladores de políticas em todo o leste da Ásia e China. Penso no modelo de crescimento da China como apenas uma versão mais musculada do modelo de crescimento japonês ou do leste asiático, que é ele próprio em parte baseado na experiência americana.

Havia três elementos-chave do sistema americano. O historiador Michael Lind, em uma das suas histórias económicas dos Estados Unidos, descreveu-os como:

  • tarifas nas indústrias nascentes
  • melhoria nas condições internas
  • um adequado sistema financeiro nacional

Estes três elementos estão no centro, explícita ou implicitamente, de todas as diversas formas do modelo de desenvolvimento conduzido pelo investimento que foram adotadas por um grande número de países no século passado – nomeadamente a Alemanha nos anos 1930, a União Soviética no início do período da guerra fria, o Brasil durante o Milagre brasileiro, a Coreia do Sul após a guerra da Coreia, o Japão antes de 1990, e a China hoje – para citar apenas os casos mais importantes e óbvios. Por esta razão eu penso que faz sentido discutir cada um destes três elementos com um pouco mais de detalhe.

(continua)

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