CARTA DE BRAGA – “da liberdade” – por ANTÓNIO OLIVEIRA

 

São cada vez mais as vozes que lamentam a embrulhada por que passa hoje, a noção de liberdade. Um dos que merece mais atenção pela capacidade e sinceridade, a ver apenas pelo que afirma e escreve, é Lluís Bassets, director adjunto do El País.

Num dos últimos artigos ‘Libertad en declive’, Bassets escreve ‘onde antes avançava, agora esgota-se. Onde havia pouca, há menos ainda e onde estava parada agora retrocede. Tem a cotação em baixa. As urnas não. Exaltam-nas como expressão da vontade democrática, até mesmo os ditadores. Com a soberania das urnas tudo é possível, incluindo liquidar liberdades e limitar direitos, até chegar à ditadura

Não deixa de dizer que se aponta para a Turquia, China, Rússia e a Venezuela, também para o México e para uma parte grande de África, por ser reconfortante estarem longe, mas logo contrapõe ao perguntar como nos sentimos ao ver tremer a vizinhança.

E ao assinalar a Hungria, Itália, Polónia, Eslováquia, Malta e outros (*), acrescenta ‘assim como crescem entre nós as novas censuras populistas, pelas pressões de poderes formais ou informais, organizadas maioritariamente pelas redes sociais porque, se ali desfalece a liberdade de expressão, também desfalecem todas as liberdades e desfalece a democracia

Talvez não venha a propósito mas lembro-me de um diálogo espantoso, no não menos espantoso livro de Lewis Carroll, ‘Alice no país das maravilhas’, entre a Alice e Humpty Dumpty, um ovo especialista em línguas e um desastre em matemáticas, que acredita poder fazer uso das palavras apenas com o significado que ele mesmo lhes atribui.

Aqui fica um pequeno excerto desse diálogo:

– “Quando uso uma palavra”, diz Humpty Dumpty em tom levemente sarcástico, “ela significa exactamente aquilo que escolhi como significado, nem mais nem menos”.

– “A questão é”, retruca Alice, “se você pode fazer as palavras terem significados tão diferentes”.

– “A questão é”, replica Humpty Dumpty, “quem é o chefe, só isso

Parece assim, a ver também pelas palavras, actos e atitudes dos personagens mais visíveis desses outros inquilinos alojados no espaço EU indicados por Luís Bassets, como é possível confirmar aquela afirmação ‘com a soberania das urnas tudo é possível, incluindo liquidar liberdades e limitar direitos, até chegar à ditadura’

Recorrendo ao sociólogo Zygmunt Bauman, na sociedade actual uma palavra tanto significa uma realidade como a sua contrária e, por coexistirem, até podem ser as duas verdadeiras ou mesmo equivalentes, por adquirirem apenas o significado atribuído pelo ‘chefe’ local.

Podemos assim visualizar toda uma série de figurões, desde o patético da presidência americana até aos outros candidatos às chefias europeias e sul-americanas (não preciso deixar nomes!), sempre bem presentes nos media da direita mais extrema.

Mas é uma pena, um dó, constatar como o pensamento que se foi estruturando desde Aristóteles a Agostinho da Silva ou Eduardo Lourenço (isto para ficar em casa!), esteja a ser esfarrapado com likes e selfies por farsantes propagandistas de fakenews e outras mentiras, aproveitando dramas e erros para os quais eles mesmos contribuíram!

Às vezes, quando as perguntas me acorrem e as respostas não aparecem, lembro um grande amigo, um homem bom que recordo com muita saudade, que costumava dizer para me animar em tempos de dificuldades, ‘em caso de dúvidas, tenta não morrer!

Vou escrevendo!

(*) Talvez já seja melhor incluir aqui, também a Suécia!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

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