FRATERNIZAR – Quaresma 2019 – PODE HAVER PERDÃO PARA AS IGREJAS CRISTÃS? – por MÁRIO DE OLIVEIRA

 

 

Tudo o que é cristianismo e igrejas cristãs dá-se mal, muito mal com o Carnaval. E dá-se bem, demasiado bem, com tudo o que é quaresma. Sou do tempo em que, nos 12 anos do seminário tridentino, as férias de Carnaval, folia pouca e muito pouco ousada, comparada com a dos carnavais deste nosso tempo, tinham obrigatoriamente de ser passadas lá dentro. Pelos vistos, era preciso desagravar, naqueles dias, o deus dos clérigos, ofendidíssimo com os pecados que o Carnaval proporcionava. De entre os diversos actos de desagravo pelos pecados, sobressaíam as 40 horas de contínua adoração ao santíssimo sacramento, encurralado, dia e noite, dentro de uma enorme custódia de ouro e prata. O que mais sobressaía aos nossos olhos de adolescentes e de jovens era aquela pesada e valiosíssima custódia. Já o santíssimo sacramento resumia-se a uma finíssima hóstia branca de farinha de trigo sem fermento, que mal se via em todo aquele requintado túmulo levantado ao alto sobre o altar da capela do seminário, ou no topo do altar-mor da catedral. As 40 horas eram ininterruptas. Dia e noite. Que o santíssimo exposto não podia ficar momento algum sem adoradores, não fosse zangar-se e lançar fogo e fúria do céu, como fazem hoje Trump, o dos EUA e Putin, o da Rússia. Para tanto, havia turnos organizados. Rendidos de hora em hora. E tudo no mais pesado dos silêncios fúnebres.

Estou a escrever com a ironia teológica que o assunto me merece. É, de resto, a melhor maneira de hoje, terceiro milénio, escrever sobre este tipo de actividades, exclusivas de clérigos católicos, se bem que a quaresma também seja ocupação de outras igrejas cristãs. Daí a pergunta, Pode haver perdão para as igrejas cristãs? Decididamente, não, já que o deus dos clérigos, pastores e igrejas cristãs não suporta a folia de Carnaval. Nem nenhuma outra. Do que ele mais gosta é de jejuns, de penitências, de maceração dos corpos, de gente ajoelhada com cinza na testa, de sacrifícios, de recitação de terços e de jaculatórias, com 200 ou 300 dias de indulgência cada uma. São coisas deste teor que o mercado religioso vende em desconto dos pecados. Tudo o que tem a ver com sofrimento, fome e sede. Até atingir o momento mais hediondo, na ‘semana santa’, a mais sádica das 52 semanas que fazem o calendário litúrgico, quase sempre em contra-mão ao secular. Que o deus dos cristãos não o faz por menos. Ou não fosse sádico e cruel.

O terror e o horror andam ainda hoje tão entranhados nas mentes-consciências das populações que nem mesmo as universidades confessionais conseguem descortinar quanto há de demência em todo este modo de ver as coisas e de agir. Um deus como o dos clérigos católicos e protestantes, que gosta de quaresmas e detesta os carnavais é um deus sádico. Só os sádicos experimentam prazer no sofrimento e na privação. E vêem nele valor redentor e salvador. Quando o sofrimento é a negação da vida de qualidade e em abundância. Só mesmo os sádicos, como são os clérigos, valorizam o sofrimento e falam em ‘redenção’. Os seres humanos saudáveis lutam contra ele, cultivam a alegria, promovem a festa, o canto e a dança. Apostam tudo na Cultura, nada no religioso. E vomitam um deus, como o dos clérigos e dos pastores, fonte de generalizada depressão.

Registam os Evangelhos sinópticos que Jesus Nazaré, o filho de Maria, antes de iniciar a sua missão de fazer rebentar fontes de alegria e de plenitude de vida nas mentes dos povos tolhidos e amargurados pelo sofrimento que as elites dos privilégios ao comando da História sempre lhes impõem, passou 40 dias e 40 noites no ‘deserto’. A fome que então sente é a do Pão da alegria e da plenitude de vida. Para ele e para os povos todos da Terra. Já que todo ele é um rotundo NÃO ao Poder, ao Dinheiro e ao Religioso. E um incondicional SIM à Partilha dos bens, à comunhão e à Liberdade que se faz fecunda presença maiêutica junto das multidões cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor.

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