Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
6. A República a 30.000 pés de altura
por Joel Bowman
Publicado por Casey Research, setembro de 2018
Republicado por (ver texto aqui)
Estamos na estrada hoje, caro leitor. Ou melhor, estamos no ar… a apreciar o nosso café da manhã a 30.000 pés acima do nível do mar… vindo da Cidade do México a caminho de Chicago.
Pensar que, há pouco mais de um século atrás, teria sido necessária uma pequena fortuna e um título oficial para fazer uma viagem como esta. Hoje, graças aos motores a jato e aos hidrocarbonetos, esta está disponível para qualquer um com um nome de família e com uma criança a chorar.
Progresso… de um certo tipo. Entretanto…
Abaixo de nós, estendendo-se até ao horizonte curvado da manhã, encontra-se o coração da América. (que é “voar sobre o país” para os nossos leitores da costa.)
Os campos são verdes e amarelos. Os céus estão praticamente limpos.
O que fazer com uma vista assim tão serena?
A República, como estamos constantemente a ser informados, divide-se ultimamente … entre os neo-cons à direita e os neo-liberais à esquerda.
Ambas os partidos têm as suas histórias, é claro, as suas grandes narrativas e as suas prontas desculpas. Ambos acreditam estar no lado certo da história, também. E ambos olham o outro com uma mistura de suspeita cautelosa e de escárnio mal-escondido.
Eles são estranhos, estes dois partidos, compartilhando uma terra comum.
E entre eles, brilhando como uma haste de plutônio radioativo, está um homem: Donald J. Trump.
Para alguns, as pessoas do coração do país, ele é a Segunda Vinda. Para outros, as elites costeiras, ele é a encarnação do diabo.
Para nós, ele é puro entretenimento… um homem impulsionado para a frente da história para chocar e divertir, para desempenhar o seu papel no maior de todos os shows.
E que espetáculo! Dificilmente passa um dia sem um novo escândalo para baralhar e seduzir as massas. Sondas russas… guerras comerciais… falsas notícias… reuniões secretas… gaffes públicas…
Não há nenhum jornal ou revista nas prateleiras que não mencione o grande circo político da América e o seu líder divisionista.
A aula de paleio barato nunca foi tão fácil.
Mas o eleitorado dos Estados Unidos não precisa de se preocupar demasiado. Para o bem ou para o mal, Trump também passará. E depois, o que é vai restar?
Uma superpotência renascida? Uma República em ruínas?
A 30.000 pés, a resposta é tão clara quanto o ar é fino. Do nosso assento da janela nós não vemos nem condados azuis nem distritos vermelhos lá em baixo. Não há perfurações políticas que ponteiam fronteiras imaginadas. Não há bifurcações manipuladas. Não há burros vadios ou elefantes a pisar os campos de milho.
Em vez disso, existem pequenas vilas e cidades, povoadas por cabeleireiros e barmans, advogados e médicos, professores, agricultores e camionistas.
Há indivíduos que vão para o seu emprego diariamente, por outras palavras, assim como sempre fizeram. Tal como sempre o farão.
Na coluna de hoje, abaixo, Bill Bonner olha mais de perto para a guerra comercial deTrump e expressa o ponto de vista de que esta não vai ter os resultados esperados por Trump. Por favor, leiam.
Porque é que Trump não vai começar uma verdadeira guerra comercial
Bill Bonner, Presidente, Bonner & Partners
Oh pá… o enredo adensa-se.
O New York Times relata:
O Presidente Trump agravou a sua guerra comercial com a China na quarta-feira, ordenando à sua Administração que considere mais do que dobrar as tarifas sobre $200 mil milhões de valor de produtos chineses fazendo-as passar de 10% para 25%, enquanto as conversações entre Washington e Beijing permanecem bloqueadas.
O Presidente Trump instruiu o representante de comércio dos Estados Unidos para pensar em tarifas crescentes sobre produtos chineses como peixe, petróleo, produtos químicos, sacos de mão e outros bens a 25 por cento, uma escalada significativa numa disputa que está a começar a afetar as indústrias e os consumidores em ambos os países. Não se prevê uma decisão final sobre a dimensão e o âmbito das tarifas antes de setembro.
Guerras falsas
O Estado Profundo regozija-se com a guerra. Mas, especialmente no caso da China, deve ser uma falsa guerra.
E aqui está um bom teste. Vamos ver quão bem ou mal ligamos os pontos.
De acordo com a imagem que vemos, o Estado Profundo – o grupo mais ou menos permanente, mas fluido e cismático, de insiders que controla as políticas públicas – usa a guerra para ganhar apoio público. riqueza e status do público para si mesmos.
É por isso que a guerra comercial tem que ser falsa. Guerras reais ameaçam a sobrevivência do Estado Profundo.
As guerras no Médio Oriente (agora também na África), por exemplo, ajudam a justificar milhões de milhões de dólares de transferências de riqueza para o complexo militar/industrial/de vigilância. Mas os EUA não têm nada realmente em risco nessas lutas; não importa o que aconteça, não será invadido, nem bombardeado ou humilhado.
Da mesma forma, as guerras em casa, contra os pobres e os utilizadores de drogas- duram desde há décadas. E ninguém está melhor servido – exceto as indústrias do Estado Profundo envolvidas nas suas próprias guerras (agências sociais, prisões, polícia, traficantes de drogas, etc.).
A nova guerra comercial do Donald é também uma delícia; as calçadas já estão escorregadias com água suja e gordurosa; os lobistas fazem fila para favores e dispensas especiais. Os insiders ganham poder e dinheiro controlando os acordos comerciais de compadrio.
Mas nem o presidente nem os seus conselheiros malucos podem perceber o perigo. E é aqui que a coisa começa a ficar interessante: eles não devem permitir que esta guerra lhes saia do controle.
Onde a elite obtém dinheiro
Uma guerra de comércio real com a China seria desastrosa – para o próprio Estado Profundo. É por isso que prevemos que não vai acontecer nada. Muito provavelmente as tarifas de 25% nunca serão plenamente implementadas.
O Presidente Trump vai seguir um padrão que já é familiar. Ele vai falar duro. Ele vai agitar as coisas. Ele vai anunciar a vitória. E ele vai silenciosamente recuar.
Ou então não vai sobreviver como presidente até o fim do seu mandato.
O mundo agora tem quase $250 milhões de milhões de dívida. Tipicamente, uma economia pode confortavelmente suportar como dívida aproximadamente 1,5 vezes o valor do seu PIB.
O PIB global está estimado em cerca de $90 milhões de milhões. Isso significa que qualquer coisa que se situe acima de $135 milhões de milhões de dívida mundial é excessivo, tornado possível somente pela manipulação do sistema de crédito pelos bancos centrais que adicionaram alguns $18 milhões de milhões à fundação monetária do mundo desde 1997.
O total da dívida mundial era de cerca de 40 milhões de milhões no final dos anos 1990. Agora, é mais do que seis vezes mais. O PIB em termos mundiais era de apenas $27 milhões de milhões há duas décadas atrás. O PIB também cresceu, mas com 90 milhões de milhões de hoje, apenas cresceu metade do que cresceu a dívida mundial.
Mas a rua principal é onde vivem os cidadãos comuns. Obtêm os seus rendimentos e obtêm o seu nível de vida a partir do PIB. À medida que o PIB cresce, os seus padrões de vida crescem.
Mas é em Wall Street que o crédito circula … e onde a elite obtém o seu dinheiro – do aumento dos preços dos ativos.
Este método está comprovado para encontrar oportunidades extraordinárias de investimento – não importa se as ações estão a subir, a descer, ou nem uma coisa nem outra.
O super investidor Warren Buffett como se sabe avalia o mercado de ações comparando Wall Street a Main Street- a capitalização do mercado acionista em relação ao PIB. O valor do mercado acionista deve situar-se aproximadamente ao mesmo nível que o PIB anual, diz-nos ele.
Um aumento do crédito faz subir o valor das ações mas deixa o PIB da Main Street indiferente a essa subida. Durante a bolha dot-com, por exemplo, as ações subiram para 145% do PIB-indicando um mercado sobreavaliado e pronto, portanto, para uma correção.
E agora, de acordo com alguns cálculos, a proporção está anda mais fora de sintonia com a evolução do PIB, pois o rácio está agora em 149% do PIB.
Desequilíbrio
As obrigações e os bens imobiliários estão similarmente sobreavaliados. Wall Street e Main Street nunca estiveram tão desequilibradas entre si. Os ricos nunca foram tão ricos, comparados com o cidadão comum.
De acordo com a teoria clássica, aumentar a oferta de moeda mais rapidamente do que o fornecimento de bens (PIB) faz com que os preços subam.
Os preços do consumidor aumentaram nos últimos anos… mas não tanto quanto a explosão da oferta de moeda banco central implicaria. Porque não?
A resposta está na China… onde o trabalho sujo e barato e uma economia centrada nas exportações se articulou com o regime de falsa moeda dos Estados Unidos.
Na verdade, os EUA exportaram a sua inflação… O país trocou o seu principal item de exportação – dólares-por bens chineses produzidos a baixo custo.
Isso impediu que os preços ao consumidor americano subissem e também que os trabalhadores de baixos salários notassem que estavam a ser roubados.
Em contraste, os preços subiram acentuadamente nos bens e serviços que os chineses não podiam exportar – cuidados médicos e ensino universitário, por exemplo.
Mas esse não é o último ponto. Precisamos ver o que aconteceu com os dólares enviados para a China.
Deixaram o país como despesa do consumidor. Mas eles não permaneceram no exterior por muito tempo. Os comerciantes chineses depositaram-nos no banco da China, que os utilizou para comprar obrigações de dívida americana.
Por outras palavras, eles saíram dos bolsos das famílias comuns e voltaram para os bolsos dos investidores de Wall Street sob a forma de preços de ativos mais elevados.
Sistema de dinheiro falso
E aí está a essência de todo o boom económico mundial dos últimos 30 anos: grandes aumentos na oferta de moeda, com baixos preços do consumidor e baixas taxas de juros. O comércio da China constitui uma parte essencial de toda esta história vigarista de falsa moeda.
Dinheiro falso foi criado pelos bancos centrais… e fluiu para os bolsos da elite, onde podia ser convertido em riqueza real. (alguns relatórios mostram os 10% das famílias mais ricas nos Estados Unidos a ganharem cerca de 100% dos aumentos de riqueza do século XXI.)
Entretanto, os cidadãos comuns foram mantidos calmos com os bens de consumo baratos importados da China (disponíveis em Walmart ou em Amazon), juntamente com distrações insensatas como YouTube e Facebook.
Mas imagine uma verdadeira guerra comercial… Não mais “preços baixos todos os dias” em Walmart. A inflação aumentaria. E não mais baixas taxas de juros, também.
A China – seja por necessidade ou vingança – despejaria no mercado os seus 1,2 milhões de milhões de títulos dos EUA. Os preços das obrigações cairiam a pique com uma oferta descomunal das mesmas no mercado. Os rendimentos das obrigações aumentariam, forçando as ações a baixar.
Os preços das matérias-primas entrariam em colapso. E a maior parte do mundo entraria numa depressão-incluindo os EUA
E qual o grupo que perderia mais? Aqueles que mais têm a perder, é claro – ricos… os bem conectados… e os insiders do Estado profundo.
Na semana passada, reparámos que o economista Martin Feldstein estima que $9 milhões de milhões se perderão no mercado acionista dos EUA quando os preços reverterem para a média. Mas isso é só o começo.
Pelo menos isso… e muito mais… perder-se-ão em títulos e imóveis, também, mesmo só nos EUA.
Quando esta imagem se tornar clara para Donald J. Trump… a nossa previsão é que ele vai virar a sua atenção para qualquer outra coisa.
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O autor: Joel Bowman é Diretor Editorial de International Man. Peripatético incurável, ele desloca-se de país para país com frequência suficiente para que incluir a sua “residência atual” nesta biografia fosse um mero exercício de futilidade. Ele já viajou para 85 países (e contando), 11 dos quais ele chamou de casa em algum momento ou outro. Comentador prolífico, Joel escreveu milhares de artigos para importantes publicações libertárias, incluindo Mises.org, LewRockwell.com, FEE.org. e também apareceu em programas de televisão como RT. Joel foi um dos primeiros a adotar a criptomoeda, tendo alertado os seus leitores para o fenómeno Bitcoin quando uma única moeda estava sendo negociada por menos de US$ 10. Na última década, ele tem sido um palestrante regular em conferências em todo o mundo com um interesse particular em anarquismo prático e filosófico, internacionalização e economia monetária sólida. Joel também é romancista e está atualmente a escrever a sua segunda obra de ficção literária. (fonte: https://internationalman.com/articles/authors/joel-bowman/)