Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
8. Tarifas insensatas fazem com que Trump esteja a jogar com o fogo
Por Peter Schiff
Publicado por em 7 de março de 2018 (texto original aqui)
Com o seu anúncio na semana passada de tarifas gerais sobre o aço e o alumínio importados, o Presidente Trump lançou o que poderia ser a primeira salva de uma guerra mundial sobre o comércio global. Aparentemente ávido de combates, Trump alegremente colocou no Tweet que as “guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar”. Parece que Trump pensa que o conflito que está a querer jogar é muito parecido com o que Ronald Reagan fez em 1983 com a invasão de Granada, em vez dos braseiros e pântanos que se desenrolaram no Vietname, Afeganistão e Iraque. Trump está errado.
Além de sobrestimar a posição de negociação da América, Trump e os seus partidários grosseiramente não entendem a natureza do comércio internacional e como é que os americanos têm beneficiado de um sistema que nos permitiu consumir continuamente bens estrangeiros a crédito. Embora este “benefício” também tenha colocado um custo nas indústrias situadas nos Estados Unidos, eu não acredito que Trump tenha alguma ideia de como uma guerra comercial pode reduzir os atuais padrões de vida dos americanos.
Como justificação para a sua ofensiva surpresa, Trump gosta de destacar como é que o gigantesco défice comercial anual da América (que tem crescido para mais de $600 mil milhões durante a sua Presidência) é simplesmente o critério pelo qual a “estúpida” política comercial está a subsidiar as economias estrangeiras. Na sua mente as tarifas são apenas um meio de recuperar o que nós temos estupidamente dado ao estrangeiro. Como Trump explicou no Twitter “quando reduzimos o nosso défice comercial com um país em $100 mil milhões e eles se armam em espertos, não negoceiem mais com ele -nós ganhamos em grande.” Mas será que um país que tem um défice comercial está realmente a subsidiar o país que tem por isto mesmo um excedente? Ou é ao contrário?
Vamos supor que o leitor tem galinhas em casa e o seu vizinho tem uma vaca. Todos os dias troca meia dúzia de ovos por um litro de leite. Esta é a natureza do comércio. O leitor oferece algo que tem em abundância (que outras pessoas não têm) contra algo que outra pessoa tem em abundância (que o leitor não tem). Mas vamos supor que o leitor come algumas das suas galinhas e a sua produção de ovos cai para quatro por dia. Você continua a receber o seu litro de leite, mas todos os dias o seu vizinho acrescenta dois ovos na conta do que o leitor lhe fica a dever. Teoricamente, você vai um dia dever ao seu vizinho um monte de ovos. Mas, entretanto, esse défice de dois ovos representa um benefício para o leitor ou para o seu vizinho? Lembre-se de que o seu vizinho ainda tem que lhe entregar a mesma quantidade de leite por menos que recebe atualmente em troca. Ele pode obter a compensação mais tarde, no futuro próximo ou longínquo, mas ele não a está a receber agora. E com cada ovo com que o leitor mete no buraco, maiores são as possibilidades de que o seu vizinho acabe finalmente por ser enganado.
Quem é que corre o risco de ficar pior se este comércio for de repente bloqueado? Lembremo-nos, o leitor não é o único potencial parceiro nas transações com o seu vizinho. Talvez a casa do outro lado da rua lhe dê seis ovos pelo leite?
O défice ovos/leite que o leitor tem com o seu vizinho permite-lhe consumir mais do que a sua capacidade de produção normalmente permitiria. Enquanto isto for um benefício definitivo para o leitor, agora, isso dissuade-o de fazer os sacrifícios necessários para aumentar a sua produção de ovos. A sua própria indústria atrofia-se enquanto o seu vizinho não. Mas e daí? O leitor continua a ter todo o leite de que precisa.
O importante para uma economia é maximizar o consumo. Uma vez que os bens não podem ser consumidos se não tiverem sido produzidos, escusado será dizer que a produção é uma condição prévia necessária para o consumo. Mas, se tivermos a escolha, a maioria das pessoas ficaria feliz em externalizar a produção para qualquer uma outra pessoa e concentrar-se exclusivamente no consumo. Mas no mundo real tal arranjo é insustentável a longo prazo.
Naturalmente o leite acordado em troca por ovos será um problema se o seu vizinho lhe corta o crédito e exige o pagamento completo. Então o leitor passa a estar prisioneiro de uma grande dívida, com a produção de ovos reduzida e sem leite. Mas, para a América, esse dia ainda não chegou. Por enquanto, os nossos parceiros comerciais estão felizes em aceitar a nossa dívida em vez dos nossos bens. Mas se Trump começa a fazer exigências não razoáveis eles podem não estar assim tão dispostos a conceder-nos crédito.
É útil lembrar que uma tarifa é essencialmente um imposto que será pago pelos consumidores internos. Isto não é como se os produtores americanos mantenham os preços onde eles estão e simplesmente fabricar mais aço para compensar as importações perdidas. Em vez disso, os preços provavelmente vão subir para quase o mesmo nível que os produtos tributados que são importados. Os lucros nas empresas americanas de aço irão aumentar, mas a produção provavelmente não.
Os fabricantes saberão que a barreira política artificial que os protege pode ser removida a qualquer momento. Será que eles vão assumir o risco de investir na capacidade de fábricas e equipamentos, quando eles sabem que a remoção das tarifas eliminaria instantaneamente as suas vantagens e que os exporá a perdas? Dado o fraco apoio que tais tarifas terão além da estreita indústria de aço, podemos afirmar sem margem de erro que os fabricantes atuais manter-se-ão tranquilos e usarão os lucros extra para distribuir dividendos e para recomprarem ações das suas empresas. Numa menor extensão, eles podem aumentar os salários para os 140.000 trabalhadores de aço que tem o país. Mas este benefício específico deste setor terá um grande custo para a economia total.
Aumentar o custo do aço também elevaria o custo de cada produto americano fabricado com aço. Agora a discussão está centrada nas latas de cerveja, com as pessoas a discutirem sobre quantos centavos por lata podem as tarifas vir a aumentar. Mas isto é apenas a ponta do iceberg. O impacto real será visto para os artigos que utilizam intensivamente o aço e que são manufaturados aqui e no exterior.
Enquanto as tarifas Trump irão aumentar diretamente o preço do aço importado (e indiretamente o preço do aço nacional), nada é dito sobre o preço dos produtos feitos de aço. Assim um fabricante interno de aparelhos eletrodomésticos, tais como o Whirlpool, terá que pagar mais pelo aço utilizado para fazer um refrigerador. Mas os seus concorrentes estrangeiros serão capazes de fazer frigoríficos com aço não tributados e, em seguida, enviar o produto acabado para os EUA sem enfrentar uma tarifa. Isto dará à empresa estrangeira uma vantagem competitiva sobre o Whirlpool tanto em casa como no exterior. Whirlpool vai diminuir os seus lucros e pode lançar trabalhadores no desemprego. Assim, quaisquer vantagens que são dadas aos fabricantes de aço serão pagas por empresas e trabalhadores americanos que utilizam o aço. O problema para Trump é que existem apenas 140.000 trabalhadores americanos na indústria siderúrgica, mas mais de 6 milhões trabalhadores em indústrias que fazem coisas a partir de aço. (American Iron & Steel Institute)
O estratagema de Trump também é politicamente desajeitado. Ele gosta de dizer que as suas tarifas são destinadas a maus atores como a China. Mas esse país está muito abaixo na lista de exportadores de aço para a América. O movimento realmente atinge também os nossos aliados próximos em primeiro lugar, especialmente o Canadá, um país que representa 16% das nossas importações de aço, de acordo com um relatório de dezembro de 2017 do Ministério do Comércio. Mas 50% das exportações de aço dos EUA vão para o Canadá. O comércio transfronteiriço total entre os EUA e o Canadá em 2016 ultrapassou mais de $600 mil milhões anualmente, de acordo com o Gabinete do U.S. Trade Representative. Essa é uma carroça muito grande e pesada para ser empurrada em troca de um ganho comparativamente pequeno.
Potencialmente ainda mais perigoso é a forma como as tarifas serão implementadas. Ao afirmar absurdamente que elas estão a ser aplicadas no interesse da “segurança nacional”, em vez de vantagem económica, a administração Trump está a convidar a perdas embaraçosas na Organização Mundial do Comércio, o que combinado com um ambiente diplomático em rápida degradação poderia isolar os EUA economicamente.
O grande problema é onde tudo isto irá acabar. Já vozes importantes na União Europeia (particularmente da Alemanha) ameaçaram com tarifas de retaliação em exportações americanas política e simbolicamente sensíveis como o uísque, jeans azuis e motos Harley-Davidson. Trump ameaçou tributar os carros europeus, se a UE concretizar essas ameaças. Dadas as personalidades envolvidas, e o orgulho nacional em jogo, não é difícil ver que este tipo de comportamentos olho-por-olho poderia agravar-se rapidamente e levar a uma guerra comercial completa e em várias frentes.
Mas esta não é uma guerra que podemos vencer. Uma diminuição nas importações irá obrigar-nos a confiar na nossa própria produção para responder ao nosso nível de consumo. Mas já não produzimos muitos tipos de produtos que consumimos. Mesmo se nós fôssemos capazes de acelerar muito rapidamente a sua produção, os consumidores americanos estariam então a ver preços bem mais altos. Com abundância de indicações de que a inflação já começou a infiltrar-se, não é agora a altura para ir à procura de mais inflação.
Mas o mais inquietante é a probabilidade de que uma enorme descida nas transações no comércio internacional se traduza numa diminuição do apetite internacional em deter dólares americanos. Com os empréstimos do governo a estarem praticamente a ultrapassar um milhão de milhões anualmente, (e isto quando o próprio Federal Reserve está prestes a começar a vender mais de $600 mil milhões anualmente em obrigações do Tesouro) nós precisaremos de encontrar muitos, muitos compradores para adquirirem dólares americanos nos próximos anos.
Se uma guerra comercial desencorajar aqueles compradores, o dólar cairá e as taxas de juro aumentarão mesmo mais rapidamente. Mas a situação pode ficar ainda muito pior do que isso. Se uma recessão força a Federal Reserve a entrar numa nova vaga de flexibilização quantitativa, precisaremos desesperadamente de estrangeiros que apareçam nos nossos leilões de títulos. Se não aparecerem, perderemos a capacidade de exportar a nossa inflação, e toda a liquidez que temos em excesso, o que irá impulsionar a subida dos preços sobre a oferta limitada de bens e serviços produzidos internamente. Isto significa preços ainda mais elevados para os consumidores americanos, muitos dos quais também ficarão desempregados. A combinação de aumento do desemprego e da inflação será uma má política de Trump, uma vez que irá permitir que os democratas passem a utilizar o “índice de miséria” para derrotá-lo em 2020, tal como Ronald Reagan se serviu dele para derrotar o fim do mandato de Jimmy Carter há 40 anos atrás.
Resta-nos esperar que a arrogância de Trump relativamente ao comércio internacional seja apenas uma tática de negociação. Talvez ele seja esperto como uma raposa, e as suas ameaças irão produzir um resultado favorável para os EUA. Mas dada a sua impopularidade internacional, e a rapidez com que os líderes mundiais se mobilizaram para a guerra comercial, eu não contaria com isso. Mais provável será que as suas asneiras sobre o comércio internacional façam com que o dia do ajuste de contas chegue mais cedo do que esperamos.
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O autor: Peter Schiff é é um autor, empresário e comentarista financeiro dos Estados Unidos. Schiff é o CEO da corretora de valores Euro Pacific Capital Inc. Em 2010 foi candidato nas primárias do Partido republicano para o Sennado dos Estados Unidos. Peter Schiff é conhecido pelas suas visões sobre tendências baixistas (em inglês, bearish views) sobre a economia norte-americana e o dólar norte-americano, bem como tendências altistas (em inglês, bullish views) nas commodities, especialmente ouro. Schiff é um grande adepto da Escola Austríaca de pensamento económico. Peter Schiff é autor de seis livros. O seu livro “Crash Proof 2.0” apareceu nas listas dos mais vendidos (bestsellers) do New York Times e doWall Street Journal.