A GALIZA COMO TAREFA – construções – Ernesto V. Souza

Na lógica dos documentários, e em favor da verossimilhança da narrativa, poderíamos indicar que a gente da Galiza, e com ela as suas elites intelectuais, políticas e econômicas, apresentam bastantes divergências de atuação, lógica e comportamento das demais espanholas. Mesmo e considerando o esforço constante que fazemos para facilitar-lhes uma integração, que pagamos nós, pelo comum, do próprio peto.

No decurso do passado e no presente, sem necessidade de recorrermos à historia, à língua, à cultura, a aquelas perversidades sociais darwinistas e da raça do século XIX e XX, a cousa é que podemos fazer uma simples e doada pesquisa pairando pelas redes sociais ao chou ou pela imprensa. Chegaria, de feito, com fazer ler La Voz de Galicia, durante um mês a um local e a um de fora, para concluirmos que estão a ler jornais diferentes. A marca galego/a significa uma conotação de normalidade e alívio a olhos dentro e de complicação, suspicácia e alteridade a olhos fora.

A ideia do bem e o mal, do governo, da autoridade, da comunicação, o achegamento, o falar, a socialização, a organização social e territorial; as crenças, importância dos contextos, o conjunto de regras que definem a sociedade, a etiqueta, o diálogo, e daí as negociações, o negócio, o comercio. Os nossos triunfos são diferentes, como a nossa sintaxe, incomuns as nossas soluções e maneiras de competir, também não é, a nossa ideia de vergonha e fracasso, idêntica. Nos tempos que correm e adoito o nosso pulso latita descompassado com as lógicas, emoções, voto, problemas, crises, prioridades e dramas políticos, econômicos e sociais da “vida Nacional”.

Importa-nos bem pouco a Catalunha, tão longe de nós como perto da França, das Sicílias e da Lombardia, e com os mesmos direitos e razões para ser independente; e absolutamente nada quem governe o concelho e Comunidade de Madrid, mais distantes ainda que as estepes da Mongólia e os Mandarins do Reino da China. Quitando que lá tenhamos parentes e amizades, a nós, o que nos preocupa é o absurdo do Centralismo e todos os seus dogmas convertidos em linguagem de pátrias.

Preferimos cantigas humorísticas e narrações de viagens, descoberta, pimenta e maravilha. Relativismo, rejeitamento visceral da dialética absoluta de sim ou não e da filosofia de choque em base a princípios inamovíveis previamente expostos. O nosso representante e estética na tragicomédia noventaichista representada sem interrupção nos teatros do Ruedo Ibérico é Valle-Inclan.

A cousa é que estamos mais cômodos negociando, exportando e debatendo, falando de leis, do direito, de política, de sistema tributário, transportes, indústria, energia, imprensa, economia, jardins, cultivo, paisagem, educação, história naval, arquitetura, patrimônio, construção, mobília, instrumentos musicais, castros, castelos, paços e táticas militares com portugueses, britânicos, holandeses, com os mais dos africanos costeiros sub-Saara, indianos, japoneses e chineses.

Até tal ponto existe uma dicotomia que mesmo as nossas elites progressistas, antes e depois das guerras peninsulares, nunca foram bem afrancesadas, senão profundamente anglófilas.

Por isso, talvez, o debate entre as nossas elites progressistas e contra as conservadoras não pode ser encaixado no eterno debate espanhol das “duas Espanhas”, porque para além da anglofilia e celtismo no canto de afrancesamento, a nossa ideia da Espanha é, territorial e politicamente, mais complexa, variável, possibilista, centrada na Gallaecia e sempre com aquela ideia de fundo de “menos mal que nos queda Portugal”.

Explicaria-se melhor a Galiza, histórica e presente, numa perspectiva de confronto prolongado entre os interesses no Reino dos nossos Whigs e Tories locais e as nossas próprias revoluções burguesas, camponesas e religiosas. Com o confronto ainda predomina entre nós, para além do sentido comum, da fleugma, parcimônia, humor, do atlantismo, de Portugal, do gosto pelas formas e a palavra bem talhada, do classismo de senhorio e as tradições, um sentimento profundamente anti-jacobino e anti-centralista.

Afinal, e por volver a questão de título, quitando a retórica epocal (amiguinhos sim, mas a vaquinha pelo que val), a proclama e palavras de ordem com que começou a revolução de 1846, não perdeu nada com os anos. É mais, continua vigente:

JPG La_Revolución._Periódico_oficial_de_la_Junta_Superior_de_Galicia._núm._1.pdf
Texto completo transcrito na Wikipedia

 

1 Comment

  1. Um até poderia ensonhar que Valhadolide fica na nossa periferia na beira, mas alẽm, do rio limite histórico, o Pisorga. Mas lido e relido esse belezão de artigo quie é teu texto. semelha-me que estás muito longe, ou quiçá eu de galego pouco tenho, diga o que dizer o meu DNA….que tão bem pode ser

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