Sobre as razões que estão na base dos focos de tensão entre a China e os Estados Unidos – 22. Os falcões americanos sobre o comércio internacional agarram a sua oportunidade para redefinir as relações com a China. Por Rana Foroohar

Tensão EUA China 0

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

 

22. Os falcões americanos sobre o comércio internacional agarram a sua oportunidade para redefinir as relações com a China

Por Rana Foroohar

Editorial do FTimes em 23 de setembro de 2018 (aqui)

 

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As últimas tarifas parecem-se mais com o início de uma guerra fria do que com uma guerra comercial

 

Seria fácil ver a última ronda de tarifas de $200 mil milhões de dólares em produtos importados da China, a entrarem em vigor na segunda-feira, como apenas mais um outro tiro provocativo disparado por um presidente americano que tem necessidade de distrações no exterior num momento em que um nó corrediço parece estar a ser apertado em torno do seu próprio pescoço.

Mas isso seria errado. Na verdade, longe de ser uma decisão política imprudente e precipitada emanando unicamente da Casa Branca por decisão de Donald Trump, esta última ronda pautal representa algo muito mais perigoso e duradouro: uma verdadeira redefinição das relações económicas e políticas entre os EUA e a China, e o começo de algo que se parece muito mais com uma guerra fria do que com uma guerra comercial.

Este redefinir das relações económicas e políticas é apoiado por facções que se estendem bem para lá de Trump, tanto à esquerda como à direita. Isto é o que torna esta questão tão séria. O Presidente está inequivocamente obcecado com o défice comercial EUA-China, mas ele é também o tipo de pessoa capaz de rasgar um acordo desde que considere que pessoalmente isso lhe dá ganhos e é difícil imaginar que os chineses não possam tomar uma posição que o obrigue a tornar-se um pouco mais moderado.

Não é o caso dos falcões económicos dentro da Administração, como o conselheiro para as questões comerciais, Peter Navarro, ou Robert Lighthizer, o representante comercial americano, que estão a jogar um jogo inteiramente diferente. Eles acreditam que é no interesse nacional a longo prazo que os Estados Unidos se devem dissociar economicamente da China.

Há muita gente no Pentágono, bem como alguns na fação trabalhista da esquerda progressista que concordam com essa política. Muitas dessas pessoas estarão em posições de poder muito tempo depois deste presidente se ir embora. Eles têm agendas diferentes, mas estão juntos na ideia de que os EUA e a China estão numa rivalidade estratégica de longo prazo, e que, como resultado, a política comercial dos EUA e a política de segurança nacional devem deixar de estar separadas.

Isso marca uma mudança fundamental para a atividade empresarial global . Os falcões económicos têm pouca simpatia para com os principais executivos das multinacionais que se queixam que a última ronda de tarifas é ampla e profunda o suficiente para criar pressão inflacionária real ou forçá-los a aumentar os preços. Na verdade, eles veem essas empresas como traidores que ingenuamente se vendem, pelos ganhos a curto prazo, a um país que não partilha os valores ocidentais fundamentais, e acabará por não lhes permitir o acesso em igualdade de condições aos mercados.

E no atual ambiente económico e político, eles tomaram o controle da narrativa. Os falcões podem citar o roubo de propriedade intelectual pelos chineses, as violações de direitos humanos e a agressão nos mares do Sul da China como prova da sua posição.

“O leitor ouve muitos deles a falarem sobre a China como sendo uma potência revisionista, como a União Soviética – um provedor de um sistema completamente diferente,” diz Arthur Kroeber, diretor de Gavekal Dragonomics, uma empresa de consultoria centrada sobre a China. Essa visão pode ser exagerada, mas é de venda mais fácil do que defender o status quo da globalização económica para um público americano que está cada vez mais ansioso quanto à China ou quanto aos robôs (ou robôs feitos pela China) que lhes podem tirar os seus empregos.

Os falcões também foram bastante inteligentes até agora na preparação de tarifas que minimizarão o impacto sobre os preços ao consumidor, enquanto também penalizarão as empresas que mudaram as cadeias de abastecimento mais sensíveis para a China. Pense no produtor de chips Qualcomm (que se encontrou no lado errado do nacionalismo em ambos os países) ou do grupo tecnológico Cisco, que pressionou sem sucesso para ter os seus routers e comutadores, que alimentam cidades inteligentes na China, bem como nos Estados Unidos e na Europa, deixados de fora na mais recente lista de tarifas.

Um livro branco que recomenda algum internalização da cadeia de abastecimento dos Estados Unidos preparado pelo Departamento da Defesa e que provavelmente será publicado no próximo mês pela Casa Branca, pode vir a explicar a orientação que a Administração Trump pretende impor quanto à sua nascente política industrial. Mas é claro que as empresas americanas não irão sofrerão todas elas nem de igual modo os efeitos de uma guerra fria entre os Estados Unidos e a China.

As empresas tradicionais de consumo — a Starbucks, digamos, ou a Walmart — poderão manter uma presença do mercado chinês mais facilmente do que as empresas de alta tecnologia que negoceiam com dados confidenciais, ou qualquer empresa que trabalhe em áreas estratégicas, como cartografia ou veículos autónomos. Apple, Facebook, Microsoft, Google e outras multinacionais dos EUA que fazem negócios na China podem ter escolhas difíceis a fazer no futuro, se a guerra comercial se agravar e se transformar numa guerra fria em que eles não podem fechar os olhos quanto às preocupações nacionais dos Estados em que operam.

Os efeitos negativos podem ser primeiramente sentidos na China, dado que o país é ainda muito mais dependente da exportação do que os E.U. Mas a médio e longo prazo, as empresas dos EUA têm mais a fazer em termos de cadeias de abastecimento interno.

É política e logisticamente inviável tornar-se a fortaleza América, internalizando tudo, o que significa que a administração Trump deve construir alianças com parceiros comerciais de outras regiões como a Europa, se quiser ser capaz de levar a cabo uma política industrial americana— não uma fortaleza deste presidente.

Os empresários debatem-se com desafios mais existenciais. O que significa para uma empresa como, por exemplo, a Google estar a lançar um motor de busca censurado na China, enquanto a sua empresa-mãe, Alphabet, se recusa a enviar o seu chefe executivo, Larry Page, a testemunhar no Senado sobre a intromissão russa em plataformas tecnológicas americanas? Os dirigentes empresariais podem estar acima da política? Eles habitualmente gostam de pensar assim. Hoje, isto mais parece ser uma ilusão.

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