CARTA DE BRAGA – “ser e parecer” por António Oliveira

Estou a ouvir ‘A Lira de Orfeu’ na Antena 2, o programa de Martim Sousa Tavares hoje inteiramente dedicado a Beethoven, a propósito dos 250 anos do nascimento do genial compositor alemão.

E diz Martim, ‘Beethoven é um criador cujo legado assumiu um lugar central, indispensável ao desenvolvimento da música. A sua obra e pensamento são constantemente revisitados e o seu tempo nunca acabou’.

Julgo terem sido estas as palavras usadas pelo jovem maestro, palavras que também arrastam algumas perguntas, não propiamente do mundo da música – sabendo nós que não passamos do somatório de todos os que nos antecederam, quaisquer tenham sido as suas áreas de influência, quem seríamos sem um Gil Vicente, um Pedro Nunes, um Diogo de Boitaca, um Camões ou um Agostinho da Silva, para só citar alguns e a nível nacional?

E quantos outros e doutros campos, das ciências, das artes, da pintura, da música, das letras, da poesia e da narrativa que, com o seu ‘engenho e arte’ nos tornaram mais suportável e apetecível a passagem por este mundo?

Serão, apesar de tudo e mormente, nomes desconhecidos ou cada vez mais ignorados, face à pressão da velocidade e da urgência que marcam estes tempos, onde as respostas estão à distância de um click, e os nomes só contam os do cartapácio das selfies e dos likes.

Mas a vida continua, ninguém é indispensável, muito mais quando já nem está e, para isso, muito contribui a ambiência social e política deste tempo pois, afirmou Daniel Innerarity há poucos dias, ‘Publico.es’ de 23 de Janeiro, ‘A lógica da moda apoderou-se da política. As coisas caducam ou ficam desajustadas rapidamente, mas se as guardarem tempo suficiente, o ritmo é tão frenético que em breve as voltarão a vestir’.

Também penso que não vivemos tempos melhores ou piores que outros, apesar do desprezo que os ignorantes e aprendizes de ignorantes (basta olhar em volta!) manifestam pela cultura.

É bem verdade que cada época tem os seus ídolos e os seus cultos, mas ‘o maior problema é não os querer ver, porque então os seres humanos até serão capazes de adorar um qualquer, um grande demónio ou um pobre diabo’ garantiu, também há poucos dias, o poeta e filósofo Rafael Argullol.

E nem se pode culpar o destino de tudo isso porque, o destino nunca é para onde se vai mas sim o sítio onde se vai parar!

Toda a gente tem experiências próprias e definitivas disso mesmo mas, voltando a Innerarity ‘com os media focados no entretimento, bonificação imediata e argumentos de voo curto, gera-se o espaço público e a cultura politica onde reinam o curto prazo e o oportunismo’.

É urgente encontrar soluções e apelando também a Beethoven para terminar esta Carta, mas usando as suas próprias palavras ‘No mundo da arte, como em toda a criação, a liberdade e o progresso são os objectivos principais’ porque ‘Para parecer alguma coisa é preciso ser alguma coisa’.

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

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