Colombia, la morte di Mario Paciolla e il massacro di indigeni e attivisti, por L. C.
MicroMega, 30 de Julho de 2020
Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Mario tinha 33 anos de idade. Era um operador da ONU. Foi encontrado morto a 15 de Julho passado, algumas horas antes de deixar a sua casa em San Vicente del Caguán para regressar a Itália. A sua morte faz parte de um cenário que vê o país sul-americano como o mais perigoso para os defensores da terra e do ambiente e no qual os nativos são o primeiro alvo. A “Paz” nunca esteve tão longe.
L. C..
Ele estava sempre a falar de Nápoles, dizem os seus amigos da Colômbia. E tinha um bilhete de regresso a casa no bolso.
“Mario nunca teria escolhido morrer longe de Nápoles. Esta é a certeza daqueles que o conheceram, e daqueles que tudo farão para procurar a verdade”, diz – anonimamente por razões de segurança – um amigo de Mario Paciolla, um operador da ONU de 33 anos, encontrado morto a 15 de Julho passado na sua casa em San Vicente del Caguán, no sul da Colômbia.
Desde Agosto de 2019, Mario trabalhava para a missão da ONU para verificar os acordos de paz no departamento de Caquetá. Um trabalho complexo e difícil, num país atormentado por mais de meio século de guerra civil e onde a paz tão prometida pelos acordos nunca se tornou uma realidade.
Duas semanas após a sua morte, aguardam-se ainda os resultados das duas autópsias, a realizada pela polícia colombiana e a “italiana”. Em ambos os países, as autoridades declararam ter dado alta prioridade ao caso, mas continuam a manter o máximo sigilo enquanto aguardam outros elementos. As Nações Unidas, que lançaram a sua própria investigação interna, publicaram até agora apenas uma breve nota expressando as suas condolências à família e amigos de Mário, sem sequer mencionarem o seu nome.
A polícia colombiana inicialmente formulou a hipótese de um suicídio e informou que encontrou o operador da ONU enforcado e com facadas no seu corpo, após o alarme dado por um dos seus colegas que – não o tendo visto chegar ao escritório – tinha ido à sua procura em casa. Mas a hipótese de suicídio foi imediatamente afastada por aqueles que conheciam Mario e tinham falado com ele recentemente.
De acordo com reportagens dos media italianos e internacionais, nas últimas semanas, Mario tinha confiado à sua mãe que estava preocupado e agitado. A 10 de Julho teve uma discussão acalorada com os seus chefes de missão da ONU e disse que “se tinha metido em sarilhos”. O contrato de Mario expiraria a 20 de Agosto, mas ele tinha decidido antecipar a viagem em um mês. No dia 15 de Julho deveria deixar San Vicente del Caguán para ir à capital e começar a tratar da papelada para a viagem de regresso. A jornalista e amiga activista Claudia Julieta Duque no Espectador escreve que Mario se sentiu ameaçado, e que tinha reforçado as medidas de segurança na sua casa e removido uma fechadura do telhado para garantir uma rota de fuga no caso de alguém invadir a sua casa.
No âmbito da missão da ONU, Mário foi responsável por um programa de reintegração social para antigos guerrilheiros num dos 24 “espaços de formação e reincorporação territorial” criados na sequência dos acordos de paz assinados em 2016 entre o governo e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias Colombianas). Mario conhecia bem a complexa dinâmica do país, porque durante dois anos tinha sido voluntário da Peace Brigades International na Colômbia, acompanhando os defensores dos direitos humanos em risco. Licenciado pela Universidade Oriental de Nápoles, tinha realizado vários trabalhos e experiências de voluntariado no estrangeiro, na Índia, Jordânia e Argentina. Sob o pseudónimo Astolfo Bergman, tinha também escrito artigos para vários jornais e foi um dos fundadores da rede Cafébabel.
A paz que não está lá
Mario tinha chegado à Colômbia na véspera dos acordos de paz, numa fase histórica de grandes contradições e grandes esperanças. Em 2016 tínhamos a ilusão de que finalmente podíamos ver a luz ao fundo do túnel e pôr fim a uma guerra civil que durava há 52 anos e tinha causado mais de 260.000 vítimas, 80.000 desaparecidos, e milhões de deslocados internos. Mas o que impedia essas esperanças era a consciência de quão tortuoso era o caminho para a paz e quão frágeis eram as premissas sobre as quais as negociações e os acordos estavam a ser construídos.
Quatro anos mais tarde, a situação parece cada vez mais dramática. A maioria dos guerrilheiros abandonaram as suas armas, permitindo assim a formação do partido político das FARC (cujo acrónimo significa hoje Força Alternativa Revolucionária da Comuna). Mas nas áreas deixadas livres pelas FARC, outros grupos armados avançaram rapidamente. Atualmente, o país é um campo minado, controlado por uma complexa rede de formações paramilitares, traficantes de droga, guerrilheiros, exército, empresários e políticos coniventes, que competem pelo controlo do território e dos recursos naturais. Além disso, algumas franjas dissidentes das FARC, particularmente activas no departamento de Caquetá onde Mário viveu, nunca aceitaram os Acordos de Paz, e as negociações com os guerrilheiros do ELN (Exército de Libertação Nacional) também permanecem num impasse.
Os interesses em jogo são elevados e as alianças tácitas entre estes grupos mudam de acordo com a conveniência mútua, mas o que permanece constante é um cenário de violência profunda e sistemática em que a população civil e os grupos mais vulneráveis são os mais atingidos com a situação que se vive no país. Os ativistas dos direitos humanos e organizações internacionais denunciam que a situação está a piorar ainda mais com o governo de direita de Duque, no poder desde 2018, acusado de fazer o jogo dos poderes económicos e de arruinar as reformas prometidas pelos acordos.
“No início deste ano, na nossa última viagem à Colômbia, pudemos ver com os nossos próprios olhos a gravidade da situação”, diz Francesca Caprini da Yaku, uma associação que luta pela defesa da água e contra a privatização dos bens comuns, em solidariedade com as lutas das comunidades indígenas, camponesas e afrodescendentes na América Latina. “Temos visto territórios totalmente militarizados, onde os paramilitares caminhavam ao lado do exército. Estes grupos controlam o território de uma forma mais do que capilar, de uma forma mafiosa. A extorsão e o assassinato estão na ordem do dia”.
Segundo o último relatório publicado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e Paz (Indepaz), desde a assinatura dos Acordos de Paz em Julho de 2020, 971 defensores e defensores dos direitos humanos foram assassinados. Como lemos no relatório recentemente publicado pela ONG Global Witness, “Defender o futuro“, os defensores da terra e do ambiente estão entre os que correm maiores riscos. Dos 212 ativistas assassinados em todo o mundo no ano passado, até 64 casos (ou 30%) foram registados na Colômbia. Os povos indígenas são os que pagam o preço mais elevado: apesar de representarem pouco mais de 4% da população, metade das pessoas assassinadas em 2019 no país latino-americano pertenciam a comunidades indígenas, consideradas “inconvenientes” porque são o último baluarte contra a expansão extrativa.
“Mais de 50% do território colombiano é dado em concessão a empresas privadas: a guerra interna é funcional ao açambarcamento de recursos”, diz Caprini. “Há dois anos, quando o Presidente Iván Duque apresentou o seu plano de ‘desenvolvimento’ económico para a Colômbia, deu luz verde para o açambarcamento de recursos e territórios em detrimento dos direitos comunitários, com um mecanismo chamado Obras por impuestos que deu às multinacionais a possibilidade de investir no país sem sequer terem de pagar impostos, em troca da construção de infra-estruturas de suposto interesse público. E é desta forma que as grandes empresas puderam entrar em territórios anteriormente intactos, sem respeitar o direito das comunidades locais ao consentimento livre, prévio e informado”. Neste contexto difícil, o trabalho de Mario Paciolla – primeiro com a Peace Brigades International e depois com a missão da ONU – foi extremamente importante. Com a sua presença, com os seus testemunhos e com o acompanhamento das comunidades locais, Mário tentava manter vivas aquelas poucas esperanças ainda não sugadas para a espiral de violência contínua. Como recorda um dos seus amigos colombianos, “o seu empenho e idealismo foram a sua maior força, porque o impediram de se render mesmo quando outros já não acreditavam mais nestes objetivos “.
Justiça para Mario
De Nápoles à Colômbia, as iniciativas multiplicam-se para exigir verdade e justiça para Mário. A 30 de Julho, um evento comemorativo, organizado por amigos e familiares, terá lugar na sua cidade natal. Cada vez mais pessoas se juntam ao apelo da Europaz, uma rede académica criada em apoio aos acordos de paz na Colômbia, onde se pede às autoridades colombianas que garantam uma investigação transparente, verdade e justiça para Mario. Este é um pedido muito urgente, num dos países com a mais alta taxa de impunidade do mundo. De acordo com relatórios da Global Witness, quase 90% dos assassinatos de defensores dos direitos humanos na Colômbia ficam impunes.
“A morte de Mario é a última de uma longa lista de pessoas mortas na Colômbia, mortas apenas porque acreditavam num futuro pacífico”, diz Ivi Oliveira, Coordenadora para a América Latina da organização não governamental Front Line Defenders, que oferece apoio prático aos defensores dos direitos humanos em todo o mundo. “Mario fazia parte da mesma família que eu, porque eu também fui voluntário com a Peace Brigades International. E fez parte daquela grande família de todos aqueles que no mundo lutam para defender os direitos humanos. Foi por isso que os Defensores da Linha da Frente também lançaram um apelo às autoridades colombianas, pedindo uma investigação rigorosa e transparente para descobrir o que está por detrás da morte de Mário”.
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