CRISE DO COVID 19 E A INCAPACIDADE DAS SOCIEDADES NEOLIBERAIS EM LHE DAREM RESPOSTA – LXX – COVID E CAPITALISMO- UM EXEMPLO INGLÊS – AS FÁBRICAS DO SUOR E O PODER DE MONOPSÓNIO, por MICHAEL ROBERTS

 

Sweatshops and monopsony power – a review, por Michael Roberts

Michael Roberts blog, 5 de Julho de 2020

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

Leicester é uma cidade de tamanho médio no centro de Inglaterra.  Tem vindo a ser alvo de destaque nas últimas semanas devido a um surto de COVID-19 na cidade, forçando um confinamento local, enquanto o resto da Inglaterra começa a “sair”.  Leicester tem uma comunidade asiática britânica relativamente elevada e muitos estão concentrados a trabalhar na indústria do vestuário.  E é aqui que o surto da COVID parece ter surgido.

A razão é clara. Os trabalhadores do vestuário em Leicester trabalham em fábricas minúsculas e inseguras ou mesmo em casas, empregados por salários inferiores ao salário de pobreza  (5 dólares por hora!) e têm trabalhado durante todo o confinamento  da crise do coronavírus. Estas pequenas empresas tiveram de continuar porque havia realmente apenas um comprador, o retalhista em linha, uma empresa britânica de origem   asiática,  propriedade de BooHoo.  Tal como a Amazon, a Boohoo fez uma fortuna durante a pandemia com retalhistas situados  em lojas fechadas dado o confinamento.  Os seus lucros estão registados no paraíso fiscal da ilha de Jersey. E domina a indústria do vestuário de Leicester.  É um exemplo clássico do poder de monopsónio.

Vemos frequentemente o conceito de “monopólio” na economia política e nos círculos esquerdistas como uma categoria relevante para o capitalismo moderno. Normalmente não reconhecemos o ‘capitalismo de monopsónio’.  Mas deveríamos.  É aqui que o livro de Ashok Kumar, “Monopsony Capitalism Power and Production in the Twilight of the Sweatshop Age” preenche uma lacuna.

Enquanto que o monopólio implica um vendedor dominante ou hegemónico no mercado de bens e serviços, controlando os preços e mantendo afastados potenciais rivais, o monopsónio implica o controlo do mercado por um comprador dominante sobre muitos vendedores mais pequenos.  O mercado de trabalho capitalista é um exemplo chave, onde o capital exerce relativo poder de monopsónio sobre os trabalhadores, a menos que estes estejam organizados em sindicatos, etc.

O  monopsónio  Boohoo em Leicester repete-se em escala ainda maior com grandes retalhistas como o Walmart nos EUA ou a Amazon a nível mundial, ou fabricantes como a Nike ou a Apple ou produtores alimentares como a Nescafe ou Del Mar, que exercem um enorme poder de monopsónio sobre os seus fornecedores (na agricultura, vestuário e calçado, eletrónica, etc.).

Kumar é professor de Economia Política Internacional na Escola de Negócios, Economia e Informática da Universidade de Birkbeck. O seu livro leva-nos ao coração do capitalismo de monopsónio global através da cadeia de valor do vestuário e calçado barato nas lojas do “norte global” a partir das fábricas de suor  do Bangladesh e de outros países sob o domínio das multinacionais.

O Capitalismo de monopsónio argumenta que a cadeia de valor do vestuário a nível global depende da dinâmica de poder desigual de muitos fornecedores e poucos compradores – monopsónio. O resultado é um baixo nível de captura de mais-valia na fase de produção da cadeia de fornecimento, o que assegura um investimento de capital cronicamente baixo na indústria dos países periféricos.  A mão-de-obra barata e muitos fornecedores são preservados, em oposição à utilização de maquinaria e de menos empresas de maior dimensão. A fragmentação e o baixo investimento de capital nas cadeias de valor do vestuário e calçado cria barreiras baixas à entrada, resultando em guerras de licitação entre milhares de empresas mais pequenas de todo o mundo.  De facto, uma “sweatshop” pode ser definida como um local de trabalho onde a mão-de-obra não tem essencialmente poder de negociação.

A tragédia de Rana Plaza de 2013, quando uma enorme fábrica de vestuário no Bangladesh ruiu, chão sobre chão, de andar em andar, esmagando muitos dos seus ocupantes, foi um momento catalítico. “O desastre de Rana Plaza provou ser um monumento ao completo e total fracasso do ativismo ocidental: 1.134 trabalhadores pereceram”.  Os boicotes aos consumidores e as campanhas no Norte global contra as ‘sweatshops’ provaram não ter tido qualquer efeito.

Mas o que aconteceu desde então mostra outra saída para este pesadelo. Depois da Rana Plaza, os sindicatos do Bangladesh exigiram novas condições de segurança, semelhantes à forma como se lutou pela redução das horas e por uma melhor segurança nas fábricas de algodão de meados do século XIX na Grã-Bretanha, que Marx regista. Em Agosto de 2013, 45 sindicatos de fábricas de vestuário tinham sido registados junto do governo do Bangladeche. Os sindicatos utilizaram um modelo de organização “hot shop”, seguindo o rasto de agitação laboral de caso para caso, de fábrica para fábrica, estabelecendo e reforçando as bases sindicais. Um conjunto quase interminável de pequenas empresas de vestuário em todo o mundo começou a desaparecer progressivamente, absorvido por rivais maiores ou forçado a fundir-se.  Assim, Kumar argumenta que o poder de monopsónio dos retalhistas multinacionais enfrentava cada vez mais empresas oligopolistas, impulsionadas pela sua força de trabalho a exigir melhores preços e condições.

O livro de Kumar analisa a ação coletiva dos trabalhadores em vários locais de produção, principalmente na China, Índia, Honduras, e Estados Unidos, e secundariamente no Vietname, Camboja, Bangladesh e Indonésia. A ação por parte dos trabalhadores nestes países “testaram os limites da ordem social, esticando-a até as costuras aparecerem, e forçando os patrões a virem à mesa proverbial, chapéu na mão, para fazer acordos com aqueles que montam os seus bens”.

Nestes estudos de caso, Kumar revela que tem havido uma crescente consolidação dos fornecedores finais, aumentando a quota de valor dos fornecedores sobreviventes, facilitando assim o autoinvestimento e aumentando as barreiras à entrada.  As lutas dos trabalhadores por salários e condições de trabalho alteraram o equilíbrio do poder económico entre os fornecedores multinacionais e os fornecedores nacionais.

Kumar lembra-nos que Marx e Engels argumentaram que o capital global geraria um proletariado global que acabaria por ser a sua ruína. Mas talvez a ação coletiva dos trabalhadores seja a exceção sob o capitalismo. Talvez as vantagens estruturais do capital em certos sectores, como o vestuário e o calçado, tenham efetivamente resolvido a luta dialéctica a favor dos capitalistas.  Os estudos de caso de Kumar sugerem o contrário. O sector do vestuário (e cadeias de valor verticalmente desintegradas em geral) são também “animados pela lógica da concorrência, que se move inexoravelmente na direção da consolidação, reduzindo assim o poder de monopsónio  dos compradores. enquanto as mudanças na cadeia de valor se refletem no poder de negociação dos trabalhadores”.

Kumar confirma que a lei da acumulação de Marx ainda funciona, nomeadamente que o capitalismo deve passar a depender cada vez mais de “trabalho morto” (tecnologia, etc.) e cada vez menos de “trabalho vivo” (trabalhadores) e isso inclui também as “economias emergentes” periféricas. Níveis mais elevados de “trabalho morto” começam a criar maiores barreiras à entrada:  Porquê? “Porque quanto menor for a composição orgânica do capital, menos capital é necessário no início para entrar neste ramo e estabelecer um novo empreendimento. É muito mais fácil reunir o milhão ou dois milhões de dólares necessários para a construção de uma nova fábrica têxtil do que reunir as centenas de milhões necessárias para montar até mesmo pequenas fábricas de aço”.

Apoiando-se nesta tendência fundamental da acumulação capitalista, Kumar considera que “há uma mudança no ar“. Na China, Índia, Honduras, Vietname, Camboja, e Indonésia muitas fábricas já têm uma composição orgânica relativamente elevada. Torna-se “possível vislumbrar um outro mundo onde os chefes vêm à mesa das negociações, chapéu na mão, para fazer acordos com aqueles que montam os seus bens”. Quando os sindicatos, ativistas, e advogados reúnem os  seus recursos – financeiros- morais, políticos, e humanos – para apoiar uma organização inteligente, centrada, de baixo para cima em grandes empresas cada vez mais integradas, os trabalhadores do vestuário transformarão a sua indústria“.

Uma vez estabelecidas as barreiras à entrada entre os fornecedores nacionais, será impossível derrubá-las e regressar ao poder de  monopsónio. As lojas de suor ocorrem onde os excedentes são limitados, e a produção é difusa e isolada do consumo. Mas a concorrência acaba por criar uma indústria centralizada, com algumas mega-empresas em poucos locais.  Depois os fornecedores ascendem, dando também aos trabalhadores o terreno elevado.  Mas como diz Kumar, “se este é de facto o crepúsculo da era das fábricas de suor ou uma nova corrida ao fundo pode, em última análise, depender da auto-organização e das exigências do povo trabalhador”.  Isto aplica-se também às oficinas de confeção da COVID-19 em  Leicester.

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michael roberts | 5 de Julho de 2020 às 12:09 | Categorias: capitalism, economics, marxism, Profitability | URL: https://wp.me/pLequ-4we

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Sweatshops and monopsony power – a review

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