FRATERNIZAR – Tenebrosos são estes tempos de pandemia – QUE VIA POLÍTICA NOS PODE SALVAR? – por MÁRIO DE OLIVEIRA

 

Formados-formatados para presidirem a certas funções ritualizadas que lhes são institucionalmente reservadas em exclusivo, os clérigos católicos são, nestes tenebrosos tempos de pandemia que veio para ficar, os mais infelizes dos nascidos de mulher. E é assim como clérigos que insistem em apresentar-se aos demais nascidos de mulher, sem jamais terem consciência de que estão ao serviço de um monstro de muitas cabeças – o Estado do Vaticano e sua Cúria – que tem a dar-lhe cobertura e plena legitimidade o deus todo-poderoso da Bíblia, de S. Pedro, de S. Paulo e de todos os teólogos cristãos de renome, hoje o deus Dinheiro, o mais poderoso e macabro de todos os deuses sobre a Terra, já totalmente apanhada e envenenada por ele.

Se os ventos já não iam nada de feição para os clérigos católicos, a chegada do coronavírus com sua pandemia pode muito bem representar o seu extermínio puro e simples. O que se saúda! Porque se os ritos litúrgicos em que todos são peritos já eram um evento com tudo de tortura, quando realizados presencialmente nos templos, agora, realizados via internet, são sucessivos tiros nos próprios pés dos que a eles presidem.

Dei-me ao cuidado de visionar, no último domingo de janeiro, pedaços de um desses ritos transmitidos diariamente da Sé catedral do Porto, presidido pelo respectivo capelão. Como era previsível, ele limitou-se a seguir o Missal romano desse dia. Vai daí, lá começou por confessar a deus pai todo-poderoso os seus pecados, bateu duas vezes com a mão no próprio peito, enquanto dizia, ‘Por minha culpa, por minha grande culpa’; depois auto-absolveu-se e aos potenciais seguidores confinados nas suas casas, recitou integralmente o Credo de Niceia-Constantinopla e foi assim monocordicamente até ao fim como um robô. E nem à despedida, foi capaz de mudar o ritual e limitou-se a reproduzir o que lá está escrito, ‘Ide em paz e o senhor vos acompanhe’. Mas como irem, se ninguém estava ali com ele na tenebrosa sé catedral do Porto? E irem para onde, se a palavra de ordem da Pandemia é, ‘Fiquem em casa’?!

Entretanto, se os clérigos católicos estão em extinção e não há felizmente neste milénio quem esteja interessado em assumir essa estéril e maléfica função, o mesmo se pode e deve dizer dos actuais governos dos Estados das nações e dos partidos políticos com assento nos Parlamentos de cada um deles. O agir de uns e de outros em tempos de pandemia é típico de alguém que de repente fica cego e anda às apalpadelas a ver se consegue orientar-se e voltar a ter o controlo da situação. Só que nesta luta semelhante à do gato e do rato, o rato – o coronavírus – leva sempre vantagem, porque conhece os esgotos e até se alimenta nos esgotos, enquanto o gato – governos das nações, Partidos políticos e os respectivos Parlamentos – carregado de privilégios, vive de dia para dia cada vez mais aos papéis, esgotado e desorientado. E sem lucidez bastante para parar e descobrir uma via política alternativa à dos sistemas de Poder, que nos torne imunes a todo o tipo de vírus. Essa via política existe. O difícil é dar por ela e frequentá-la. Porque é via porta-estreita e tão apertada, que só mesmo o Vento-Sopro, que é também o nosso respirar de nascidos de mulher, o consegue.

Felizmente, para os povos da Terra, este já não é mais o tempo dos clérigos. E é bom para os mesmos povos que também deixe de ser o tempo dos governos dos Estados, dos Partidos e dos Parlamentos como hoje os conhecemos. Os privilégios com que todos se fazem rodear deixam-nos cegos e às apalpadelas em busca de soluções, qual delas a pior. E a prova está aí bem à vista dos povos. Dizem uma coisa de manhã, outra ao final da tarde e uma outra no dia seguinte. E assim sucessivamente. Somos, em consequência, um povo de povos à deriva. E mal avisados andaremos, se, em desespero de causa, ainda corrermos a confiar a estranhos, mercenários por natureza, a solução que se impõe. Porque, ou a solução que se impõe vem de dentro de nós, Povo de povos, como o nosso primeiro respirar, depois do corte do cordão umbilical, ou acabamos todos infectados-envenenados-comidos pelo rato Coronavírus e outros que, inevitavelmente, se lhe seguirão.

Fundamental, nesta hora, é termos sempre presente que esta pandemia covid-19 é apenas o começo das dores. Não só se manterá, como até se agravará, se nós, Povo de povos, não passarmos do estilo de vida ao jeito do Grande Mercado, gerador de sucessivos vírus e de doenças de todo o tipo, para um outro estilo de vida, ao jeito das aves do céu, dos lírios do campo e dos vasos comunicantes, gerador de criatividade, saúde, bem-estar, paz, cultura e afectos, muitos afectos.

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