AS MIGRAÇÕES NA OBRA DE ALVES REDOL, por ANTÓNIO MOTA REDOL

(1911 – 1969)

 

O território português foi desde há milhares de anos palco de migrações de inúmeros povos, mas não foi esse passado o objecto de Alves Redol nos seus textos, embora neles seja frequente a referência a romanos, árabes e judeus. Dedicou-se preferencialmente às migrações dos Séc. XIX e XX.

Alves Redol iniciou-se a escrever, ainda na adolescência, no jornal Vida Ribatejana e, já nos anos 30, no jornal Mensageiro do Ribatejo, em ambos os casos com crónicas, comentários a actividades locais de Vila Franca de Xira, contos, e publicando novelas não neo-realistas, mas algumas de ambiente rural, na revista Notícias Ilustrado, do grupo Diário de Notícias.

Começou a frequentar a redacção do jornal O Diabo, aqui publicando em 1936 o conto de ambiente tribal africano “Kangondo”. A breve prazo, o director do jornal, Rodrigues Lapa, desafiou-o a escrever sobre o Ribatejo. Redol iniciou a sua formação em etnografia, estudando os textos teóricos e os trabalhos realizados, nomeadamente os de Leite de Vasconcelos. Adquiriu um método de trabalho de que constava o trabalho de campo, tirando apontamentos e fotografando.

Publicou vários textos etnográficos em O Diabo entre 1936 e 1940, editou em 1938 Glória – Uma Aldeia do Ribatejo – Ensaio Etnográfico. Mais tarde, publicou Cancioneiro do Ribatejo (1950), o capítulo Ribatejo (86 páginas) em Portugal Maravilhoso, dirigido por João de Barros (1952) e o monumental (670 páginas) Romanceiro Geral do Povo Português (início de publicação em 1959).

Vários estudiosos da sua obra, como Mário Dionísio, Alexandre Pinheiro Torres, João David Pinto Correia, Vítor Viçoso, e outros., chamaram a atenção para a longa preparação dos seus textos, em particular romances, com demoradas permanências nos locais, junto das populações-objecto, registando tudo e estudando o seu historial, a sua antropologia e, em particular, a sua etnografia.

As migrações, quer as sazonais, quer as esporádicas, ou as definitivas, constituíram um dos temas que não poderia deixar de analisar. A sua própria família tinha esse historial. A família Redol tem origem em dois irmãos judeus finlandeses que vieram para Portugal nas tropas de Napoleão. Tendo estas acampado na Golegã, ali ficaram os dois irmãos quando os franceses se retiraram. Foram baptizados segundo o rito católico e terão adoptado um novo nome próprio e apelido. Eram, portanto, cristãos-novos.

Mas a família Redol não ficou por aqui. João Redol, campino na Golegã, que casou com uma avieira, migrou para Pegões Altos para ser feitor duma quinta e, depois, Casal da Cabrita, onde amanhava a sua terra, ambas perto de Tomar. Dois dos filhos haveriam de ir trabalhar para Vila Franca de Xira, onde António Redol da Cruz casou com Inocência. São os pais de Alves Redol. Os Alves, de que o patriarca era o ferreiro Venâncio Alves, viera com a mulher e os filhos de Bucelas, atraído por uma zona onde havia grande actividade económica e grandes motivos de atracção; era um grande interposto comercial, importante em todo o Ribatejo. Aliás, esse efeito centrípeto intensificou-se no concelho com a sua acelerada industrialização. No entanto, muitos elementos da família Redol, bastante numerosa, migraram para outras regiões, incluindo África. O próprio Alves Redol emigrou para África com 16 anos.

Em Vila Franca de Xira e no concelho, verificavam-se emigrações para alguns países da Europa, para o Canadá e para os EUA, em particular nos anos 50. Para este último destino, eram conhecidas as emigrações clandestinas em navio de mercadorias. Mas essas emigrações eram, geralmente, de mão-de–obra muito qualificada. Mais tarde, com a guerra colonial, houve muita emigração clandestina e não só, nesta zona e em todo o país. Mas esta já Redol não pôde testemunhar nos seus romances. Apenas numa peça de teatro. Relativamente às dos anos 50 ainda se encontram referências esparsas.

Mas sendo este um fenómeno das migrações muito frequente em Portugal e sensibilizado pelo próprio historial familiar, não é de estranhar que sejam uma constante na obra do escritor.

Vejamos:

1) Gaibéus (1939) – vindos do Alto Ribatejo e da Beira Baixa para a Lezíria do Tejo para os trabalhos do arroz, os gaibéus e gaibéuas constituem o núcleo central do romance; vêm em ranchos controlados por angariadores e capatazes; são mal recebidos pelos trabalhadores locais, pois, com salários mais baixos, tiram-lhes o trabalho. São um exemplo de uma migração sazonal. No meio da trama, os seus interesses, conflitos, costumes, maneiras de ser, falas, cantigas, são estudados e descritos no romance. As glorianas, naturais de Glória, vivem em ranchos à parte e não se misturam com os outros ranchos. Muitos trabalhadores ribatejanos, mas também gaibéus, sonham com a emigração, como fica patente no capítulo do romance “Porto de Todo o Mundo”. Inúmeras raparigas, desvirginadas pelos patrões, não regressam às suas terras e vão para Lisboa para a prostituição. Também se fazem referências aos carmelos, nesta e em muitas outras obras do escritor. E aos ciganos. Redol estudou as práticas agrícolas e as diferentes fases de produção do arroz. Mas também de outras produções agrícolas, algumas delas já maquinizadas.

O romance desenvolve-se na época da ceifa do arroz, em Setembro, mas durante o período da transplantação dos pés do cereal para os canteiros em Maio/Junho, ranchos de gaibéus tinham estado na Lezíria. Eles chegam e partem de comboio para as suas terras e vêm à procura de ganhar um sustento suplementar que a agricultura da sua região não pode proporcionar. Muitos são pequenos agricultores. Redol há muito que conhecia a sua existência, pois alguns ranchos, atravessando o rio de barco, vinham aviar-se ao fim de semana na mercearia, na loja de fazendas e na padaria do pai em Vila Franca de Xira. Mas também de estadias junto deles na Casa Branca, em Azambuja e em Montalvo, na Lezíria de Vila Franca.

Muitos destes migrantes acabavam por ficar na zona, constituindo uma comunidade importante, a qual, de vez em quando, matavam saudades da terra de origem, com festas alternadamente em Vila Franca e Tomar, em que as bandas de música das duas vilas desfilavam pelas ruas e abrilhantavam as festas, que incluíam sempre grandes almoçaradas e jogos de futebol entre equipas das duas localidades, com participação das autoridades locais e grandes reportagens nos jornais dos dois lugares.

2) Avieiros (1942) – vieram de Vieira de Leiria, talvez no Séc. XIX, fugindo de um mar adverso e assassino, que já dava pouco peixe, primeiro, sazonalmente, vivendo nos barcos, e, depois, definitivamente, construindo aldeias lacustres ao longo do Tejo e do Sado (uma migração sazonal que se transformou em definitiva); pescavam segundo diferentes modalidades no rio; também negociavam em melão; tinham hábitos próprios, são uma comunidade fechada, que não se relaciona com a vizinhança e com ela conflitua; são mal vistos pelos ribatejanos. Apesar das dificuldades de abordagem, Alves Redol conseguiu conquistar a sua confiança e desvendar os seus íntimos. Foi ele que os trouxe para a literatura e para o conhecimento público, depois de uma longa vivência em várias aldeias avieiras. Primeiro, na aldeia de Toureira, perto de Vila Franca de Xira, «onde semeei, pouco a pouco, amizades e até devoções», segundo escreveu o escritor; e, depois, na aldeia de Palhota, onde viveu algumas semanas e foi padrinho de casamento, privilégio muito raro para quem não era avieiro. Redol divulgou os seus costumes, gastronomia, tipos de habitação lacustre, crenças, comportamentos, bem como as suas artes de pesca, das quais constam as artes ilegais, perseguidas pelas autoridades. Os avieiros estavam habituados às artes de pesca do mar, mas também às do rio, que praticavam no rio Lis. Estas artes tinham vindo do rio Minho e, anteriormente, da Galiza. Algumas das que usaram no Tejo resultaram de adaptações que fizeram de artes dos pescadores deste rio e de outras, do mar. Redol desvendou (mas não revelou)  os locais e as tocas onde os avieiros sabiam haver peixe. Relatou, também, a migração do peixe, nomeadamente o sável, Tejo acima, para desovar.

Os avieiros trouxeram os seus barcos para o Tejo, onde inicialmente viviam, e as técnicas da sua construção.

Varinos e murtoseiros, viviam com carácter definitivo em Vila Franca, onde pescavam no rio, estendendo as suas redes, para secarem e serem remendadas, no largo à saída da vila, junto à praça de toiros; na infância, Redol viveu na chamada Rua dos Varinos, onde conviveu com estes e com ciganos. Houve tempos em que as zonas de cada comunidade estavam demarcadas e ai de quem se atrevesse a entrar em zona alheia. Os varinos eram rivais dos avieiros, que na zona não se atreviam a pescar, nem sequer a ir. Eram rivalidades existentes já nas regiões de origem. Só muito mais tarde, os avieiros se fixaram em Vila Franca com as suas casas lacustres.

Apenas depois da edição do romance, Redol soube a origem avieira da avó, “segredo” mantido pela família com todo o zelo, mostrando o quanto os avieiros eram mal vistos na Borda d’ Água.

3) Fanga (1943) – Golegã também era uma terra de atracção de gente de fora, embora muito menos que a zona de Vila Franca de Xira; barrões e barroas aqui ficavam; os fangueiros alugavam as terras de cultivo aos senhores, mas também trabalhavam como alugados; alguns vieram de fora; os familiares de Redol não foram os únicos que chegaram nas tropas de Napoleão e que ficaram aqui; um poeta popular, homem esclarecido politicamente, culto, com influência junto dos camponeses, era um dos que migraram doutra zona.

Redol estudou estas movimentações, a agricultura (aqui cultivava-se o milho, a videira, a batata e o tomate, varejavam-se as oliveiras, tratavam-se as vacas), a economia, a antropologia e a etnografia locais. Também os conflitos. Viveu, longamente, e por várias vezes. em casa de parentes que “faziam a fanga”. Outros familiares, como fora seu avô (João Redol), eram campinos, tratando do gado bravo. Também este avô migrou, para Pegões Altos, perto de Tomar, e, depois, comprou terra no Casal do Sobreiro, perto desta vila, e dedicou-se à agricultura. Outros familiares, ainda, eram assalariados.

Igualmente na Golegã, como noutros pontos do Ribatejo e Alentejo, raparigas desvirginadas pelos patrões, na sua maioria latifundiários, integravam a prostituição lisboeta.

Quando o romance saiu, em 1943, um grupo de latifundiários juntou-se, foi à papelaria local, comprou todos os exemplares existentes e queimou-os na praça principal junto à igreja, à maneira da Alemanha nazi.

4) Os Reinegros (concluído em 1945/1946, proibido pela Censura, só publicado em 1972) – um homem que era um moço de mercearia, ex-camponês, numa terra meio rural meio urbana, migra para Lisboa, e encontra uma ex-camponesa, que veio para a capital para ser criada de servir, como se dizia. O protagonista não consegue lugar como caixeiro, como ambicionava, porque é analfabeto. Trabalha como carregador e na construção civil. Depois passa a carregador no cais, integrando um grupo de ex-camponeses, sem consciência de classe, que quer ganhar dinheiro para voltar à terra, os “loiças”. Gente vinda de vários locais vem trabalhar mais barato, gerando-se conflitos e rixas, pois Lisboa atrai gente vinda de todo o país, que procura vida melhor. O protagonista vai tomando consciência da sua situação e do falhanço da I República em responder aos enseios dos trabalhadores. Assiste às numerosas greves que se desencadearam em Lisboa nesse período. Participa em reuniões sindicais e numa greve e começa a ter uma vida de militância sindical, sacrificando a vida familiar.

5) Porto Manso (1946) – a aldeia vive do transporte fluvial nos barcos rabelos, nomeadamente das pipas de vinho do Porto, transporte que entra em crise com a concorrência do comboio, “o cavalo do diabo”. Muita gente sem emprego vai trabalhar para o Porto, temporária ou permanentemente. Muitos emigram para o Brasil e para África, de onde alguns regressam com o dinheiro amealhado, uma parte investindo no comércio local. Estes acabam por ter uma situação de predomínio na terra. Mas o protagonista do romance de Redol recusa-se a aceitar os novos tempos, não emigra e pensa em suicidar-se, afundando-se com o barco. Mas não o faz.

Redol estudou exaustivamente a vida do rio Douro, viajou com os barqueiros; numa das viagens o barco rabelo quase naufragou.

6) Ciclo Port-Wine (Horizonte Cerrado (1949), Os Homens e as Sombras (1951), Vindima de Sangue (1953) – as migrações no Douro por ocasião das cavas e vindimas surgem nos três romances desta trilogia, bem como as deslocações para o Porto, centro do comércio do vinho generoso; a emigração para o Brasil do marido da principal personagem feminina e o seu retorno tem um papel importante na efabulação da vida do principal protagonista; a emigração para o Brasil só é acessível àqueles que tinham propriedades para poderem obter o dinheiro para as passagens e as despesas. Mas talvez o mais importante é o historial do Douro vinícola ao longo de gerações e da movimentação dos diferentes interesses presentes, nomeadamente estrangeiros, ocupando os trabalhadores um lugar importante, mas de subjugação. Como em todos os romances do escritor, as facetas antropológica e etnográfica estão bem presentes.

Redol estudou a região do Douro durante anos, a sua longa história, a sua economia, o historial do seu vinho, as práticas agrícolas, as crises, os conflitos, as pragas, a história das relações com a Inglaterra e a Alemanha, a história das famílias dominantes e das lutas dos pequenos vinicultores e dos trabalhadores.

7) Olhos de Água (1954) – romance que conta o historial de Vila Velha (que não é senão Vila Franca de Xira), traz à liça gaibéus, carmelos, glorianas, mulheres de Foros de Salvaterra, os varinos; um caldo de vários grupos sociais e dos oriundos de diferentes regiões; os conflitos, as zonas demarcadas donde cada grupo não pode sair, as amizades, os amores e desamores; os grandes problemas da Lezíria e a evolução social; os grandes vectores da vida do Ribatejo aqui se entrechocam; a emigração para a América; o papel do caminho-de-ferro nas migrações; mas também a migração das aves, nomeadamente das cegonhas.

A partir deste romance, que marca, segundo alguns estudiosos, o início de uma 2ª fase da sua obra, Redol deixou de fazer recolha sistemática de materiais numa perspectiva antropológica e etnográfica. Utiliza os que já tinha abundantemente juntado. Apenas uma excepção em Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos, seguindo a vida de um seu jovem vizinho e amigo na aldeia do Freixial.

8) A Barca dos Sete Lemes (1958) – a história de um homem que começa por ter a alcunha de “Menino Jesus”, porque nascera numa cocheira na véspera de Natal (um caso real em Vila Franca de Xira) e que se transforma num assassino na Guerra Civil de Espanha, ficcionada como se fosse em França; o protagonista começa como marçano na vila, migra para a Lezíria e, daí, parte para Marrocos (de facto, era Espanha), enganado pelos recrutadores, que lhe prometem um bom emprego e acesso a belas mulheres, mas que o metem num destacamento militar, o qual recebe algum treino e é atirado para uma guerra. Em particular no Ribatejo, eram assim recrutados parte dos pseudo-voluntários que combateram a República Espanhola integrados nas tropas fascistas. Uma migração forçada.

Sem se dizer explicitamente no romance, por óbvias razões de Censura em Portugal, tratou-se da Guerra Civil de Espanha, que tanto impressionou e influenciou os artistas neo-realistas no nosso país.

9) Uma Fenda na Muralha (1959) – a Nazaré é uma comunidade relativamente fechada, onde a pesca desempenha um papel importante; alguns pescadores vão trabalhar para Peniche e Matosinhos e também para a pesca do bacalhau na Gronelândia, onde se ganha melhor; esse “privilégio”, consegue-se, por vezes, através da cunha; muitos sonham ir para África ou para o Canadá. As migrações relacionadas com a pesca tinham uma índole mais individual, temporária e esporádica.

A Nazaré é uma das comunidades mais investigadas por Redol, de que resultou o maior volume de apontamentos do seu espólio. O escritor estudou as artes da pesca e todo o equipamento utilizado, os locais onde havia mais peixe, os costumes, as falas, as tradições populares e religiosas, o historial da localidade, as famílias, os conflitos, as histórias de amor e desamor, o íntimo dos nazarenos; o ancestral desejo de um porto de abrigo e os naufrágios. Acompanhou-os na pesca. Numa das vezes o naufrágio esteve eminente – a tal “fenda na muralha” da onda gigante que a habilidade do arrais conseguiu furar.

Além deste romance, para o qual utilizou trabalho de recolha de início dos anos 50 e vivências pouco anteriores à publicação do romance, escreveu o argumento do filme Nazaré (estreado em 1952), de Manuel Guimarães e escreveu o romance O Lago das Viúvas, inédito, e o texto “Carnaval na Nazaré”.

10) O Cavalo Espantado (1960) – este romance, fortemente autobiográfico, conta a história, meio real, meio ficcionada, de um casal de judeus que chega a Lisboa, fugindo, desde Viena de Áustria, às hordas nazis, querendo migrar para a América Latina. O marido é um banqueiro, homem de pouco sentido de solidariedade, que vê tudo em função do dinheiro. Ela, filha do banqueiro Goldstein. O protagonista é empregado duma chancelaria duma república da América Latina e já passara numerosos vistos para refugiados judeus. Também os passa a este casal.

Redol escrevera o conto Nasci Com Passaporte de Turista, em 1940 – em que conta a história de uma judia em fuga – e tinha publicado, em 1939, em Mensageiro do Ribatejo, o texto “Caminha, caminha sempre”, de elegia dos judeus. O romance Judeus Sem Dinheiro, do estadounidense Michael Gold, fora um dos que mais o impressionara na sua juventude.

11) Porto de Todo o Mundo (1939 a 1943) – peça em um acto, baseada num capítulo do romance Gaibéus; na Lezíria, gaibéus e rabezanos (os trabalhadores locais) falam da emigração e dos exemplos dos que regressaram ricos e dos que regressaram tão pobres como partiram.

11) Forja (1948) – peça de teatro, um drama escrito no contexto das bombas atómicas de Hiroshima e Nagasaki, conta a história de uma família de ferreiros, cujo pai exige um trabalho extenuante aos filhos que vão, sucessivamente, morrendo de tuberculose. É uma alegoria ao regime ditatorial de Oliveira Salazar. A mãe, que afronta o pai, tal como outros habitantes da localidade, anseia uma vida melhor, migrando. Pouco depois do casamento pensara em fugir dali. Acabou por ficar e, depois da morte de um dos filhos, outro dos filhos, já doente, adivinhando a morte, impulsiona a fuga do que está são e pode migrar, levando a noiva: «Leva-a (à noiva) para o outro lado da serra e arranja a tua casa», diz-lhe.

A mãe tem de ficar com o filho mais novo, para o proteger, mas mata o pai por estrangulamento e o mesmo filho doente força-a a fugir com esse irmão mais novo.

12) Fronteira Fechada (1972, mas concluída talvez em 1969) – outra peça de teatro, em que a emigração clandestina é o centro da obra. Numa serra da fronteira juntam-se, numa cabana, vários homens e mulheres levados pelos angariadores, que abusam da situação de total dependência em que ficam as pessoas, fazendo exigências e violando as mulheres. Demoram o transporte das mulheres que pretendem violar quando a ocasião for oportuna. Revelam-se os dramas individuais de cada um e de cada uma, os conflitos existentes e percebe-se que uma das mulheres é uma clandestina duma organização política.

13) “A tatuagem” (1940), “Noite esquecida”(1959), “Viagem à Suíça”(1963), “O cheiro do branco”(1963), “Porque não hei-de acreditar na felicidade” (1963) – são contos que se passam em África, mas onde também se fala da emigração para o Brasil.

Como conclusão – Alves Redol, no seu objectivo de dar voz literária à saga do povo português, revela as suas migrações. Estudou essa saga como se fora um profissional de antropologia e etnografia e vazou esse conhecimento nos seus escritos, seja em romances, contos, novela, crónicas, teatro ou guião para cinema. O “desejo de abalar” é uma expressão frequente nos seus escritos. De “abalar” de um país atrasado economicamente, em que muita gente vivia na extrema miséria e sem assistência social, sem liberdade, de baixa escolaridade e com uma elevada percentagem de analfabetos, inculto, e que destruía as tentativas de fazer ciência.

Esta quadra do livro Cancioneiro do Ribatejo, que Redol publicou em 1950, e que reúne quadras populares ribatejanas por ele seleccionadas, é bem elucidativa:

 

Vou-me embora deixo o campo,

                            vou-me embora o campo deixo;

                            de cá não levo saudades

mas também cá as não deixo

 

Bibliografia

Redol, Alves, 1939, Gaibéus, 1ª edição, Vila Franca de Xira, Edição do Autor; 2011, 22ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1940, Nasci Com Passaporte de Turista (Contos), 1ª edição, Vila Franca de Xira, Edição do Autor; 2011, 3ª edição (aumentada), Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1942, Avieiros, 1ª edição, Lisboa, Livraria Portugália; 2011, 12ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1943, Fanga, 1ª edição, Lisboa, Portugália Editora; 2011, 12ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1946, Porto Manso, 1ª edição, Lisboa, Editorial Inquérito; 2011, 5ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1948, Forja (Teatro), 1ª edição, Lisboa, Edição do Autor; 2013, 4ª edição,

Organização Miguel Falcão, Alves Redol – Teatro – Textos Publicados e Inéditos, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda

Redol, Alves, 1949, Horizonte Cerrado, 1ª edição, Lisboa, Edição do Autor; 2015, 5ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves (Organização e prefácio), 1950, Cancioneiro do Ribatejo, 1ª edição, Centro Bibliográfico; 2011, 2ª edição, Santarém, Editora O Mirante

Redol, Alves, 1951, Os Homens e as Sombras, 1ª edição, Lisboa, Edição do Autor; 2015, 5ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1953, Vindima de Sangue, 1ª edição, Lisboa, Edição do Autor; 2015, 5ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1954, Olhos de Água, 1ª edição, Lisboa, Centro Bibliográfico; 1993, 5ª edição, Lisboa, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1958, A Barca dos Sete Lemes, 1ª edição, Lisboa, Publicações Europa-América; 2011, 9ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1959, Uma Fenda na Muralha, 1ª edição, Lisboa, Portugália Editora; 2012, 6ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1959, Noite Esquecida (conto), 1ª edição, Lisboa, Estudios Cor

Redol, Alves (Organização e prefácio); Lopes-Graça, Fernando (Partituras); Keil, Maria (Ilustração), 1959 (início de publicação em fascículos) Romanceiro Geral do Povo Português, 1ª edição, Lisboa, Iniciativas Editoriais

Redol, Alves, 1960, O Cavalo Espantado, 1ª edição, Lisboa, Portugália Editora; 2017, 5ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1962, Constantino, Guardador de Vacas  e de Sonhos, 1ª edição, Lisboa,

Portugália Editora; 2015, 22ª edição, Alfragide, Editorial Caminho

Redol, Alves, 1963, “Viagem à Suíça”, “O cheiro do branco”, “Porque não hei-de acreditar na felicidade”, Histórias Afluentes, 1ª edição, Lisboa, Portugália Editora; 1980, 3ª edição, Mem-Martins, Publicações Europa-América

Redol, Alves, 1972, Os Reinegros, 1ª edição, Mem-Martins, Publicações Europa-América; (?), Edição de bolso, Mem-Martins, Publicações Europa-América

Redol, Alves, 1972, Fronteira Fechada (Teatro III), 1ª edição, Mem-Martins, Publicações Europa- América; 2013, 2ª edição, Organização Miguel Falcão, Alves Redol – Teatro – Textos Publicados e Inéditos, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda

Redol, Alves, 2013, Porto de Todo o Mundo (Teatro – peça em um acto), 1ª edição, Organização Miguel Falcão, Alves Redol – Teatro – Textos Publicados e Inéditos, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda

Redol, António Mota, 2013, Alves Redol – Fotobiografia – Fragmentos Autobiográficos, Lisboa, althum.com

Redol, António Mota, 2014, “Alves Redol: Viver com o povo, estudar a envolvência, etnografia e literatura”, Coordenação Paula Godinho e António Mota Redol, Alves Redol – O  Olhar das Ciências Sociais, Lisboa, Edições Colibri

Outubro-Dezembro 2020

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