UMA CARTA DE JÚLIO MARQUES MOTA, A PROPÓSITO DE UM TEXTO DE ORLANDO MAÇARICO, E DE UM ATENTADO URBANÍSTICO EM COIMBRA

Meus caros amigos e amigas

Vivemos num  mundo que cada vez me parece mais estranho, talvez porque estou logicamente cada vez mais velho. Mas será só  por isso? Não me parece. A principal  razão  está, penso eu, ou na hipótese de  que as coisas mudam demasiado depressa  para a minha capacidade intelectual  de as acompanhar  ou porque o quadro de valores em que me reconheço está cada  vez mais longe do   quadro de valores  do sistema social em vigor.

Vem tudo isto a propósito de uma carta enviada por mim ao Presidente da República. A carta foi lida, direi mesmo sentida, o que nos distancia dos robots da atual administração pública em que  os textos de reclamação não são lidos, são reenviados de Ministério em Ministério até caírem nas mãos de um pobre funcionário não preparado para a função e que reage pior do que um robot . Mas estamos a falar de uma administração Socialista, por contraponto à Presidência da República que nunca se reclamou de tal quadro político  de referência .

Dito isto, um amigo meu mandou-me um  email com uma resposta dada por um organismo oficial a uma reclamação sua como cidadão.

Sintetizemos a história do que é o objeto de reclamação.

A Câmara de Coimbra prepara-se para um atentado urbanístico propondo-se  alterar o PDM para aumentar fortemente  a construção numa  das zonas mais sobrecarregadas de Coimbra, e aumentar os lucros na construção. O processo curiosamente desencadeia-se em tempo de pandemia o que impede as pessoas   de se organizarem em protesto. Várias pessoas.

Singularmente uma ou outra pessoa vai protestando  junto da Câmara na sua qualidade de cidadão face a esta monstruosidade  aprovada agora  na Câmara pelo PS e sem a oposição do PC.   Uma dessas pessoas é um amigo meu. Envia um email à Câmara   e como é normal, aguardou a acusação da receção.

E o que recebeu  da Câmara  não foi a informação de que o seu texto foi recebido e lido com atenção, como eu recebi da Presidência da República, não, o que recebeu, isso sim, foi  a informação do que o texto  lhes foi enviado,  o que logicamente já sabia, mas   que a sua reclamação não foi sequer lida   devido a não cumprir  os requisitos legais para que a Câmara  aceite o texto como reclamação.

Vejamos a resposta da Câmara  com a reprodução   da resposta:

“Ex.mo(a) Senhor(a)

Na sequência do email de V. Exª., informa-se que terá de dar cumprimento ao mencionado nos pontos abaixo indicados a fim do pedido reunir os requisitos legais e regulamentares para poder ser aceite e registado:

1 –  O pedido terá de ser acompanhado de requerimento próprio cujo formulário se encontra disponível no website do Município
(https://www.cm-coimbra.pt/areas/e-balcao/formularios-e-modelos-2), utilizando para o efeito o formulário MOD 080 e assinado digitalmente com assinatura digital qualificada.

2 – Caso não seja possível assinar o requerimento digitalmente, em alternativa, poderá assinar manuscritamente o documento em papel, digitalizar o mesmo e anexá-lo ao pedido e, em simultâneo, remeter os originais para a Câmara Municipal de Coimbra, por correio postal, (mencionando a referência do email) ou entrega presencial, que nos termos da lei carece de marcação prévia, (telefone 239 857 155/ 140), por imperativo de combate ao vírus SARS – CoV2, que provoca a doença COVID 19.
Com os melhores Cumprimentos

Clara Mendes”

Uma carta enviada ao Presidente da República   por email sem nenhum formulário, sem nenhuma assinatura digital qualificada e  no dia seguinte enviada por correio e registada por respeito formal ao cargo, teve resposta como TEXTO LIDO. Uma acarta por email enviada ao Presidente da Câmara de Coimbra, o meu antigo aluno e amigo Manuel Machado,  tem a resposta e a recusa que acabo de transcrever. Uma comparação que custa a engolir.

Teoricamente, o Presidente da República está mais distante do  cidadão comum do  Presidente de uma Câmara Municipal, símbolo do Poder Local que, por definição,  está mais próximo do cidadão comum. Isto é o que nos diz  a teoria mas a realidade que acabamos de expor diz-nos exatamente o contrário. Pela primeira vez na vida  sou obrigado a  estar de acordo com Hegel quando este nos diz que quando a descrição dada pela teoria do que é a realidade  não   está de acordo com a própria realidade tanto pior  para a realidade. É então este o caso.

Se considerarmos que de ponto de vista político  o Presidente da República é um homem de direita e o Presidente Manuel Machado é um homem de esquerda, interrogamos neste contexto onde está a esquerda e onde está a direita. Fica-se  com a sensação de que  vivemos num mundo em que se caminha  de cabeça no chão e de pernas para o ar.  Talvez Marx tenha tido razão quanto a esta forma de caminhar.

Estes são, pois, tempos difíceis, tempos  de leituras complicadas quanto à nossa perceção do real, para não dizermos que são tempos de enormes confusões  no plano político porque politicamente nunca a opacidade terá sido tão grande como agora e numa altura em nunca se falou tanto de   transparência.

E é tudo. Boa leitura

JMota

 

Cliquem em baixo para lerem o texto de Orlando Maçarico acima referido por Júlio Marques Mota 

NÃO HÁ SANTO QUE NOS VALHA, por ORLANDO MAÇARICO

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