O TRIO PROGRESSISTA QUE MOLDA A AMBICIOSA POLÍTICA ECONÓMICA DE BIDEN, por BRYCE COVERT

 

Será que as lições dos anos 30 são finalmente retomadas- a esperança na equipa de economistas  escolhidos por Biden. E será que Biden mudou para que essa esperança não  se desvaneça? 

 

 

The Progressive Trio Shaping Biden’s Ambitious Economic Policy, por Bryce Covert

The New Republic, 4 de Maio de 2021

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Revisão de João Machado

 

Como três economistas não convencionais e combativos forçaram o presidente a abandonar os seus caminhos neoliberais

ILLUSTRATION BY ISRAEL G. VARGAS

Durante uma geração, quando Lawrence Summers falava  os políticos ouviam. Como conselheiro poderoso e de confiança dos dois últimos presidentes democratas, o professor de Harvard exerceu influência em todo o Departamento do Tesouro e na Casa Branca. Mas em Março, começou a cantar uma canção muito diferente. Numa entrevista com a Bloomberg, ele disse que o Presidente Joe Biden tinha elaborado “as políticas macroeconómicas menos responsáveis que tivemos nos últimos 40 anos”.

As suas críticas atraíram uma resposta acalorada de Jared Bernstein, um funcionário da administração democrática que faz parte do Conselho de Consultores Económicos (Council of Economic Advisers – CEA). Summers está “simplesmente errado”, disse Bernstein, do pódio do briefing da Casa Branca. “Ele está errado de uma forma muito clara”, disse ele à CNN. “Temos de avançar em grande e temos de ser ousados”.

Esta troca de ideias foi notável não só porque fez tremer a normalmente estável “ciência sombria”, na medida em que  dois economistas proeminentes a abanavam aos quatro ventos, mas também porque chamou a atenção para a ascensão de um  novo ramo de economia que escapa a dogmas profundamente arraigados. A elaboração de políticas democráticas costumava ser rodeada pelo medo – medo do excesso em termos de objetivos e medo da  regulamentação do governo, medo dos défices e por ser vista como demasiado extravagante. Summers  há muito que sussurrava  esses medos neoliberais aos ouvidos de políticos poderosos e de pensadores económicos. Agora, ele vê-se a cantarolar mas do lado de fora…

Biden formou  o seu Conselho de Consultores Económicos com três economistas especialistas em mercado do trabalho  cujo foco está nos trabalhadores, e não apenas  nos mercados: Bernstein, que foi mais recentemente membro dirigente do Center on Budget and Policy Priorities; Heather Boushey, fundadora do Washington Center for Equitable Growth, que se concentra na desigualdade; e Cecilia Rouse, que deixou o seu posto de reitora em Princeton para servir na administração. Esta é a equipa que pressiona Biden a não se vergar ao medo de défices e inflação. A verdadeira preocupação, acreditam eles, é que a agenda económica de Biden não faça o suficiente para ajudar as pessoas comuns que lutam para recuperar da pandemia.

Estes três economistas formam um trio não convencional. Bernstein têm-se movimentado entre o mundo da esquerda e o governo federal, servindo como economista chefe adjunto no Departamento do Trabalho entre 1995 e 1996 e como conselheiro económico principal de Biden entre 2009 e 2011. Mas não é certamente um economista de Harvard. Estudou na Escola de Música de Manhattan, especializando-se em contrabaixo, e mais tarde obteve o seu doutoramento em assistência social pela Universidade de  Columbia. (Exibiu recentemente as suas capacidades musicais num vídeo no YouTube de si próprio a tocar baixo, com um título a fazer humor com  dados pouco confiáveis sobre a inflação. Não se sinta mal se o perder; o canal de Bernstein no YouTube tem cinco assinantes).

Tal como Bernstein, Boushey teve uma educação não convencional. Ela obteve a sua licenciatura no Hampshire College, uma escola experimental de artes liberais fundada em 1970 que não dá notas numéricas, e recebeu o seu doutoramento em economia na Nova Escola, um lugar onde “neo-Marxistas e institucionalistas criaram centros de dissidência académica”, nas palavras de Harold Meyerson de The American Prospect’s.

O seu interesse pela desigualdade económica e pela rede de segurança social da América começou cedo. O seu pai, que trabalhava numa fábrica da Boeing, foi despedido quando  Boushey estava a entrar na sua adolescência. “Foi nesse momento que percebi que de facto a economia – quer os meus pais tenham ou não um emprego – tem incidência  sobre a possibilidade de eu poder fazer ou não fazer as coisas que me interessam na minha vida”, disse ela ao The New York Times. Ela foi a arquiteta da proposta da Senadora Kirsten Gillibrand e da Representante Rosa DeLauro, sobre a licença familiar remunerada. Agora, ela está a trabalhar no  Executivo Biden e  pela primeira vez.

Rouse é a escolha mais tradicional no triunvirato da equipa para o trabalho de Biden. Licenciada em Harvard, onde teve Summers como conselheira, serviu no Conselho Económico Nacional entre 1998 e 1999 e no CEA durante os dois primeiros anos da administração Obama. No entanto, também ela traz um passado diferente do da maioria dos economistas liberais que aconselharam os presidentes. O seu pai, um dos primeiros negros a obter um doutoramento em física, foi constantemente afastado de prestigiados cargos académicos; quando a sua família se mudou para a Califórnia, apenas um agente imobiliário quis trabalhar  com eles. Ela começou a estudar economia durante o desemprego em massa dos anos 80. “Era impossível separar o que estávamos a aprender na sala de aula daquilo que eu sabia que se passava nas cidades de todo o país”, disse ela em Dezembro. Essa experiência inspirou a escolha do que ela foi estudar em Harvard: mercado de trabalho e educação. Como primeira pessoa negra a liderar o CEA, ela disse-me: “Estou disposta a colocar ênfase em lugares diferentes”.

Rouse juntou-se ao CEA pouco depois do Presidente Barack Obama entrar em funções, e observou como ele lutava com o dinheiro para o bombear numa economia ainda em plena recessão. Christina Romer, a economista que era então a presidente do CEA, recomendou que Obama apresentasse um pacote de estímulos de mais de $1 milhão de milhões  de dólares. Mas Summers, preocupado que o número fizesse aumentar,  e em muito,  o défice, simplesmente deixou a sua estimativa fora do seu memorando de recomendações ao presidente. “Não houve discussão séria para ir acima de um milhão de milhões  de dólares”, disse um informador bem informado sobre as questões orçamentais  ao jornalista Ryan Lizza. Obama acabou por assinar um pacote de 787 mil milhões de dólares, e a recuperação arrastou-se lenta e dolorosamente por mais uma década.

Esse período agonizante testou algumas das teorias mais acarinhadas em economia – tais como a ideia de que um salário mínimo mais elevado conduzirá automaticamente a uma redução de empregos, ou que a redução de impostos impulsionará o crescimento económico, ou que o governo não deve pedir dinheiro emprestado para financiar investimentos importantes. E um grupo de economistas recentemente encorajados para se concentraram nas falhas do mercado livre, tais como David Card, Raj Chetty, e Emmanuel Saez, descobriram que muitas dessas teorias estavam erradas. A recuperação da Grande Recessão levou ao “reconhecimento de que os nossos modelos canónicos podem ter falhado”, disse-me Rouse. “Acrescentem-se a  isto  décadas de crescente desigualdade de rendimentos, e penso que muitos diziam: Hmm, como podemos nós construir uma ratoeira melhor? Como é que  podemos desenvolver e ter uma compreensão mais completa da nossa economia”?

Libertos dos velhos modelos económicos, Bernstein e os outros conseguiram convencer Biden a financiar o seu pacote de alívio pandémico através de empréstimos, em vez de “pagar” por ele com impostos mais elevados ou  com redução da despesa pública.

Atrás de portas fechadas, a equipa está preocupada com a inflação. “Uma parte não trivial do meu trabalho é preocupar-se com praticamente tudo na economia”, disse Bernstein com uma gargalhada. Mas ele acredita que algum “calor económico” é bom para a economia, e ele vê riscos maiores do que a inflação: “Os riscos de muitas pessoas perderem as suas casas. Os riscos de as pessoas não terem um mercado de trabalho robusto para voltar a ter emprego. Os riscos de as pessoas não terem o apoio nutricional de que necessitam. Os riscos de a vacina não ser produzida e distribuída de forma suficientemente rápida e eficiente”. O perigo real não é a inflação, mas o fracasso em enfrentar os problemas do  momento com a força que se exige.

Biden é um porta-estandarte estranho para esta nova abordagem económica. Ele tem um longo historial de estar do lado dos cartões de crédito e de outras empresas financeiras no que respeita a uma regulamentação mais rigorosa. O seu epitáfio para o centrismo da “Terceira Via” da era Clinton era simplesmente, “funcionou”. Agora, ele soa mais a Bernstein e Boushey. “O risco não é que façamos demasiado quando se trata de um pacote de alívio Covid – é que não façamos o suficiente”, tweetou ele em Fevereiro.

É claro que Biden poderia eventualmente ser apanhado por uma inflação desenfreada ou pelos seus velhos impulsos neoliberais. Mas por agora, ele está a defender uma nova abordagem à economia centrada no aumento dos rendimentos e ignorando os falcões orçamentais.  Isso, mais do que tudo o mais, é o sinal mais claro até agora de que os tempos mudaram.

Summers  pode  pensar que Biden desenhou as piores políticas macroeconómicas dos últimos 40 anos, mas com estas novas linhas de pensamento económico a anunciar um realinhamento na política democrática, as políticas de Biden podem ser as mais transformadoras não só dos últimos 40 anos, mas possivelmente do último século – se somente pessoas como Bernstein conseguirem manter a velha guarda à distância.

 

Bryce Covert @brycecovert

Bryce Covert é uma colaboradora de The NationThe New York Times. É responsável pela área da economia.

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Biden’s Council of Economic Advisers: A Progressive Trio Shaping Ambitious Policy | The New Republic

 

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