30 ANOS DE MAASTRICHT, por DIOGO MARTINS

 

Assinalam-se hoje trinta anos sobre o Tratado de Maastricht, o tratado que estabeleceu as fundações do que viria a ser a União Económica e Monetária europeia a partir de 1999. As menções no discurso público a esta efeméride são sempre tão maniqueístas e panfletárias como seria de esperar quando o tema é a construção europeia. Há mais de três décadas que estamos inseridos na Europa e ainda não conseguimos superar a ideia de que mais Europa é sempre sinónimo de modernidade e cosmopolitismo, sem nunca discutir o cerne das escolhas em discussão. É que há muitas Europas possíveis. E a Europa a que decidimos pertencer quando aderimos ao euro é uma Europa muito particular: o sonho molhado do neoliberalismo federal.

É minha convicção que um dia olharemos para Maastricht como hoje observamos o padrão-ouro no período entre guerras. Uma construção institucional esgotada, que não servia mais as características da economia global, mas que levou vários países a implementar severos programas económicos na tentativa de lhe poderem pertencer. Tal como então, o motivo era o fetichismo das elites económicas no poder. Tal como então, as consequências políticas foram terríveis. Com a agravante de que a Zona Euro vem munida de um aparato federal, com uma burocracia e uma produção de conhecimento militante, que torna muito mais difícil a sua superação histórica. A par da captura de toda a esquerda social-democrata dos partidos socialistas europeus, para quem reconhecer o erro seria abjurar três décadas de capital político inspirado na estratégia de Delors.

Sem tempo para análises originais, deixo abaixo um excerto de algo que publicarei sobre o tema no futuro, designadamente sobre a natureza da União Económica e Monetária e a estratégia que foi seguida nesta crise.

“A zona euro continua a ser o que sempre foi: uma união monetária incompleta, sem mecanismos de estabilização que envolvam real solidariedade entre os estados, com política monetária e cambial únicas para Estados com características muito diferentes e onde os custos salariais continuam a ser o único mecanismo de ajustamento a longo-prazo.

É uma construção institucional em estado de negação, que soma medidas excecionais em cima de medidas excecionais para evitar o colapso. Embora oficialmente não o reconheça, o BCE está há quase uma década a garantir a sustentabilidade a curto-prazo de stocks de dívida dos países periféricos que todos os intervenientes sabem insustentáveis se não forem mutualizados. A reação do BCE deve ser interpretada como mais um esforço hercúleo da autoridade monetária para manter estável uma construção que se manterá instável e comprometerá a convergência dos países periféricos enquanto não colocar termo aos desequilíbrios acumulados e prosseguir um real caminho de reforma.

A perspetiva de que não existe um caminho de convergência para as economias periféricas sem reformas profundas da arquitetura europeia enfrenta sempre uma oposição enfática. Sem surpresa, essa oposição provém dos setores que apostam o seu capital político desde há três décadas na estratégia de Maastricht. Veem a capacidade regeneradora da zona euro rumo a um projeto estável e promotor do desenvolvimento sempre ao virar da esquina e sustentam que há muitas medidas cumulativas que podem ser tomadas no âmbito dos espaços nacionais, por modo a garantir a estabilidade e a convergência. A sobrevivência da sua narrativa política nas últimas três décadas depende disso, por mais implausível que a solução se apresente.

O PRR é o último caso desse fetichismo sebastiânico da “Europa sustentável que há de vir”. O PRR é, inquestionavelmente, o mais ambicioso programa de investimentos conjunto lançado pela União Europeia, assente em dívida emitida em comum. Enquanto este dado deve ser registado, não se deve distorcer o seu real alcance e capacidades. No espaço público, o PRR tem sido apontado como uma promessa de um influxo massivo de fundos, capazes de transformar a economia portuguesa. Mas basta olhar observar a magnitude do programa para perceber que essa perceção só pode ser errada. Segundo os dados oficiais divulgados, o valor total do PRR representa apenas cerca de 8,25% do PIB português em 2020, com a aplicação desse valor a ser diluída ao longo de vários anos. Segundo as estimativas do Banco de Portugal do seu impacto ao longo de uma década, o PRR só aumentará a taxa média de crescimento do PIB potencial anual em 0,2 pontos percentuais.

Não é possível um plano desta dimensão ter um impacto revolucionário na economia portuguesa como tem sido sugerido. Os investimentos contidos no PRR devem ser, no essencial, interpretados como compensatórios do défice de investimento público da economia portuguesa na última década, nomeadamente em áreas infraestruturais como a ferrovia. Não há nada no PRR que permita contrariar a trajetória de segmentação da economia portuguesa e sua divergência em relação às maiores economias europeias”

Não há nada a comemorar aqui.

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O Diogo Martins publicou este artigo na sua página de facebook em 10 de Dezembro último. Para o ler no original clique em:

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