Desconhecia a narrativa de Knut Hamsun. Mesmo que ganhara o Prémio Nobel de literatura em 1920 ou que há um filme interessante, protagonizado por Max von Sydow, com a sua biografia. E toda e qualquer cousa do seu posicionamento político e relacionamento, famosa conversa e debate irritante com Adolf Hitler.
Mas caiu na minha mão, justo no momento de iniciar uma viagem, No País Maravilhoso (1903). A narrativa de uma viagem pelo Cáucaso, a fins do século XIX. Uma viagem de ferrocarril, com partes em carreta, entre destinos. As terras cossacas, as montanhas imensas, as províncias remotas e asiáticas do grande império, com os seus tipos, os empregados e moços do comboio, as incomodidades, os calotes e minutas, os engenheiros, polícias, os funcionários, as paisagens, a industria e o petróleo de Bacu, que deram fortuna a Nobel. Uma tradução castelhana, acho que antologia de um original mais amplo, publicada em 1943. Este volume apenas tem a parte relativa à Rússia dos tsares, faltado a da Turquia e a Pérsia. Contudo, o livro era jeitoso, encadernado em tela editorial, manejável e o género tentador.
A personagem do autor e as obras que deram fama também não deixam de parecer atrativos. Com um ponto pioneiro, com os escritores da I Guerra mundial e Grande Depressão. E não apenas, praticamente esquecido por décadas, quitando na sua Noruega natal, confirmo a sua relevância e cumprida sombra sobre os seus contemporâneos mais novos. No romance de antes da Grande Guerra e depois.
Deixado para história como louco na velhice, a sua é uma dessas biografias complexas. Uma personagem que passa de ser um herói nacional e glória literária mundial a ser considerado um traidor depois de apoiar a Alemanha nazista durante a ocupação da Noruega durante a Segunda Guerra Mundial. Antes já de pesquisar e ao ir lendo, bem que pela tradução castelhana e contexto de 1943, bem porque assim figure no original, já percebera cá e lá um cheirinho antissemita. Um desses elementos desnecessários nas descrições de carateres que sempre termina por confirmar qualquer cousa que um vem a confirmar depois.
A questão, porém, mais uma vez que se me desaba na mente, entanto escuto o tram-tram-tram-cataplam de um comboio que se agita a caminho de Londres, é como mudou o mundo nos anos 30 e também como se reconstrui a história, a fama, a vida que há que viver. Como se coloca e recoloca tudo em função de modas e de condutas, do andar da sociedade e o capital, por uma via, mesmo que contradizendo as que apenas poucos anos antes eram as apostas ganhadoras ou socialmente consideraras pelas maiorias e os poderes.
É interessante o ascenso do nazismo e das culturas totalitárias. E talvez mais como os que as alentaram, finalmente safaram das suas responsabilidades ou preferiram apagar os seus rastos aludindo loucura ou barbárie. Não é este o caso do autor, quem precisamente lutou para não ser considerado, e justificado como demente. Assumir uma responsabilidade que a sociedade não queria, nem quer porém assumir ou saber dela.
Enfim, terei de topar Fome, nalguma língua que possa ler.