CARTA DE BRAGA – “do pão da ribeira” por António Oliveira

 

Vêm aí tempos difíceis, seja qual for o lado por que se olhe! Mal saímos ou estaremos a sair? de uma pandemia, com máscaras e ar usado o próprio, mesmo em continuidade, vemos uma outra que parece não ter fim a ver pelas fotos e textos terríveis com origem na Ucrânia, e tudo leva a crer que a fome vai parar sobre muitas regiões do planeta, pelo desaparecimento do grão e pelos preços a aumentar em catadupa, como nos combustíveis, ao mesmo tempo que também vemos como irá aumentar a desigualdade aliás a primeira das características da sociedade da abundância em que teoricamente teremos vivido.

Parece também que até já se está a ‘desenhar‘ o desejo do retorno dos que diziam termos vivido acima das nossas possibilidades (!?!).

Para este aumento da desigualdade, vai contribuir, com toda a certeza, a precariedade do trabalho, mormente nos mais mal pagos por nunca haver cortes nos CEOs das grandes empresas e, tomando como exemplo o Instituto de Política Económica de Washington o guia estrutural do nosso país para quase tudo agora a brecha salarial entre directores executivos y trabalhadores é de 351,1 para 1.

Mas, obviamente a ter de ser considerada, ainda há a questão da tributação que, dizia Benjamin Franklin neste mundo não se pode estar seguro de coisa alguma, a não ser da morte e da imanência dos impostos e, de acordo com um relatório da Oxfam, a organização internacional de luta contra a pobreza, saído em Janeiro último, a desigualdade económica e social contribui para a morte de pelo menos 21.000 pessoas por dia, ou uma em cada quatro segundos, por falta de acesso à saúde, por exposição à violência de género, pela fome ou pela crise climática. 

Também por cá, dando atenção ao Balanço Social do ano passado, apresentado pela Nova SBE –Nova School of Business and Economics– os 20% mais ricos passaram a deter cinco vezes mais rendimentos que a restante população (o rácio era de 5,2 vezes em 2018). E, bem lá no topo, os 1% mais ricos passaram de ganhar 52,9 vezes mais que os restantes, o que, em resumo, quer dizer que um quarto das famílias concentra quase metade dos rendimentos. 

Por outro lado, e de acordo com os últimos dados do INE –divulgados a semana passada– a evolução dos salários para os trabalhadores por conta de outrem, representa já uma perda de poder de compra de 2% face à subida da inflação, mas a perda real de vencimento é maior, quando se consideram apenas os salários, sem os subsídios de férias e de Natal. 

E voltando a Franklin, os impostos são o preço que temos de pagar pela civilização, por serem acompanhados pelos bens e serviços que recebemos de volta só que como diria um qualquer céptico, curioso destas coisas –todos somos iguais, mas sempre há alguns mais iguais que outros– um problema que marca a maioria, desde que nasce até ir embora, pois enquanto uns recebem, há muitíssimos outros que deveriam receber. 

Termino esta curta Carta, com duas citações que fui buscar ao saudoso Eduardo Galeano, por me parecerem perfeitamente adaptadas ao tema da desigualdade social em que aqui tentei mexer, pelos paradoxos que elas envolvem.

Quem está preso pela necessidade, está preso pelo medo: uns não dormem pela ansiedade de ter o que não têm, enquanto outros não dormem pelo medo de perder as coisas que têm.

O mundo é um grande paradoxo a girar no universo; por este andar, dentro em pouco os proprietários do planeta proibirão a fome e a sede, para que não faltem o pão e a água.

Até lá, até estas ordens entrarem em vigor e se os próximos tempos forem realmente difíceis, sempre poderemos comer ‘pão da ribeira’, um naco de pão seco molhado na água, como me dizia um velho amigo, sempre de sorriso fácil e aberto, apesar de muito martirizado por amarguras e dificuldades. 

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

 

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