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Uma reflexão de verão sobre uma questão inquietante: o preço da saúde
Em 2 de Agosto de 2022
Hoje a minha mulher ia ao médico, a uma consulta de há muito esperada e relativamente à qual não queria que se verificasse nenhum empecilho. Nesse sentido dirigi-me à minha farmácia, em Faro, a do Montepio na rua de Santo António, para fazermos o teste Covid 19. Primeiro, foi a minha mulher a fazê-lo e, depois, seria eu. Ela fê-lo e aguardei o resultado. Mas entretanto paguei o teste feito, Paguei e pasmei. Em Coimbra, na Farmácia Machado pago 10 neuros por teste, na Farmácia S. José pago 15 euros. Aqui paguei 25 euros.
O resultado do teste foi negativo. Face a este resultado, recusei eu submeter-me ao teste, porque considerei o preço um verdadeiro roubo. Procurei em diversas farmácias da cidade confirmar o preço dos testes em Faro e a resposta era sempre a mesma: 25 euros. Mais ainda, agora é 25 euros e durante muito tempo foi de 50 euros, foi o que ouvi. Espantei-me e envergonhei-me perante esta realidade. Esta é a realidade de um país onde tudo é permito e pelo governo consentido e permitido. Cada um operador de saúde, em nome da colaboração com o SNS, exige ao cidadão o que que quer e como quer. Onde está o regulador? Não o vejo, ninguém o vê e pergunto: como é que quem ganha o salário mínimo nacional pode ser sujeito a exploração consentida?
Um teste cujo custo material é de 2 euros é faturado pelas farmácias a 25 euros e é esta a colaboração das farmácias com o SNS na pandemia, uma colaboração aceite ou assim consentida pelo atual governo. Como cidadão senti-me roubado e mais do que isso, senti-me desprotegido pelo nosso Estado que, pelos vistos participa nesse direito das farmácias a irem ao bolso do cidadão, em nome da liberdade de mercado e da sua “defesa” da saúde pública. Mas se assim é, se pela lógica do mercado assumida pelo Estado, então um cidadão tem o direito de se sentir viver numa selva, e daí a pergunta consequente é: para quê então votar, se de um lado ao outro, do PS ao PSD e aos seus aliados “naturais”, estamos sempre a votar para lhes darmos o direito, exercido aliás, de nos atirarem para este tipo de selva?
Muitos dos que assim pensam, pensam ou desejam uma alternativa imediata pela linha do voto e votam, votam Chega ou Iniciativa Liberal. Votam erradamente mas votam, votam erradamente mas na base de sentimentos corretos: estão fartos de belos princípios abstratos com que as autoridades os martelam diariamente mas princípios esses que estas mesmas autoridades sistematicamente desprezam para se afirmarem moralmente acima de qualquer crítica, mas isso só no plano dos princípios abstratos.
Dizia eu há dias a um amigo meu, acérrimo defensor de Augusto Santos Silva, que era preciso ouvir as razões daqueles que se considera não terem razão e quando isso não é feito ou é mal feito, são as percentagens de votos da extrema-direita que sobem, sobem, até poderem colocar a Democracia em perigo, porque as pessoas começam a estar fartos dos falsos democratas, dos que enchem os discursos de princípios e na prática os pisam sistematicamente. Que os líderes parlamentares da extrema-direita não têm razão naquilo que dizem e como o dizem, não tenho dúvida, mas que aqueles que neles votam, têm boas razões, disso também tenho a certeza.
Um exemplo desta lógica vem-nos de Itália, no ano de 2022 em que a extrema-direita marcha sobre a Itália como em 1922, cem anos antes, os fascistas marcharam sobre Roma e conquistaram o poder.
Diz-nos um historiador italiano:
“Mas o verdadeiro problema eram, em geral, as instituições republicanas que operavam com uma lógica ‘justificadora’ do modelo político fascista. Aqui, se temos um governo “verde” à nossa porta, creio que é a responsabilidade direta das políticas feitas por “não-neo-fascistas”. (…) [e isto é] devido à responsabilidade de uma classe dominante muito má que empurrou o eleitorado para o que hoje é a única força de oposição presente e, não satisfeita, criou um húmus cultural que tornou aceitável que um partido nacionalista, de tom racista, que tem origem no fascismo, possa entrar no governo.”
Voltando ao meu teste Covid a 25 euros, o que me disseram foi que os preços são assim mesmo, é como escolher um restaurante, paga-se o sítio onde se vai. Respondi-lhes de forma sucinta, que voto por um governo de um país e não de um sítio, e a saúde pública não é uma mercadoria, como um prato num restaurante, cujo preço se estabelece no mercado, é um bem que todo e qualquer governo deve salvaguardar e tornar disponível em boas condições a todos os seus cidadãos. A saúde pública é o direito de cidadania que nenhum governo pode ignorar e muito menos pisar, como se está agora a fazer e, em nome do socialismo e da “sua” liberdade de mercado.