“EMBRIAGAI-VOS – ANTOLOGIA DE POEMAS EM PROSA DE AUTORES FRANCESES” por Clara Castilho

 

“Embriagai-vos. Antologia de poemas em prosa de autores franceses” tem seleção e tradução de Regina Guimarães, prefácio e notas biográficas de Saguenail, e é duma edição da FLOP, 2020.

Muito conhecido o texto de Charles Beaudelaire, Embriaguemo-nos:

“É preciso estarmos sempre embriagados. Nada mais importa. Para que o horrível fardo do tempo não nos pese sobre os ombros e nos faça pender para a terra, devemos embriagarmo-nos sem cessar….”

Nesta antologia,  composta por textos de 24 autores (do século XVIII a 1900), alguns dos quais nunca antes traduzidos para português, podemos encontrar:

Pierre Letourneur, Évariste de Parny, Alphonse Rabbe, Prosper Mérimée, Xavier Forneret, Maurice de Guérin, Aloysius Bertrand, Jules Lefèvre-Deumier, Judith Walter, Charles Baudelaire, Isidore Ducasse, Jean Lahor, Joris-Karl Huysmans, Arthur Rimbaud, Germain Nouveau, Charles Cros, Théodore de Banville, Paul Verlaine, Éphraïm Mikhaël, Stéphane Mallarmé, Saint-Pol-Roux, Marcel Schwob, Hugues Rebell e Pierre Louÿs.

 

canção

O primeiro deu-me um colar, um colar de pérolas que vale uma cidade,  com palácios e templos, tesouros e escravos.

O  segundo fez-me versos. Dizia que os meus cabelos são negros como os da noite por sobre o mar e os meus olhos azuis como os da manhã.

o terceiro era tão belo que sua mãe não o beijava sem corar. Pousou as mãos nos meus joelhos e os lábios sobre o meu pé descalço.

Tu nunca me disseste. Nada me desde porque és pobre. E não és belo. Mas és tu que eu amo.

Pierre Louÿs (1870-1925)

 

 

O mais recente número da revista eLyra inclui uma extensa entrevista a Regina Guimarães e Saguenail, a propósito do livro e pode ser lida aqui: https://elyra.org/index.php/elyra/article/view/437

Retiramos um excerto:

“Regina Guimarães: Muitos destes poetas eram estetas. Podiam ser muito alcoólicos, podiam ser muito virados da cabeça, mas eram estetas, na verdade. Se a pessoa se enganar no foco daquilo que está a procurar, vai fazer uma tradução decorativa. É por isso que é preciso algum grau de bebedeira, mesmo, de mergulho nesta coisa, para encontrar virtude suficiente, que nunca é suficiente, mas minimamente suficiente para fazer uma tradução que seja pelo menos digna da época em que está a ser feita, que sirva aos leitores da época em que vai ser lida. Isto porque as traduções, ao contrário dos textos, estão sempre a ser substituídas por outras traduções. Esta é a modéstia da tradução. Saguenail: Porquê? Porque, ao traduzir, nunca se traduz um texto. Traduz-se a interpretação de um texto. Ora, a interpretação de um texto, essa, é secular, depende de um estado de sociedade, um estado de consciência. Por isso, uma tradução nunca pode ser definitiva, por definição.”

 

2 Comments

  1. A tradução correcta das últimas palavras da citação deve ser “devemos embriagar-nos sem parar.” “Devemos embriagarmo-nos” é uma incorrecção e não existe, pelo menos no português de Portugal.
    Obrigada.

    1. Obrigada pela atenção que dedicou ao tema. Pesquisando verifico que há traduções de “sem perdão”, “sem descanso”, “sem cessar”, “sem tréguas”.
      Deixo uma tradução de Jorge Fazenda Lourenço, editada pela Relógio D’Água: «É preciso estar sempre bêbado. Tudo reside nisso: eis a questão. Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo que esmaga os vosso ombros e vos inclina para a terra, precisais embriagar-vos sem tréguas.
      Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa vontade. Mas embriagai-vos.
      E se às vezes, nos degraus de um palácio, na erva verde de uma vala, na morna solidão do vosso quarto, acordardes, a bebedeira leve ou curada, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: “São horas de embriagar-se! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa vontade.”»

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