Greve ferroviária nos EUA? — Joe Biden evita um Lockout (e uma enorme dor de cabeça política).  Por Harold Meyerson

 

A possibilidade de caos nos EUA

Em Agosto enviei alguns textos sobre a eventual greve dos ferroviários nos Estados Unidos.

Há uma data-limite para a declaração de greve -sexta-feira próxima (16 de Setembro) sabendo-se que se esta é declarada há riscos de caos nos Estados Unidos. Tentaremos acompanhar a situação.

Para já, deixo-vos três textos: um de Robert Reich (publicado ontem), um antigo Ministro do Trabalho na Administração Clinton, sobre o tema, “Greve dos ferroviários evitada?”. Ao lê-lo, fica-se com uma ideia clara do que é o capitalismo selvagem nos Estados Unidos, o país liberal de referência, o país que se quer assumir como dono do mundo e onde o valor do acionista é Rei absoluto. No entanto, fica-me uma dúvida no texto de Robert Reich: se Biden não pode agora fazer mais a favor dos ferroviários ou se não pode fazer mais do que nomear o Conselho de Emergência Presidencial que nomeou, sabendo-se que este se colocou a favor das entidades patronais.

Relembro aqui os meus amigos que me acusaram de putinista, de não defender a cultura ocidental, em sentido lato, e relembro aqui a minha resposta: de que defendo aquilo que penso ser obrigações de um regime democrático e nestas obrigações não estão claramente estas condições de trabalho de que nos fala Robert Reich.

O segundo texto, que publicamos agora – “Joe Biden evita um lockout (e uma enorme dor de cabeça política)”- é um texto cinzento, de uma corrente que podemos afirmar de democratas que se situam perto de Biden.

O terceiro texto – “Os trabalhadores ferroviários ficaram lívidos com o acordo alcançado entre Biden e os sindicatos para evitar a greve” – é um texto bem mais arrasador que o de Reich sobre o capitalismo selvagem nos EUA.

Boa leitura e esperemos que se chegue a acordo até sexta-feira nos Estados Unidos.

JM

Em 15 de Setembro de 2022

 

Nota: entretanto, o texto que havia recebido de Robert Reich, sofreu algumas alterações. Efetivamente, o texto disponível no sítio de Reich, passou a ter o seguinte título: “Greve dos ferroviários evitada?”. E além disso substituiu os cinco últimos parágrafos pelos seguintes:

Felizmente, agora, evitaremos uma greve ferroviária. Parabéns à administração Biden por ajudar a intermediar este acordo.

Mas vamos garantir que a lição aqui seja aprendida, não apenas pela gestão ferroviária, mas por toda a nação em todas as indústrias: Os trabalhadores precisam e merecem salários mais elevados e melhores condições de trabalho – o que inclui mais controlo sobre os seus empregos.

Parece pois que se terá chegado a um acordo. Mas que acordo?

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

8 m de leitura

Joe Biden evita um Lockout (e uma enorme dor de cabeça política)

 Por Harold Meyerson

Publicado por em 15 de Setembro de 2022 (original aqui)

 

O Presidente Biden fala do Jardim das Rosas da Casa Branca em Washington, a 15 de Setembro de 2022, sobre um acordo provisório de trabalho ferroviário.

 

Agora, os empregados dos caminhos-de-ferro não serão penalizados quando forem a uma consulta médica – embora também não serão pagos.

 

O termo “barão ladrão” foi cunhado para descrever os primeiros proprietários de caminhos-de-ferro da América, Cornelius Vanderbilt e Jay Gould em particular. Desde o fim da Guerra Civil até às primeiras décadas do século XX, os homens que eram proprietários  dos  caminhos-de-ferro tinham uma mão relativamente livre para se imporem aos produtores de mercadorias (principalmente os agricultores) que dependiam dos caminhos-de-ferro para levar as suas mercadorias para o mercado, e para explorar os trabalhadores que construíam os carris e  geriam os comboios. Como os carris, naqueles anos pré-automóveis, pré-aviões, eram a única forma de transportar pessoas e coisas através do país, as suas práticas comerciais eram uma questão de enorme preocupação pública. O seu abuso face aos agricultores deu origem aos movimentos populistas dos anos 1880 e 90, enquanto que o seu abuso sobre os seus empregados deu origem às primeiras greves a nível nacional.

Enquanto primeiras, e durante muito tempo, as únicas empresas interestatais, e em alguns casos nacionais, a sua conduta foi também uma preocupação para o governo federal. As duas primeiras intervenções federais em matéria ferroviária consistiram em enviar o Exército para quebrar brutalmente as greves quase nacionais de trabalhadores ferroviários desesperados e mal remunerados em 1877 e 1894.

Desde então, a resposta federal tem sido mais matizada. No caso mais recente de uma greve e de um lockout, em 1992, o Congresso votou a proibição de ambas as coisas e ordenou a arbitragem obrigatória para resolver as questões. Um grupo de senadores e de representantes dos trabalhadores  opuseram-se a esta medida, dizendo que era injusta para os trabalhadores dos caminhos-de-ferro. Entre esses dissidentes estava “Amtrak Joe” Biden, que queria que o governo tomasse uma posição que fosse mais a favor dos trabalhadores.

Amtrak Joe estava em posição de elaborar a sua própria solução esta semana, com a ajuda do Secretário do Trabalho Marty Walsh, um antigo dirigente de estaleiros de construção de Boston. Enfrentando uma data limite de greve para amanhã, e cortes nos serviços que as empresas ferroviárias já tinham começado a fazer, tudo isto no meio de falhas históricas na cadeia de abastecimento que poderiam aumentar os preços e com eleições intercalares a aproximarem-se, a administração estava determinada a chegar a um acordo entre as empresas e os sindicatos de engenheiros e de condutores.

Nos últimos anos, a ênfase das empresas ferroviárias na maximização dos dividendos para os acionistas criou uma ética de neo barão-ladrão nas suas práticas laborais. Os barões ladrões originais, como Gould, eram tipos de Wall Street cujo modelo de negócio era extrair o máximo lucro possível dos caminhos-de-ferro, com um enorme desprezo pelos agricultores e os trabalhadores. Atualmente, as empresas ferroviárias são propriedade de conglomerados de investimento como a Warren Buffett’s Berkshire Hathaway, onde os retornos dos acionistas claramente estão acima de quaisquer outras considerações. Em consequência, os caminhos-de-ferro têm estado empenhados em reduzir ao mínimo o número dos seus empregados, exigindo que esses trabalhadores estejam sempre de prevenção e trabalhem horas loucas. Instituíram políticas que penalizam os trabalhadores que tiram dias de folga, mesmo que por razões médicas.

A tentativa mais séria de reduzir os custos de mão-de-obra – e que não tem sido objeto de grande cobertura mediático – tem sido os esforços das empresas para reduzir o número de maquinistas que conduzem um comboio, a passarem de dois para um, apesar do que poderia acontecer se o (a) maquinista de um comboio de mercadorias com um quilómetro de comprimento tivesse um problema de saúde e não houvesse ninguém para tomar o seu lugar.

Esta não é uma preocupação que tenha entrado na consciência pública, mas imagine a reação pública se as companhias aéreas eliminassem a posição de co-piloto, que está basicamente lá para prevenir a possibilidade de um avião ficar sem piloto. Felizmente, manter dois trabalhadores na cabine foi uma questão que os sindicatos ferroviários impuseram antes de a administração Biden intervir para resolver as outras.

A resolução que Biden anunciou esta manhã permite que os trabalhadores visitem um médico sem serem penalizados pelas empresas, embora isto não seja uma licença médica paga: O tempo passado a ter uma consulta médica não será compensado. Suspeito que isso significa que não há garantias de que os trabalhadores ferroviários irão votar, durante as próximas semanas, para aprovar o acordo, nesta era de militância dos trabalhadores. Ainda assim, pelos padrões reconhecidamente não muito elevados de todas as administrações anteriores, o esforço de Biden destaca-se como sendo o acordo ferroviário mais favorável aos trabalhadores mediado pelo governo que já vimos.

Num mundo melhor, os principais modos de transporte não estariam sujeitos à tirania do valor acionista, mas isso exigiria uma remodelação mais fundamental do capitalismo americano do que a que se encontra atualmente em cima da mesa. Não estamos nesse mundo melhor, é claro, e dentro dessas limitações, Amtrak Joe, que faz a sua parte para ajudar os trabalhadores, prossegue o seu caminho.

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O autor: Harold Meyerson Harold Meyerson [1950-] é um jornalista estado-unidense, colunista de opinião e socialista. É editor geral do The American Prospect e foi colunista de opinião do The Washington Post de 2003 até 2015, quando foi despedido por este último. Alguns especulam que o despedimento foi motivado politicamente e relacionado com a época eleitoral de 2016 e a ascensão de Bernie Sanders. Em 2009, o Atlantic Monthly nomeou-o um dos “comentadores mais influentes da nação”, como parte da sua lista “The Atlantic 50”. Filho de líderes de longa data na Califórnia do Partido Socialista da América, foi activo na década de 1970 no Comité Organizador Socialista Democrático. Editor executivo da L.A. Weekly de 1989 a 2001. Os seus artigos  também apareceram no The New Yorker, The Atlantic, The New Republic, The Nation, e New Statesman. É o autor de Who Put The Rainbow in The Wizard of Oz?, uma biografia do letrista da Broadway Yip Harburg, e os seus artigos foram republicados em vários livros, nomeadamente o volume do Brookings Institution no livro Bush v. Gore. De 1991 a 1995, Meyerson acolheu o espectáculo semanal “Real Politics” na estação NPR KCRW em Los Angeles. Convidado frequente em programas de televisão e rádio, incluindo “The Four O’Clock Report” com Jon Wiener no KPFK em Los Angeles. Sendo um reconhecido socialista democrático, foi vice-presidente honorário do Comité Político Nacional dos Socialistas Democratas da América, até que tais posições foram abolidas em 2017.

 

 

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