A possibilidade de caos nos EUA
Em Agosto enviei alguns textos sobre a eventual greve dos ferroviários nos Estados Unidos.
Há uma data-limite para a declaração de greve -sexta-feira próxima (16 de Setembro) sabendo-se que se esta é declarada há riscos de caos nos Estados Unidos. Tentaremos acompanhar a situação.
Para já, deixo-vos três textos: um de Robert Reich (publicado ontem), um antigo Ministro do Trabalho na Administração Clinton, sobre o tema, “Greve dos ferroviários evitada?”. Ao lê-lo, fica-se com uma ideia clara do que é o capitalismo selvagem nos Estados Unidos, o país liberal de referência, o país que se quer assumir como dono do mundo e onde o valor do acionista é Rei absoluto. No entanto, fica-me uma dúvida no texto de Robert Reich: se Biden não pode agora fazer mais a favor dos ferroviários ou se não pode fazer mais do que nomear o Conselho de Emergência Presidencial que nomeou, sabendo-se que este se colocou a favor das entidades patronais.
Relembro aqui os meus amigos que me acusaram de putinista, de não defender a cultura ocidental, em sentido lato, e relembro aqui a minha resposta: de que defendo aquilo que penso ser obrigações de um regime democrático e nestas obrigações não estão claramente estas condições de trabalho de que nos fala Robert Reich.
O segundo texto, que publicámos hoje de manhã – “Joe Biden evita um lockout (e uma enorme dor de cabeça política)”- é um texto cinzento, de uma corrente que podemos afirmar de democratas que se situam perto de Biden.
O terceiro texto, que publicamos agora – “Os trabalhadores ferroviários ficaram lívidos com o acordo alcançado entre Biden e os sindicatos para evitar a greve” – é um texto bem mais arrasador que o de Reich sobre o capitalismo selvagem nos EUA.
Boa leitura e esperemos que se chegue a acordo até sexta-feira nos Estados Unidos.
JM
Em 15 de Setembro de 2022
Nota: entretanto, o texto que havia recebido de Robert Reich, sofreu algumas alterações. Efetivamente, o texto disponível no sítio de Reich, passou a ter o seguinte título: “Greve dos ferroviários evitada?”. E além disso substituiu os cinco últimos parágrafos pelos seguintes:
“Felizmente, agora, evitaremos uma greve ferroviária. Parabéns à administração Biden por ajudar a intermediar este acordo.
Mas vamos garantir que a lição aqui seja aprendida, não apenas pela gestão ferroviária, mas por toda a nação em todas as indústrias: Os trabalhadores precisam e merecem salários mais elevados e melhores condições de trabalho – o que inclui mais controlo sobre os seus empregos.”
Parece pois que se terá chegado a um acordo. Mas que acordo?
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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
20 m de leitura
Trabalhadores dos caminhos-de-ferro ficaram lívidos com o acordo concluído entre Biden e os sindicatos para evitar a greve
Publicado por (a versão aqui reproduzida é a que foi publicada há dois dias; versão mais recente, de 16/09/2022 às 20.28h, aqui)
O que é que está a acontecer:
– Trabalhadores dos caminhos-de-ferro lívidos com o acordo mediado por Biden e sindicatos para impedir a greve
– BLET O Presidente Dennis Pierce chama à capitulação do Acordo de Princípio (Tentative Agreements) “uma grande vitória para nós
– O líder do comité de greve de Volvo Trucks dirigindo-se aos ferroviários disse-lhes: “vocês metem-lhes medo “
– Sindicatos ferroviários concordam em fechar acordo com a Casa Branca, empresas em esforço para evitar a greve
– Centenas de trabalhadores dos caminhos-de-ferro reúnem-se para preparar uma ação de greve
– Trabalhadores ferroviários britânicos apoiam a luta ferroviária dos EUA
– Maquinistas ferroviários rejeitam acordo provisório à medida que se aproxima a greve ferroviária a nível nacional
Trabalhadores dos caminhos-de-ferro ficaram lívidos com o acordo mediado por Biden e sindicatos para impedir a greve
Os trabalhadores ferroviários reagiram com repulsa e raiva a um acordo de última hora mediado pela administração Biden entre os sindicatos e os transportadores ferroviários para evitar uma greve de mais de 100.000 trabalhadores às 12:01 de sexta-feira. O acordo provisório é fundamentalmente o mesmo que o acordo pró-empresa recomendado no mês passado pelo Conselho de Emergência Presidencial (PEB) de Biden, que mantém as políticas de assiduidade punitivas e inclui aumentos das taxas salariais inferiores à taxa de inflação assim como de outras concessões.

“Leia a proposta, é a mesma que a do PEB“, disse um engenheiro da BNSF no Estado de Washington ao WSWS. “O sindicato fez isto. Eles cederam à 11ª hora. Até os encargos com a saúde disparam. Só é fixo depois de o contrato terminar. Assim, durante o próximo conflito, não continuarão a aumentar. Já é tempo de nos desembaraçarmos dos sindicatos de empresa. Felizmente, eles nunca deixam de nos dar razões para isso. É tempo de avançarmos juntos, os outros artesãos, as outras indústrias, os outros trabalhadores. Nós é que fazemos as coisas funcionar e não Wall Street. Eles precisam de ser lembrados“.
Um trabalhador de via da BNSF em Kansas City disse ao WSWS: “Isto é basicamente o mesmo que a proposta do PEB, com alguns números alterados. Dizem que há um aumento inicial de 14%, mas isso é basicamente para os últimos três anos. Os custos dos cuidados de saúde devem permanecer os mesmos, mas ainda não vimos os detalhes. As políticas de assiduidade ainda estão presentes.
“Os meios de comunicação social fazem parecer que estamos a receber um aumento de 24 por cento. Se isso fosse por um ano, ok, aceitaríamos. Mas é por mais de cinco anos. Este contrato não é bom. Precisamos de ter direito a baixas por doença, PPHs ou qualquer outra coisa para ter tempo livre para eventos para além das férias. Engenheiros e condutores não têm tempo livre, os agulheiros estão de plantão, exceto 12 horas por semana. Este acordo não muda as coisas no mundo real.
“Temos um Presidente ‘pró-sindicato’, temos um Ministro do Trabalho que que vem dos sindicatos. Eles deveriam ter dito aos caminhos-de-ferro: ‘Dêem-lhes o que eles pediram’. Mas isso não aconteceu. Não importa se são os Democratas ou os Republicanos, eles não estão ao nosso lado.“
Comentando a reunião do Comité de Base dos Trabalhadores Ferroviários em que participaram centenas de trabalhadores na quarta-feira à noite, o trabalhador continuou: “O Comité de Base é uma coisa boa. Precisamos de nos manter mutuamente informados, através de múltiplas profissões e sindicatos. O envolvimento direto dar-nos-á mais poder. Este contrato afeta-nos drasticamente. Ele determinará o nosso modo de vida e poderá mesmo levar-nos à morte. O sindicato, as empresas e o presidente concordaram com este contrato. Agora a nossa voz e as nossas palavras precisam de ser ouvidas“.
Os trabalhadores nos sindicatos que anteriormente concordaram com os acordos provisórios baseados no PEB também se manifestaram. Um mecânico de locomotivas CSX do Tennessee falou sobre o acordo alcançado pela Associação Internacional de Maquinistas (IAM) no início da semana. “Votámos contra o contrato e pela greve. Mas o sindicato dos maquinistas concordou em prolongar o contrato até 29 de Setembro. Eles nunca nos perguntaram nada, apenas o fizeram. Todos estão a favor de uma greve, mesmo que isso signifique desafiar o Congresso. Seria um grande risco, mas as pessoas querem fazer greve. Querem apenas saber como organizá-la. Antes de hoje, o prazo limite era o dia 16, e o IAM acabou de fazer a prorrogação até ao dia 29 de Setembro.
“Negociaram o nosso direito à greve sem nos perguntarem nada. A dada altura, isto tem de chegar a um ponto crítico, e diz-se que este é o dia em que nós nos retirarmos. O nosso sindicato é horrível, e eles mostraram-no novamente. Em cada conflito eles recuam sempre. Há algumas semanas atrás, andavam por aí a dizer que este era o melhor acordo possível e que nós devíamos votar “sim”. O sindicato tem vindo a trabalhar com as empresas há anos. A Lei do Trabalho Ferroviário não dá aos trabalhadores dos caminhos-de-ferro nenhum motivo para negociar. Eles esperam que o Congresso nos obrigue a trabalhar. Não há repercussões se os caminhos-de-ferro se recusarem a negociar.
“Como é que se pode dizer que Biden o presidente mais ‘pró-sindicato’? Se ele se importasse com os trabalhadores, forçaria as direções dos caminhos-de-ferro a dar-nos o que precisamos. Ele é pró-direções dos sindicatos, não dos trabalhadores. Os sindicatos trabalham a favor da empresa e contra nós”.
Os trabalhadores também se manifestaram nas redes sociais. Um trabalhador escreveu: “Acabaram de reembalar a mesma sandes PEB de merda que já nos estavam a oferecer com mais algumas coisas que a empresa já queria. Sim, leia a verdadeira linguagem do contrato quando este for publicado. Mas não vamos enterrar aqui a cabeça na areia. Venderam-nos e não ganhámos nada que não se nos tivesse sido oferecido já“.
Na página da Brotherhood of the Maintenance of the Way Employees (BMWE) no Facebook, os trabalhadores, que aguardam as urnas para votar no acordo apoiado pela BMWE, disseram: “Queremos saber quem é que está a receber o pequeno envelope cor-de-laranja que discretamente deslizou sobre a mesa para os seus bolsos. Parece que estes funcionários estão a receber os Acordos de Princípio sabendo que vamos votar “não” sobre eles. A questão é: Porque estão eles a fazer isto? Para evitar uma greve? Em caso afirmativo, porquê? [Não é] o sindicato profissional, não é ele [suposto] representar cada membro e não a empresa? De que forma é que qualquer coisa em cima da mesa o torna melhor para qualquer um de nós? Sim, um monte de perguntas sem resposta, lógicas e simples“.
Outro trabalhador destacou: “Trabalhei na ferrovia durante 40 anos, e após algumas greves penso que agora é o momento certo para fazer greve porque as empresas precisam mais de si agora do que antes. Digo isto porque reduziram a força de trabalho, por isso não têm demasiada gente para fazer o trabalho. Antes tinham muita gente, por isso [podiam] encontrar alguém para continuar a trabalhar. [Isto] não é o caso agora“.
Outro trabalhador respondeu: “Compreendem que a razão pela qual eles não têm muitos empregados é porque as condições de trabalho se tornaram tão más que as pessoas já não aguentam mais. Desde que esta nova política de assiduidade Hi-Viz entrou em vigor. Conheço dois indivíduos que faleceram devido a estas condições de trabalho horríveis. Um deles estava a ir de carro para o trabalho. Não tinha tido um dia de folga em duas semanas. Encostou na autoestrada e morreu de ataque cardíaco. Outro homem foi utilizar a casa de banho na 2ª unidade e desmaiou. O condutor encontrou-o, e ele já estava morto. Cresci com o caminho-de-ferro. O meu avô e a minha tia [disseram] que as condições de trabalho nunca foram tão más. Agora é-se obrigado a estar disponível 24 horas por dia, sete dias na semana e em 365 dias. Se os trabalhadores precisam de um dia livre, de um dia de folga, são penalizados. Se tentarem usar um dia de PLD a maior parte do tempo, são-lhes negados. É por isso que a greve deve acontecer“.
O Presidente do BLET [Brotherhood of Locomotive Engineers and Trainmen], Dennis Pierce, chama à capitulação do Acordo de Princípio (Tentative Agreements) “uma grande vitória para nós”
Através dos meios de comunicação social e em discussões entre si ao longo das linhas de comboio e nos estaleiros ferroviários por todo o país, os ferroviários estão furiosos por os transportadores, sindicatos e administração Biden estarem a tentar forçá-los a aceitar um acordo provisório que é quase uma cópia a papel químico da recomendação do PEB.
Contudo, os quadros que dirigem os principais sindicatos ferroviários estão a tentar, de forma absurda, apresentar o contrato como uma vitória para os trabalhadores. Numa entrevista de quinta-feira à tarde ao USA Today, o Presidente do Brotherhood of Locomotive Engineers and Trainmen (BLET) Dennis Pierce (salário de 2019 foi de $304.324) chamou ao contrato “uma grande vitória para nós”. Ele não pode querer dizer com isso que e o contrato seja bom para os trabalhadores que o sindicato “representa”, deve querer dizer que será uma “grande vitória” para ele próprio e para outros burocratas que querem evitar uma greve para que possam manter o controlo dos ativos dos seus fundos de greve.
Pierce apresentou uma versão de como o Acordo de Princípio foi anunciado na manhã de quinta-feira. Sob uma notícia, “Porque é que os sindicatos ferroviários assinaram 1 dia de dispensa por doença ao trabalho e pago depois de terem reivindicado 15“, o USA Today não afirmou o óbvio: que os sindicatos simplesmente venderam os trabalhadores. Em vez disso, escreveram que o Presidente Pierce do BLET lhes disse: “O ponto de viragem nas negociações chegou quando os sindicatos ‘finalmente convenceram’ as empresas ferroviárias a conceder aos trabalhadores uma licença por doença“.
Nenhum dos lados foi “convincente” nas conversações realizadas ontem na Casa Branca. Os três lados – os sindicatos, as empresas e o governo – juntaram-se para conspirar contra os trabalhadores dos caminhos-de-ferro. Estes inimigos dos trabalhadores ferroviários estão a conspirar contra eles, e é tempo de os trabalhadores ferroviários se organizarem em comissões de base para assumirem o controlo desta luta que até agora tem estado nas mãos dos líderes sindicais traidores.
O líder do comité de greve de Volvo Trucks dirigindo-se aos ferroviários disse-lhes: “vocês metem-lhes medo “
Os trabalhadores de todo o país e, de facto, de todo o mundo esperam que os trabalhadores ferroviários sejam capazes de quebrar o estrangulamento feito pelos sindicatos pró-empresas e utilizem o seu poder para inverter as suas condições de trabalho. Rick, um líder do Comité de Greve de Trabalhadores da Volvo em Dublin, Virgínia, onde os trabalhadores realizaram uma poderosa greve no ano passado, afirmou: “Os trabalhadores dos caminhos-de-ferro têm de se cingir às suas armas. Têm-nos assustados. Organizem-se, organizem-se. Digam isso a todos os trabalhadores.
“Eles voltarão e dirão: ‘É melhor aceitarmos esta oferta, é o melhor que vamos conseguir! Tretas. É lixo, e eles sabem-no. Eles esperam que vocês todos (homens e mulheres) sejam demasiado burros e pobres para recusarem. Mantenham a vossa posição.
“Os trabalhadores da Volvo fizeram-no durante três meses até a empresa e o sindicato dos Trabalhadores de Automóveis Unidos apresentarem suficientes cenouras para um número suficiente de pessoas e uma boa tática de susto acabou por nos quebrar. Mas agora que tudo aquilo que não nos mostraram está a ser visto, essas pessoas estão a dar pontapés a si próprias.
“Exijam ver o contrato inteiro com tempo suficiente para as pessoas lerem e compreenderem o que estão a ver. As bases da Volvo estão a apoiar-vos.“
Sindicatos ferroviários concordam em fechar acordo com a Casa Branca e com as empresas, num esforço para evitar a greve
As empresas de caminhos-de-ferro, os sindicatos e a administração Biden anunciaram um acordo provisório no início da manhã de quinta-feira, após conversações durante toda a noite mediadas na Casa Branca pelo Secretário do Trabalho Marty Walsh.

O acordo é uma injunção em tudo menos no nome, utilizando os serviços da burocracia sindical numa tentativa de suprimir uma greve em vez de uma intervenção do Congresso. Ainda não foram disponibilizados todos os pormenores, mas declarações tanto dos sindicatos como da Casa Branca indicaram que a linguagem é quase idêntica à do acordo recomendado pelo Conselho Presidencial de Emergência (PEB), ao qual os trabalhadores se opõem esmagadoramente. O contrato incluiria, alegadamente, tempo livre não remunerado “para determinados procedimentos médicos”.
Para além disto, não há qualquer alteração às políticas de assiduidade punitivas que os trabalhadores estão determinados a abolir. Também congela as contribuições para os cuidados de saúde, mas isto só entra em vigor após a expiração do contrato, o que significa que não tem qualquer significado. Os aumentos salariais permanecem os mesmos, com uma média de cerca de metade da taxa de inflação atual ao longo da vida do contrato.
A única outra alteração significativa é um acordo para prolongar o período de “reflexão” para além da sua expiração programada esta noite à meia-noite. O New York Times relatou isto afirmando que “os trabalhadores concordaram em não fazer greve”. De facto, nem um único trabalhador votou para autorizar isto. Foi uma decisão tomada inteiramente nas suas costas em conversações secretas em Washington, em flagrante violação do desejo avassalador da vontade dos membros.
Isto foi expresso numa resolução aprovada por 98 por cento a favor na reunião pública de ontem à noite patrocinada pelo Comité de Base dos Trabalhadores Ferroviários (RWRFC), que contou com a presença de mais de 500 pessoas. Nessa resolução diz-se:
Esta assembleia democrática de trabalhadores dos caminhos-de-ferro decide:
- Não aceitaremos qualquer ato do Congresso que viole o nosso direito democrático à greve e nos imponha um contrato que não aceitamos e que não tenha sido ratificado pela base dos trabalhadores.
- Exigimos um contrato que responda às nossas necessidades, nomeadamente um grande aumento salarial para compensar anos de salários em declínio; ajustamentos do custo de vida para fazer face à inflação em alta; o fim de políticas brutais de assiduidade; garantia de tempo de folga e dias de doença; e o fim da pressão para tripulações de um só homem.
- Informamos os sindicatos que qualquer tentativa de forçar através de contratos que não aceitamos e que não tenham sido votados, ou de nos manter a trabalhar sem contrato, será uma violação das instruções claras dadas pelas bases dos trabalhadores.
Os trabalhadores já estão a reagir furiosamente ao acordo nas redes sociais. “Todas as ‘conversas da noite e é isso que eles produzem!?” disse um membro do Comité ao WSWS. “Vamos ter de fazer greve se for esse o caso“.
Numa declaração conjunta paternalista, os sindicatos BLET e SMART-TD saudaram o acordo, que, segundo eles, foi tornado possível graças à “solidariedade demonstrada pelos nossos membros”. De facto, os sindicatos têm vindo a lutar contra a solidariedade dos trabalhadores desde o início. De facto, enquanto a declaração saúda o acordo como supostamente uma melhoria substancial em relação ao PEB, ela reproduz o acordo numa linguagem quase que idêntica à que eles próprios utilizaram para saudarem o PEB no mês passado. A realidade é que a única razão pela qual as coisas avançaram até este ponto é devido a uma rebelião das bases contra o aparelho sindical.
O acordo mediado pela administração Biden também lança luz sobre a manobra do Senador Bernie Sanders na quarta-feira para bloquear um projeto de lei patrocinado pelos Republicanos para impor o PEB uma vez expirado o período de reflexão. Sem dúvida, Sanders estava a trabalhar em consulta com a Casa Branca, que não queria que os assuntos chegassem ao ponto de uma injunção do Congresso que poderia ser politicamente arriscada.
Mas numa declaração oficial, a Presidente da Câmara Nancy Pelosi deixou claro que os Democratas estavam dispostos a aprovar qualquer legislação que fosse necessária contra uma greve: “O Congresso ao abrigo da Cláusula Comercial da Constituição tem a autoridade e a responsabilidade de assegurar o funcionamento ininterrupto dos serviços de transporte essenciais e, no passado, promulgou legislação para o efeito. Liderada pelo Comité de Transportes e Infra-estruturas, a Câmara preparou e tinha revisto a legislação, para que estivéssemos prontos a agir, nos termos da Secção 10 da Lei do Trabalho Ferroviário“.
Centenas de trabalhadores dos caminhos-de-ferro reúnem-se para preparar uma ação de greve
Na quarta-feira à noite, mais de 500 trabalhadores ferroviários de base participaram numa reunião convocada pelo Comité de Base da Greve dos Trabalhadores dos Caminhos-de-Ferro para preparar uma ação de greve, uma vez que o “período de reflexão” está marcado para expirar em menos de 24 horas, às 12:01 da manhã de sexta-feira. A reunião foi co-patrocinada pelo World Socialist Web Site e pela Aliança Internacional dos Trabalhadores de Comités de Base.
A reunião foi convocada sob o título: “Organizar para preparar uma greve nacional !“ Os participantes incluíam trabalhadores de todos os EUA na BNSF, CSX, Union Pacific, Canadian National, Norfolk Southern e outros empresas de caminhos-de-ferro. Entre eles encontravam-se engenheiros e condutores, maquinistas, mecânicos, carreiros, agulheiros, sinaleiros e outros trabalhadores.
A reunião teve lugar enquanto o Congresso e a administração Biden, com o apoio tanto das empresas como dos sindicatos ferroviários, estão a trabalhar no sentido de bloquear uma greve de 100.000 trabalhadores dos caminhos-de-ferro na sexta-feira.
Os trabalhadores presentes na reunião expressaram-se firmemente contra os esforços que visam impor acordos baseados no Conselho de Emergência Presidencial de Biden (PEB), em que se aceita todas as exigências das empresas, e denunciaram o aparelho sindical por não os representar.
Um engenheiro em Chicago disse na reunião: “Estou cansado de ser tratado como um camponês. Eles falam de quanto dinheiro ganhamos, como se estivéssemos a tornar-nos milionários ou algo do género, mas nunca falam de quanto os diretores e os quadros superiores ganham, e das suas contas de despesas e de tudo o que têm, e de como vivem no colo do luxo. E aqui, estamos a lutar por trabalhar 12 horas por dia, e por ter políticas de assiduidade realmente rigorosas.
“Eles falam de como a greve vai causar muito caos em todo o país e na cadeia de abastecimento. Mas o facto é que já há caos lá fora. E isso foi causado pelo PSR [Precision Scheduled Railroading]. Eles livraram-se de mais de 40.000 pessoas. Livraram-se do equipamento de que necessitamos, motores. Eles trouxeram esta confusão para cima de si próprios“.
Outro ferroviário da área de Chicago disse: “O poder está connosco, tanto mais quanto os nossos membros se unem e percebem que temos o controlo. Eles [as empresas] estão aqui graças a nós. Eles não têm nada sem nós. Eles não têm uma empresa. Eles não têm os lucros. Eles não têm todos os milhões de dólares que ganham.
“Eu perdi cerca de 80 por cento de eventos familiares, coisas agendadas, festas de aniversário, tudo, férias. Perdemos sempre coisas. E só queremos recuperar um pedaço da nossa própria vida. É uma loucura que as nossas exigências de um contrato sólido estejam a ser rejeitadas não só pelo PEB, mas também pelo nosso sindicato e pelos próprios transportadores“.
Trabalhadores ferroviários britânicos apoiam a luta dos ferroviários nos EUA
Os trabalhadores ferroviários no Reino Unido, que participaram em repetidas greves nacionais nos últimos três meses, fizeram declarações de solidariedade com a luta de trabalhadores nos Estados Unidos. Devido à frequente vitimização pela empresa daqueles que foram identificados como militantes e à censura dos comentários dos membros dos comités de greve, os trabalhadores têm sido mantidos anónimos.
Em Bristol, um trabalhador ferroviário de 7 anos de profissão disse: “Estamos a tratar das mesmas questões que os nossos irmãos e irmãs nos EUA. A fim de manter o sistema ferroviário em funcionamento, trabalhámos durante toda a pandemia. Testemunhámos muitos dos nossos colegas a adoecerem e, em alguns casos, a morrerem como resultado. Lembro-me de ir trabalhar sabendo que podia morrer. Como trabalhadores essenciais, todos nós sabíamos o risco que estávamos a correr. Colocamo-nos em perigo para conseguirmos fazer o trabalho.

“Os nossos líderes sindicais eram inexistentes durante a pandemia. Os trabalhadores ferroviários estavam a adoecer e a morrer, mas não foi convocada nenhuma greve. Em vez disso, recebemos a ocasional mensagem de texto da sua casa/escritório segura e socialmente distante.
“Fomos chamados heróis por arriscarmos as nossas vidas, agora somos vistos como o novo ‘inimigo interior’ por simplesmente querermos defender o direito a um salário decente, a pensões e condições contratuais decentes.
“A recompensa pela nossa lealdade durante a pandemia tem sido a ameaça de despedimento em massa, a eliminação dos nossos atuais contratos e a recontratação em condições inferiores, bem como a pilhagem dos nossos fundos de pensões. O governo está a supervisionar esta destruição de postos de trabalho e a desqualificação dos trabalhadores em nome dos operadores privados, a expensas dos contribuintes. O controlo dos caminhos-de-ferro só será devolvido aos operadores privados quando estes estiverem satisfeitos com a obtenção de um nível desejado de extração de lucros.
“O nosso sindicato convocou vários dias de ação de greve, mas procurou inverter a situação através de um sentimento negociado, uma capitulação, e isto desde o princípio. Dois dias de ação de greve esta semana foram suspensos como uma marca de respeito pela morte da rainha. O nosso sindicato pensa que a luta de classes deve dar passo ao nosso novo rei.
“A única forma da classe trabalhadora se poder defender contra a classe dominante é castrar a liderança sindical do seu poder. Só através da formação de uma aliança independente de comissões de trabalhadores é que o podemos fazer. Apoio-vos plenamente na vossa luta para alcançar a vossa independência política“.
Uma trabalhadora dos caminhos-de-ferro do Sudoeste da estação ferroviária de Bournemouth, com vários anos de experiência, ficou chocada ao saber das condições de trabalho dos trabalhadores dos caminhos-de-ferro americanos. Ela comentou: “Apoio plenamente a greve dos caminhos-de-ferro dos EUA. Não consigo imaginar trabalhadores que tenham de trabalhar 80 horas por semana e sem direito a baixa por doença. Eles têm de enfrentar estas condições de trabalho terríveis. Não importa em que país se vive, os trabalhadores enfrentam a mesma situação. Estas empresas ferroviárias obtêm enormes lucros à custa dos seus trabalhadores.

“Aqui no Reino Unido estamos a lutar para defender o nosso salário e as nossas condições. Muitos vão perder os seus empregos com o encerramento das bilheteiras e outras mudanças. O RMT [sindicato ferroviário, marítimo e dos transportes] [que cancelou dois dias de greve nacional por “respeito” pela rainha] terá de retomar a greve em breve. Temos de ser solidários com os outros trabalhadores. Vou colocar o vosso cartaz [que diz “Apoio os trabalhadores dos caminhos-de-ferro dos EUA”] na sala do refeitório“.
Um trabalhador da plataforma disse: “Estou a apoiar os trabalhadores dos EUA”. A situação dos EUA parece muito similar ao que se passa aqui. Nos últimos dois anos, as empresas aqui disseram: “oh, vamos aumentar os vossos salários e isto e aquilo”. Mas agora a inflação está a subir e eles não nos estão a dar e por isso estamos a ter greves. (ver aqui)
“As empresas também disseram que encerrarão todas as bilheteiras, o que significará que milhares de pessoas perderão os seus empregos“.
Os maquinistas dos caminhos-de-ferro rejeitam um acordo provisório à medida que se aproxima uma greve ferroviária a nível nacional
A International Association of Machinists (IAM) District Lodge 19 relatou na quarta-feira de manhã que os maquinistas dos caminhos-de-ferro rejeitaram um acordo provisório. O IAM é um dos doze sindicatos que supervisionam os trabalhadores dos caminhos-de-ferro.
Numa breve declaração, o IAM escreveu: “A votação está concluída, e os resultados são já conhecidos. O Acordo Provisório foi rejeitado e a votação da autorização de greve foi aprovada“.
O IAM não comunicou quaisquer números, mas os trabalhadores dizem que a oposição ao acordo foi esmagadora.
O acordo rejeitado pelos trabalhadores baseou-se nas recomendações do Conselho de Emergência Presidencial (PEB) da administração Biden.
As recomendações do PEB aceitaram todas as exigências das empresas ferroviárias, incluindo aumentos salariais abaixo da inflação, aumento dos custos de saúde e nenhuma alteração às odiadas políticas de assiduidade que deixam o pessoal de bordo dos comboios em serviço 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Provocatoriamente, a declaração do IAM declarou que “por respeito aos outros sindicatos no processo de ratificação, foi acordada uma prorrogação até 29 de Setembro de 2022”.
De facto, os sindicatos estão a seguir uma estratégia de dividir e conquistar, tentando fazer aprovar acordos baseados no PEB em vários sindicatos. Os trabalhadores ferroviários disseram, contudo, que não atravessarão as linhas de piquete se os trabalhadores de qualquer um dos sindicatos iniciarem uma ação de greve.
“Os maquinistas rejeitam esmagadoramente o prolongamento do período de reflexão“, disse um maquinista do IAM a trabalhar em St. Louis, Missouri, à WSWS Railroad Workers Newsletter.
“Quando votámos a favor da greve foi-nos dito que seria às 12:01 do dia 16 de Setembro. Já esperámos tempo suficiente por um contrato decente, e exigimos a greve no dia 16. A decisão não autorizada do IAM de deixar a coligação deixou-nos vulneráveis e causou divisão e raiva entre os membros.”
Um mecânico de motores BNSF no IAM acrescentou: “No meu local de trabalho a maioria está contente por ter sido rejeitado. Mas eles estão loucos com a extensão. Os rapazes estão prontos para a greve. Estão cansados disto. Estão a pedir sangue do Distrito. Acham que devíamos ter votado numa extensão se isso tivesse estado em cima da mesa. “