CARTA DE BRAGA – “de tragar o mundo” por António Oliveira

O filósofo francês Jean-François Lyotard, um dos maiores estudiosos e analistas da pós-modernidade, afirmava frequentemente que essa corrente filosófica tinha acarretado com ela a descrença nas grandes estórias, aquelas com que os maiores poderes tentavam legitimar-se e legitimar as próprias instituições. E explicava que onde antes havia um deus ou um tirano, aparecerem então um sem-fim de crenças e superstições particulares, levando cada um àquilo em que acreditava de boa fé, fosse o ginásio, fazer lã ou as ‘homilias’ de um qualquer youtuber.

Dizia Lyotard que tal forma de politeísmo profano não era nem será forçosamente uma desgraça, e que no quiosque livre das ideologias, haveria lugar e caberia tanto o bom e o excelente, como o mau e o prejudicial. O único problema seria a liberdade de escolha frente ao grande poder dos donos das estórias. 

Vem esta introdução a propósito das guerras que estão a atormentar este mundo, desde a Ucrânia, ao Mali, a Moçambique e ao Yemen, isto só para citar algumas, como aquelas outras que tendem a acabar com o poder dos patriarcas, como no Irão ou na Nicarágua, ou como aquelas que matam sem tiros, como as alterações climáticas, a queima de combustíveis fosseis e a seca que está a deixar meio mundo mergulhado na fome e na sede. 

Uma quantidade de problemas só para citar os mais candentes, que está a arrastar as gentes para uma espécie de catastrofismo, notório no aumento brutal no custo de bens e serviços, na ‘fuga’ da gente às filas dos supermercados –não vão tardar os domingos dos 50% em alguns deles-, nas compras que vão ficar para o Natal, no poupar do café ou do fino no final do trabalho, por não se ver solução para o frio do inverno, nem propostas ‘decentes’ para arranjar um escudo social que defenda os pagantes.

Mas sabe-se que os governos dos mais ricos, os tais do ‘G20’, aumentaram em 29% os subsídios aos combustíveis, qualquer coisa como 190.000 milhões de dólares só em 2021, conforme o relatório anual da Transparência Climática, uma associação internacional de várias organizações que faz o balanço da acção climática do G20. Subsídios que aumentaram também este ano, em parte pela guerra na Ucrânia, mas também pelos lucros das empresas energéticas obscenos, acrescento eu

Acrescente-se o escândalo das vacinas anti-covid da Pfizer, com tudo o que isso representa para os ‘mandatários’ deste mundo e para quem os ‘sustenta’, porque essas coisas estão cada vez mais longe do cidadão comum, o que só vê e lê os manhas de todas as manhas e de todas a noites, valendo apenas o que alguns jornais ainda vão descobrindo, entre as malhas tecidas pelos ‘donos disto tudo’, servidos pelos capatazes que instalam em todos os países. 

Mas também merece uma referência à parte a questão do Irão, onde as ‘bruxas’ iranianas, assim se chamam em homenagem à jovem Mahsa Amini, que morreu devido à acção da ‘polícia da moral’, por levar mal posto o véu obrigatório para qualquer mulher, lançam às fogueiras ‘a essência da vida dos aiatolas, representada num pano mal amanhado a que chamam hiyab’, nas palavras de um cronista que ali esteve uns dias. Cronista que vai mais longe ao afirmar ‘Sem ele, os aiatolas deixarão de existir. O hiyab é a suástica do islamismo e, se o perdem, deixarão de existir’.

Uma outra cronista escreveu, no final de Outubro, ‘As mulheres têm ali sido tratadas pior que os animais, pois nem sequer lhes atribuem valor. Isso tem sido manifestado por muitas das manifestantes esta é uma luta contra um apartheid de géneroe gritam ainda não queremos a república islâmica’, duas frases que há um mês atrás seriam impensáveis’. 

Lembro-me de ter lido num escrito de Salman Rushdie, um outro perseguido pelos aiatolas, ‘Para se entender uma só vida, tem de se tragar o mundo!’ 

Talvez seja essa a maneira de se legitimarem os poderes dos ‘donos disto tudo’ e das instituições contadoras de estórias auto-legitimadoras. 

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

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