CARTA DE BRAGA – “questões da inteligência artificial” por António Oliveira

Haverá para aí uns seiscentos anos, René Descartes, a quem chamam o pai da filosofia moderna, escreveu ‘As ciências todas não são mais que a sabedoria humana, que permanece una e idêntica, mesmo aplicada a objectos distintos, e não recebe deles mais distinção do que a luz do sol recebe dos objectos que ilumina’.

Esta questão, a da sabedoria humana, com todas as implicações a que possa dar origem, tem vindo a ganhar enorme importância nos meios mais atentos do pensamento e das finanças, ganhando agora especial relevância com a chegada da Inteligência Artificial (IA) ao mundo do consumidor comum, com consequências diversas conforme a complexidade dos dados que as nossas sociedades, muito ou pouco automatizadas, vão libertando para o espaço.

E ela, a IA, já aí está, posta a conquistar o mundo do consumo, o que verdadeiramente lhe interessa- e são já variados os modelos, arrastados pelo ChatGPT, aproveitando a quantidade de outros modelos de interacção, até linguística, com nomes variados que já li, mas não decorei. Só que aquele, o tal ChatGPT, parece ter ganho esta batalha mediática, pois em qualquer local, além das inevitáveis lojas electrónicas, domina já perguntas e reflexões, muito estranhas para mim, que não domino nada desse universo do arrastar dedo e boneco, permanecendo ainda no mundo se calhar atrasado e ingénuo de ‘bater’ das teclas, e das interpretações literais e lineares, bem como de ver preços.

Sei que a inevitabilidade da IA no mundo dos humanos, a automatização dos sistemas que nos vão regendo e gerindo, se vai acelerando, ao mesmo tempo que aumentam os tempos de espera nos hospitais e afins, por nem todos terem o direito de ultrapassar a Obrigação de Trabalhar (OT) imperativa no mundo do Zé pagante mais banal, aquele que nem aspira, pelas interpretações lineares e orais e que está forçado, a chegar, nos tempos mais próximos, a esse mundo longínquo da IA.

Transportando isso para fora deste país, dos oito mil milhões de habitantes do planeta, cerca de cinco mil milhões utilizam telemóvel, a grande maioria até um smartphone, todos a ‘parir’ dados que alimentam um capitalismo instalado por plataformas, a utilizar algoritmos que já desenham ‘feitios’, ‘modelos’ e, se calhar, o ‘consumidor tipo’ em que ainda teremos nós ser humano e banal, de viver e pagar para não sermos marginalizados, ostracizados, nós mesmos, a maioria do universo da OT.

Tudo porque a avalancha de informação que ‘parimos’ ultrapassa definitivamente as capacidades individuais e colectivas da inteligência humana, impondo-nos a utilização da IA, coisa que nós, os da OT, estamos bem longe de entender, num mundo onde a imperatriz desigualdade, determina guerras, secas, desertificações, desamparos e migrações, e onde até dois de cada três países não consegue alcançar os objectivos de finalização na educação pré-escolar, secundária e superior, de acordo com um relatório da UNESCO.

Mas, além disso, o tal relatório, divulgado em Janeiro último, acrescenta ainda que um em cada três países retrocedeu nas competências de aprendizagem e em docentes formados nos níveis do pré-escolar e primária.

Vão ser estes, com toda a certeza, os forçados e forçosos integrantes dos consumidores tipo do universo onde impera aquela Obrigação de Trabalhar, que os senhores da tal Inteligência Artificial irão aproveitar, com tudo o que isto poderá querer dizer sem medo, mas com apreensão, por a vida não ser nem estar fácil, principalmente para os da OT, para quem a IA é só uma miragem, no deserto das soluções que nunca vão chegar para eles.

A terminar, talvez valha a pena acrescentar o que li algures escrito por Adela Cortina, catedrática de Ética e Filosofia Política, ‘A ética serve para apostar por uma vida feliz, por uma vida boa que integra, sobreintendidas, as exigências da justiça e abra caminho à esperança, investindo no que realmente vale a pena e em saborear o que é precioso’.

E quem quer abdicar de privilégios, num mundo onde campeia a desigualdade?

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

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