Para lá da guerra na Ucrânia — “G7 versus BRICS – começou a corrida: os BRICS superam o G7 no que respeita ao respetivo PIB global, ajustado pela paridade do poder de compra”. Por Scott Ritter

Seleção e tradução de Francisco Tavares

7 min de leitura

G7 versus BRICS – começou a corrida: os BRICS superam o G7 no que respeita ao respetivo PIB global, ajustado pela paridade do poder de compra

Um economista que esteve a escavar abaixo da superfície de um relatório do FMI encontrou algo que deveria sacudir o bloco ocidental de qualquer falsa confiança na sua insuperável influência económica global

 Por Scott Ritter

Publicado por em 22 de Março de 2023 (original aqui)

 

Reunião dos líderes do G7 em 28 de Junho de 2022, em Schloss Elmau em Krün, Alemanha. (Casa Branca/Adam Schultz)

 

No Verão passado, o Grupo dos 7 (G7 – EUA, Canadá, Japão, Alemanha, França, Itália e Reino Unido), um fórum auto-proclamado de nações que se consideram como as economias mais influentes do mundo, reuniu-se em Schloss Elmau, perto de Garmisch-Partenkirchen, Alemanha, para realizar a sua reunião anual. O seu foco era castigar a Rússia através de sanções adicionais, fornecer mais armamento à Ucrânia e a conter a China.

Ao mesmo tempo, a China acolheu, através de videoconferência, uma reunião do fórum económico dos BRICS. Composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, este conjunto de nações relegadas para o estatuto das chamadas economias em desenvolvimento centrou-se no reforço dos laços económicos, no desenvolvimento económico internacional e na forma de abordar o que consideravam colectivamente as políticas contraproducentes do G7.

No início de 2020, o Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros russo Sergei Ryabkov tinha previsto que, com base na paridade do poder de compra, ou PPC, segundo os cálculos projectados pelo Fundo Monetário Internacional, os BRICS ultrapassariam o G7 até ao final desse ano, em termos de percentagem do total global.

(O produto interno bruto de uma nação em paridade de poder de compra, ou PPC, é a soma do valor de todos os bens e serviços produzidos no país avaliados aos preços prevalecentes nos Estados Unidos e é um reflexo mais preciso da força económica comparativa do que os simples cálculos do PIB).

Depois veio o golpe pandémico e a recuperação económica global que se seguiu tornaram as projecções do FMI inúteis. O mundo tornou-se singularmente concentrado na recuperação da pandemia e, mais tarde, na gestão das consequências das sanções maciças do Ocidente contra a Rússia, na sequência da invasão da Ucrânia por aquele país em Fevereiro de 2022.

O G7 prestou atenção ao desafio económico colocado pelos BRICS e, em vez disso, concentrou-se em consolidar a sua defesa da “ordem internacional baseada em regras” que se tinha tornado o mantra da administração do Presidente dos EUA Joe Biden.

 

Erro de cálculo

O Presidente dos EUA Joe Biden em chamada virtual com os líderes do G7 e o Presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy, 24 de Fevereiro. (Casa Branca/Adam Schultz)

 

Desde a invasão russa da Ucrânia, deu-se uma divisão ideológica que tem dominado o mundo, com um lado (liderado pelo G7) condenando a invasão e procurando punir a Rússia economicamente, e o outro (liderado pelos BRICS) assumindo uma posição mais matizada, não apoiando a acção russa nem aderindo às sanções. Isto criou um vazio intelectual quando se trata de avaliar o verdadeiro estado de coisas nos assuntos económicos globais.

É agora amplamente aceite que os EUA e os seus parceiros do G7 calcularam mal tanto o impacto que as sanções teriam sobre a economia russa, como o o efeito de bumerangue que atingiria o Ocidente.

Angus King, o senador independente do Maine, observou recentemente que se lembra

“quando isto começou há um ano atrás, tudo o que se falava era que as sanções iriam paralisar a Rússia. Iriam fazer parar os negócios e provocar motins nas ruas, mas isso não aconteceu de modo nenhum… [Será que foram as sanções erradas? Não foram bem aplicadas? Será que subestimámos a capacidade russa de as contornar? Porque é que o regime de sanções não desempenhou um papel maior neste conflito?”

Note-se que o FMI calculou que a economia russa, em resultado destas sanções, iria contrair-se pelo menos 8 por cento. O número real foi de 2% e espera-se que a economia russa – apesar das sanções – cresça em 2023 e mais além.

Este tipo de erro de cálculo tem permeado o pensamento ocidental sobre a economia global e os respectivos papéis desempenhados pelo G7 e pelos BRICS. Em Outubro de 2022, o FMI publicou o seu World Economic Outlook (WEO) anual, com enfoque nos cálculos tradicionais do PIB. Assim, os analistas económicos da corrente dominante, em consequência, sentiram-se reconfortados pelo facto de que – apesar do desafio político lançado pelos BRICS no Verão de 2022 – o FMI calculava que o G7 ainda se mantinha forte como o principal bloco económico mundial.

Richard Dias (Twitter)

Em Janeiro de 2023 o FMI publicou uma actualização do WEO de Outubro de 2022, reforçando a forte posição do G7.  De acordo com Pierre-Olivier Gourinchas, o economista chefe do FMI, “o equilíbrio dos riscos para as perspectivas continua inclinado para o lado negativo mas é menos inclinado para resultados adversos do que no WEO de Outubro”.

Esta dica positiva impediu que os principais analistas económicos ocidentais aprofundassem os dados contidos na actualização. Posso atestar pessoalmente a relutância dos editores conservadores que tentam retirar a actual relevância dos “dados antigos”.

Felizmente, existem outros analistas económicos, tais como Richard Dias da Acorn Macro Consulting, um “gabinete de pesquisa macroeconómica que emprega uma abordagem de cima para baixo na análise da economia global e dos mercados financeiros”. Em vez de aceitar a perspectiva cor-de-rosa do FMI como evangelho, Dias fez o que os analistas supostamente deveriam fazer – pesquisar os dados e extrair conclusões relevantes.

Depois de se vasculhar a Base de Dados das Perspectivas Económicas Mundiais do FMI, Dias conduziu uma análise comparativa da percentagem do PIB global ajustada pela PPC entre o G7 e os BRICS, e fez uma descoberta surpreendente: Os BRICS tinham ultrapassado o G7.

Isto não foi uma projecção, mas sim a constatação de um facto consumado: os BRICS foram responsáveis por 31,5% do PIB global ajustado à PPC, enquanto que o G7 forneceu 30,7%. Piorando a situação para o G7, as tendências projectadas mostravam que o fosso entre os dois blocos económicos só iria aumentar no futuro.

As razões para esta acumulação acelerada de influência económica global por parte dos BRICS podem ser ligadas a três factores principais:

  • as consequências residuais da pandemia de Covid-19,
  • o efeito de bumerangue das sanções contra a Rússia pelas nações do G7 na sequência da invasão russa da Ucrânia e de um ressentimento crescente das economias em desenvolvimento em relação às políticas económicas do G7 e
  • prioridades que são percebidas como estando mais enraizadas na arrogância pós-colonial do que um genuíno desejo de ajudar as nações a desenvolverem o seu próprio potencial económico.

 

Disparidades de crescimento

 

É verdade que o peso económico dos BRICS e do G7 é fortemente influenciado pelas economias da China e dos Estados Unidos, respectivamente. Mas não se pode ignorar as trajectórias económicas relativas dos outros estados membros destes fóruns económicos. Enquanto as perspectivas económicas para a maioria dos países BRICS apontam para um forte crescimento nos próximos anos, as nações do G7, em grande parte devido à ferida auto-infligida resultante das sanções à Rússia, estão a ter um crescimento lento ou, no caso do Reino Unido, um crescimento negativo, com poucas perspectivas de inverter esta tendência.

Além disso, enquanto o número de membros do G7 permanece estático, os BRICS estão a crescer, tendo a Argentina e o Irão apresentado candidaturas, e outras grandes potências económicas regionais, como a Arábia Saudita, a Turquia e o Egipto, manifestando interesse em aderir. A recente conquista diplomática chinesa na normalização das relações entre o Irão e a Arábia Saudita torna esta expansão potencial ainda mais explosiva.

A diminuição das perspectivas da continuação do domínio global pelo dólar americano, combinada com o potencial económico da união económica trans-euro-asiática promovida pela Rússia e pela China, colocam o G7 e os BRICS em trajectórias opostas. Os BRICS deverão ultrapassar o G7 em termos de PIB real, e não apenas de PPC, nos próximos anos.

Mas não esperem que os analistas económicos da corrente dominante cheguem a esta conclusão. Felizmente, existem exceções como Richard Dias e Acorn Macro Consulting que procuram encontrar um novo significado a partir dos dados antigos.

 

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O autor: Scott Ritter é um antigo oficial de inteligência do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA que serviu na antiga União Soviética implementando tratados de controlo de armas, no Golfo Pérsico durante a Operação Tempestade no Deserto e no Iraque supervisionando o desarmamento das ADM. O seu livro mais recente é Disarmament in the Time of Perestroika, publicado pela Clarity Press.

 

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