A Guerra na Ucrânia — “Kissinger: a invasão russa foi provocada”, por Davide Malacaria

Seleção e tradução de Francisco Tavares

3 min de leitura

Kissinger: a invasão russa foi provocada

Por Davide Malacaria

Publicação por em 27 de maio de 2023 (original aqui)

 

 

 

Penso que a proposta de aceitar a Ucrânia na NATO foi um erro grave e conduziu a esta guerra“. Foi o que disse o antigo secretário de Estado Henry Kissinger, numa entrevista ao Wall Street Journal. Uma afirmação óbvia, mas que o establishment ocidental nega obsessivamente, continuando a repetir que a Rússia não tinha razões para invadir e que o conflito resulta apenas de um impulso imperialista louco que ameaça todo o Ocidente.

 

Quem controla o presente controla o passado

Esta negação obsessiva é analisada num artigo publicado no Ron Paul Institute pelo economista Jeffrey Sachs: “A administração Biden usa incessantemente a frase ‘não provocada’, mais recentemente, [esta frase foi reiterada] no discurso de Biden no primeiro aniversário da guerra, no mais recente discurso à NATO, e na ainda mais recente declaração ao G7″.

Os principais meios de comunicação social pró-Biden limitam-se a repetir o que sai da Casa Branca. O New York Times é o principal culpado, tendo descrito a invasão como ‘não provocada’ nada menos que 26 vezes em cinco editoriais, 14 artigos de opinião de repórteres do NYT, e em sete contribuições de pessoas de fora!” (na verdade, a contagem é muito subestimada, mas dá uma ideia da obsessão).

A questão de saber se a invasão foi ou não provocada não é secundária, muito pelo contrário. Sobre a importância da compreensão e da interpretação da história, Sachs cita George Orwell, que escreveu no seu 1984: “Quem controla o passado controla o futuro: quem controla o presente controla o passado“.

E a este respeito, comenta: “os governos trabalham incessantemente para distorcer a perceção do passado por parte da opinião pública“. Uma manipulação que, na guerra da Ucrânia, atingiu proporções paroxísticas, de tal forma que a narrativa relacionada com a guerra obscureceu e obscurece tudo o que aconteceu antes de 24 de Fevereiro de 2022, quando a invasão começou. Nenhuma provocação, uma invasão sem sentido e brutal.

Em vez disso, como Kissinger deixou claro, e Sachs no seu artigo, houve provocação, e muita. Não só a insistência da administração Biden em que a porta da NATO estava aberta para Kiev – apesar de Putin ter deixado claro que esse passo seria inaceitável – mas também o passado, como Sachs observa no seu artigo, em que recorda o golpe de Maidan de 2014, que impôs um governo anti-russo na Ucrânia, e o subsequente ataque não provocado de Kiev contra as regiões pró-russas do Donbass, culpadas de declarar a sua autonomia.

 

A Ucrânia sacrificada no altar dos interesses dos EUA

Mas, se a Rússia foi capaz de tolerar o passado, o casus belli foi precisamente a tentativa de incluir a Ucrânia na NATO, que tantos políticos e militares influentes dos EUA (incluindo o actual chefe da CIA, William Burns) sabiam que provocaria uma reacção catastrófica da Rússia (Sachs faz um apanhado de discursos sobre o assunto).

Esta é a conclusão de Sachs: “Se reconhecermos que a questão do alargamento da NATO é o foco da guerra, podemos compreender porque é que as armas dos EUA não acabarão com o conflito. A Rússia fará uma escalada, se necessário, porque tem de impedir o alargamento da NATO à Ucrânia“.

A chave para a paz na Ucrânia passa por negociações baseadas na neutralidade da Ucrânia e na sua não adesão à NATO. A insistência da administração Biden no alargamento da NATO à Ucrânia fez da Ucrânia a vítima de aspirações militares americanas mal concebidas e irrealistas. É altura de as provocações cessarem e de as negociações trazerem a paz de volta à Ucrânia“.

Sobre a adesão à NATO, Kissinger discorda de Sachs, tendo explicado ao WSJ que, no final do conflito, a Ucrânia (ou o que restará dela) deveria fazer parte da NATO. Uma consideração que visa colocar o controlo da NATO sobre uma nação que certamente cultivaria objectivos revanchistas. Esse controlo seria a única forma de os travar, uma vez que a NATO não pode atacar a Rússia sem desencadear uma guerra termonuclear.

Para além das fórmulas, é preciso dar garantias à Rússia, criar uma arquitectura de segurança global. Em suma, precisamos de uma ordem internacional garantida por regras, o que Biden e outros repetem como um mantra. A questão é que as regras não podem ser impostas por um único actor, porque isso só causa conflitos. Para que o contrário aconteça, elas devem ser acordadas na arena global.


 

Davide Malacaria, jornalista italiano e blogger, escreveu no católico “30giorni” e dirige o sítio Piccole Note de que é fundador. “Trabalhava numa revista, mas já não trabalho. Mas a vontade de olhar para os jornais continuou a ser a de captar lampejos de inteligência e de conforto sobre os assuntos do mundo e da Igreja. E de as comunicar aos outros. Daí a ideia deste pequeno sítio. Uma coisa pobre, sem pretensões, que espero que seja de alguma utilidade para aqueles que partilharem estas páginas comigo. Com o passar do tempo, Piccole note enriqueceu-se com colaborações queridas. Não como resultado de uma procura laboriosa, mas através de uma feliz acumulação espontânea. Uma riqueza para o sítio, mas muito mais para os nossos pobres corações.”

 

 

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