CARTA DE BRAGA – “protoculos e água mineral” por António Oliveira

Os primeiros dias deste mês de Maio foram marcados pela coroação de Carlos III de Inglaterra, mais da rainha consorte que dá pelo nome de Camila, insípida e pouco atractiva, uma condição que parece estar a tornar-se moda entre a realeza, apesar de algumas e raras excepções que me dispenso de nomear. Não tive tempo nem paciência para assistir às cerimónias que fizeram as delícias das tv’s e outras vias que forneciam imagens em directo ou diferidas, apesar dos constantes apelos para quebrar as nossas rotinas, por a anterior aposição coronal já ter mais de meio século, mas também por não ter oportunidade de ver, por não ter sido anunciada, a amostragem da Excalibur, que até lá devia ter estado, com o novo rei a arrancá-la do pedregulho. 

Mas passei uma vista de olhos por lugares de leitura que costumo frequentar e deparei-me com um artigo delicioso que tinha por título ‘Protoculo’. Estava assinado por uma jornalista de fala castelhana, a esclarecer etimologicamente a necessidade que sentia de lhe ser permitido trocar os ‘protocolos’ por tal etiqueta, por muito pessoal que fosse tal contingência. 

E explicava-a assim, mantendo os termos castelhanos do esclarecimento: ‘Etimologicamente, proto é o que vai à frente e culo o que vem atrás; quando crescer quero ser chefe de protoculos, para dizer se o rabo passa ou não passa; que alegria!

Tenho a sensação de que esta jornalista escreveu isto sentada na secretária do seu quarto, ou do escritório, por não ter discutido o escrito com os camaradas de redacção, como se fazia antigamente; e, seguindo agora um outro jornalista bem mais velho, recordando com nostalgia como se falava, se debatia e se discutia, um exercício indispensável para aprofundar a informação do que se pretendia dizer, e terminava afirmando, ‘A água mineral foi o princípio do fim do jornalismo, por o álcool ser um outro meio de comunicação pois, quando desapareceu, as redacções transformaram-se num campo-santo’.

Era normal então, que os jornalistas falassem com ou por títulos e, quem frequentou ou andou por esses meios, compreende perfeitamente os jantares ou as ceias depois do fecho dos jornais, já madrugada, e as saudades com que se passa à porta desses lugares-prolongamento das redacções, bem como das discussões e das amizades que ali se afirmavam, se mantinham e ainda se mantêm agora. 

Mas apetece perguntar, como o fez um dia Wittgenstein, ‘Para onde vai o presente, quando se converte em passado? Onde está o passado?’ e, pergunto eu, onde estão ou onde estarão se ainda houver tais redacções?

Convém não esquecer, como disse uma vez Baudrillard, ‘O trabalho, o lazer, a natureza, a cultura, outrora dispersos nas nossas cidades anárquicas e arcaicas, estão agora misturados, amassados, climatizados e homogeneizados naquele templo centro comercial, onde o miraculado do consumo serve todo um dispositivo de objectos simulacros, e de sinais característicos de felicidade, esperando que a felicidade venha ali poisar’.

O escritor francês Michel Houellebecq, também autor de um dos mais importantes discursos que alguém pronunciou em defesa dos livros, ‘Afastai-vos dos ecrãs, porque enquanto eles os devoram, a literatura alimenta-os. A literatura vai permitir que vocês descubram até que ponto sois únicos, e como não se parecem com ninguém mais. Assim se forma a humanidade!

E tenham cuidado com a água mineral, vocês os que ainda discutem sobre o que escrevem! 

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

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