Seleção e tradução de Francisco Tavares
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Ataque ucraniano a uma central nuclear é a última cartada para procurar uma escalada
Por Dante Barontini
Publicado por em 3 de Julho de 2023 (original aqui)
Há dias que se multiplicam os alarmes sobre um iminente “ataque russo à central nuclear de Zaporizhzhia”, a maior da Europa.
Desde o início da guerra, esta possibilidade tem sido aventada como possível ou iminente, mas nestas horas parece estar em ação um verdadeiro “plano de desinformação”, que conduzirá a um ataque real. Mas levado a cabo pelo exército ucraniano.
Navegar pelas notícias em tempo de guerra é cem vezes mais difícil do que em tempo de paz. Por isso, recorremos tanto à lógica (não à “conspiração”) como à informação e análise de outras fontes.
Sobretudo dos Estados Unidos. O que não tem nada de paradoxal, porque agora até muitos meios de comunicação “oficiais”, mesmo entre aqueles mais ridículos do nosso próprio país, começam a admitir que os Estados Unidos gostariam de pôr fim a este conflito até ao final do ano.
Problemas de custos, dificuldades de abastecimento do exército ucraniano (que “consome” ou “desvia” quantidades monstruosas de armamento e munições), cansaço dos aliados europeus que também estão a pagar um preço em termos de recessão económica. Mas, sobretudo, problemas de campanha para Biden, uma vez que haverá eleições presidenciais em Novembro de 2024 e esta guerra não é nada popular nos Estados Unidos.
Para fundamentar o que parece ser mais do que uma suspeita, publicámos ontem um relatório preocupado de James Rickards, advogado de negócios de profissão e que também teve relações com os serviços norte-americanos (não é propriamente um “companheiro de viagem” nem um “putinista”, em suma), que, utilizando os seus contactos na administração, chegou a esta conclusão:
Existe a possibilidade de uma Ucrânia cada vez mais desesperada tentar encenar um ataque de “falsa bandeira” à central nuclear de Zaporizhzhia (ZNPP), na região de Kherson, culpando a Rússia.
Tanto o presidente ucraniano Zelenskyy como o chefe dos serviços secretos ucranianos alertaram recentemente para um possível ataque russo à central.
Por outras palavras, poderiam preparar o terreno para um ataque de falsa bandeira.
“Estão a ver, nós avisámos que isto ia acontecer!”
Quem acompanha as notícias internacionais, ou mesmo que seja apenas o Contropiano, sabe que isso já aconteceu, pelo menos no caso do gasoduto North Stream e da barragem de Nova Kahovka, bem como em episódios menos relevantes.
No caso da central eléctrica, os “alarmes” parecem claramente ter sido fabricados de acordo com uma estratégia “comunicativa” grosseira, mas precisa, para serem impingidos aos media ocidentais nauseabundos. Os principais protagonistas desta trama são, naturalmente, o próprio Zelensky e o comandante-em-chefe das forças armadas ucranianas, Zaluzhny.
Mas outras “fontes” também entram em ação, a um ritmo constante, para “validar” a ideia de que o ataque russo está prestes a começar. Por exemplo, esta manhã, o “presidente da Câmara de Energodar Dmytro Orlov, a cidade onde se situa a central” disse ao mundo que “cerca de 100 empregados russos da central nuclear ucraniana em Zaporizhzhia abandonaram a central”. Este facto é confirmado pelo “receio dos 007 de Kiev de que o Kremlin possa lançar um ataque terrorista com consequências catastróficas”.
Repetimos que numa guerra tudo pode acontecer e “até o mais limpo tem a sarna”. Mas há que salientar algumas coisas: o referido “presidente da Câmara de Energodar” abandonou a cidade no início da guerra (há 16 meses…), quando o exército russo capturou a central. Em suma, não é uma “fonte imparcial”, mas seguramente não está presente no terreno (embora tenha certamente contacto com alguns dos seus antigos concidadãos).
A central, embora estando a funcionar a níveis mínimos (como testemunham os técnicos e até o chefe da Agência Internacional de Energia Atómica, Rafael Grossi), é mantida em eficiência pelo pessoal russo, pela boa razão de que fornece energia a praticamente todo o Donbass, que se tornou autónomo há nove anos e está agora anexado à Federação Russa.
Em suma, fazê-la explodir não seria útil para Moscovo – tal como o rebentamento do North Stream e da barragem de Nova Kakhovka foram certamente prejudiciais para os russos – também porque os ventos que transportariam então os resíduos nucleares não estão habituados a respeitar fronteiras, muito menos linhas da frente entre exércitos.
Mesmo os Estados Unidos não vêem provas de que exista “uma ameaça de destruição da central nuclear de Zaporozhye por parte das forças da Federação Russa, como Kiev afirma“. Isto foi anunciado pelo coordenador de comunicações estratégicas do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, num briefing na segunda-feira.
Em suma, mesmo em Washington dizem que do lado russo, pelo menos no que respeita à central, tudo está calmo. E então? Porque é que o governo de Kiev insiste em repetir esta história? O ataque de falsa bandeira parece ser uma boa explicação….
É claro que a objeção lógica oposta também se aplica: porque é que o exército ucraniano haveria de fazer explodir a central, se os riscos de precipitação nuclear também existiriam para eles?
Sobre isto, vários analistas americanos, para além do já mencionado Rickards, são muito precisos:
“Tendo em conta que já passaram quatro semanas, suponho que não resta muito tempo. O que quero dizer é que a NATO está completamente bloqueada.
Habituada à sua doutrina de “Batalha Aérea-Terrestre”, que privilegia o poder aéreo e os ataques à retaguarda em profundidade, não faz ideia de como combater este tipo de guerra. É por isso que é inevitável que a Ucrânia recue em breve e retome os aspectos mais políticos e psicológicos da guerra híbrida”.
Esta guerra “atolada”, com os russos entrincheirados e o exército ucraniano sem conseguir “romper”, depois de um mês de “contraofensiva”, tem de acabar de alguma forma. Nos próximos dias, a NATO vai reunir-se em Vilnius, na Lituânia. Irá certamente aprovar mais carregamentos de armas e vários apoios a Kiev.
Mas ou o exército ucraniano consegue resultados “visíveis” até ao verão (no Outono, o terreno torna-se uma armadilha para os veículos blindados…) ou teremos de começar a aceitar a ideia do “congelamento” da situação (cada um fica com o território que controla, como na Guerra da Coreia).
Este é o “plano B” dos EUA, da França e da Alemanha. Mas não corresponde à loucura fundamentalista de Kiev e dos países do antigo Pacto de Varsóvia (Polónia e Bálticos), que gostariam, pelo contrário, de um envolvimento direto da NATO. Mesmo à custa de um conflito nuclear.
O ataque de “falsa bandeira” à central de Zaporizhzhia seria, em suma, a oportunidade certa – segundo estes loucos – para ~sacudir uma situação de impasse e convencer os “aliados relutantes” a passar a última linha vermelha: a intervenção direta.
E quem sobreviver terá razão…
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O autor: Dante Barontini é editor do diário digital Contropiano.