A Guerra na Ucrânia… e a Europa — “Prigozhin e o declínio da Europa” por Alastair Crooke

Seleção e tradução de Francisco Tavares

7 min de leitura

Prigozhin e o declínio da Europa

 Por Alastair Crooke

Publicado por  em 3 de Julho de 2023 (original aqui)

 

                        Foto: domínio público

 

 

A tendência neoconservadora representa apenas uma faceta dos EUA que, no entanto, capturou e manteve o alto comando da formulação de políticas dos EUA durante décadas.

Por vezes, a política, tal como os seres humanos, tem um “destino” – de alguma forma gravado na sua natureza; frequentemente um destino imprevisível e diferente daquele que é desejado ou esperado.

Parece que Yevgeni Prigozhin era uma dessas figuras. É agora descrito como um “idiota útil” do Ocidente, mas por acaso não são “idiotas úteis” todos aqueles que concordam em desempenhar destinos particularmente incendiários – se não de algum poder estrangeiro – então do seu próprio destino?

Trilhar este caminho é altamente stressante, e não é raro que os “duplos” se tornem desonestos (e inesperadamente vingativos) se sentirem que foram abandonados no ponto crítico do seu caminho.

É evidente que há aspectos da história de Prigozhin que os actores principais não quererão revelar sob a luz dos holofotes públicos. Esses aspectos permanecerão ocultos, uma vez que a sua exposição afectará interesses e actores menos visíveis. Algumas facetas cruas da política serão protegidas.

A CNN citou fontes norte-americanas que informaram a plataforma de que as agências de informação do seu país tinham um conhecimento “extremamente detalhado” dos planos de Prigozhin, “incluindo onde e como Wagner planeava avançar”. Após o início da marcha, os EUA ordenaram aos seus aliados que “permanecessem em silêncio e não dessem a Putin qualquer abertura” para os culpar pela sua rebelião armada. As fontes também alegaram à CNN que “os ucranianos estavam a ser avisados pelos aliados para não provocarem a situação”, porque “não querem alimentar a narrativa de que isto foi uma iniciativa nossa”.

No entanto, é melhor não tomar qualquer declaração pelo seu valor facial, em assuntos tão complicados. No entanto, se os serviços secretos ocidentais estiveram mais profundamente envolvidos – algo que o chefe da Guarda Nacional Russa, general Viktor Zolotov, falando depois do Presidente Putin na sexta-feira, observou com “certeza” – nomeadamente que o motim de Prigozhin “foi inspirado pelos serviços especiais ocidentais – mas que depois foi sobreposto pelas ambições inflacionadas do próprio Prigozhin”.

Zolotov afirmou que, antes do início da rebelião, “o campo de Prigozhin” tinha estado a divulgar deliberadamente informações “específicas” sobre um possível motim que ocorreria entre quinta-feira e domingo passados.

A descrição de Zolotov levanta a questão de saber em que momento é que as “ambições inflacionadas” de Prigozhin se sobrepuseram e se confundiram com a “inspiração” ocidental. Terá sido no momento em que o Ministério da Defesa russo decidiu retirar-lhe o grupo Wagner? O governo exigia que todas as forças Wagner assinassem contratos com o Ministério da Defesa russo até 1 de Julho de 2023.

Por outras palavras, em vez de continuar a ser uma empresa militar privada dirigida por Prigozhin, a Wagner seria incorporada na verdadeira estrutura de comando militar russa. Foi também noticiado que o Ministério da Defesa russo tem estado a cancelar contratos com empresas de Prigozhin que têm estado a ajudar a fornecer as forças armadas russas – estes eram negócios lucrativos para ele.

É possível que Prigozhin não pudesse aceitar esta realidade e que tenha lançado o plano de insurreição num acesso de raiva. Não sabemos. Zolotov disse apenas que seria investigada a possibilidade de agentes ocidentais terem ou não estado diretamente envolvidos na condução da operação. Não há dúvida de que o “tio” Lukashenko vai arrancar a verdade a Prigozhin.

No entanto, quer se trate de inspiração ocidental ou de ambição inflacionada, o destino de Prigozhin estava lançado: imprevisível e certamente diferente do que ele próprio desejava ou esperava (como se encontra hoje, exilado na Bielorrússia).

Mas quem é o “idiota útil” – Prigozhin ou os serviços secretos ocidentais, que têm agora entre mãos um fiasco de primeira ordem (por muito que finjam o contrário)? Em primeiro lugar, a sua guerra financeira contra a Rússia falhou; a sua tentativa de isolamento diplomático não teve qualquer sucesso para além do apertado bloco ocidental; a “ofensiva” ucraniana não conseguiu quase nada; e agora a sua “excitação libidinal por uma guerra civil russa que iria certamente apresentar “russos… a matar russos” foi pelos ares em poucas horas.

A Rússia e Putin saem muito mais fortes. Putin elogiou a “contenção, coesão e patriotismo” que o povo russo demonstrou; a sua “solidariedade cívica e “elevada consolidação”; e a sua “linha firme … (ao) adotar uma posição explícita de apoio à ordem constitucional”.

Embora Putin tenha condenado veementemente os “conspiradores do motim” como pessoas cheias de malignidade e más intenções, não identificou estes conspiradores com “a maioria dos soldados e comandantes do Grupo Wagner” (que insistiu Putin), “são também patriotas russos, leais ao seu povo e ao seu Estado” – e a quem Putin expressou a sua “gratidão” e a quem absolveu de “traição”. (Em todo o caso, seria difícil classificar o Wagner PMC como um grupo mercenário à margem da lei. Foi fundado e comandado por antigos oficiais do GRU. Foi financiado pelo Estado e abastecido pelo Ministério da Defesa). Não é de surpreender que Putin tenha sido generoso para com os patriotas e os lendários vencedores da “batalha de Bakhmut”.

No entanto, Putin não foi tão generoso quando se referiu aos “inimigos da Rússia – os neonazis em Kiev, os seus patronos ocidentais e outros traidores nacionais” que teriam beneficiado se o golpe tivesse sido bem sucedido: “Eles calcularam mal” – (implicando que tinham “calculado” previamente).

O que é que resta agora ao Presidente Biden? Fazer mais do mesmo? Porque, tal como Prigozhin, Biden está a desempenhar o seu próprio destino incendiário – “inspirado” pelos seus conselheiros neoconservadores, e também influenciado pela ambição – para ser reconhecido como um “Presidente de Guerra” americano bem-sucedido. Prigozhin e Biden podem ter mais em comum do que se atrevem a imaginar.

E na confusão que se seguiu no último fim de semana nos EUA, Tucker Carlson atreveu-se a imaginar uma simples pergunta: “Porquê exatamente é que estamos em guerra com a Rússia?

É uma questão – cada vez mais, uma questão existencial – que deveria ser colocada também aos líderes da UE – os quais, a partir do golpe de Maidan, adoptaram políticas que vão contra os seus próprios interesses económicos e de segurança.

A partir da mudança de regime de Maidan, a UE evitou construir quaisquer relações substantivas com a Rússia. Em vez disso, optou por minar Minsk e por construir e equipar ativamente um grande exército ucraniano para reprimir a dissidência em relação à agenda dos “golpistas” de Maidan.

Em vez disso, desde o início do conflito“, escreve Thomas Fazi, “as nações europeias têm acatado inquestionavelmente a estratégia dos EUA, impondo pesadas sanções à Rússia; juntando-se à guerra por procuração dos EUA, fornecendo níveis cada vez maiores de ajuda militar à Ucrânia e apoiando a narrativa de um conflito que só pode ser resolvido com a vitória militar total da Ucrânia. Esta estratégia, contrária à dos outros grandes actores envolvidos, pôs em causa os interesses estratégicos da Europa, tanto do ponto de vista económico como do ponto de vista da segurança“.

Em termos económicos, a UE seguiu o exemplo dos EUA, sancionando a Rússia de uma forma que, dito de forma clara, hipoteca o futuro económico da Europa para os anos futuros.

A subserviência total a uma NATO-ização mais alargada trouxe também (na perspetiva dos EUA) a exigência de que a Europa apoie a política industrial estratégica dos EUA – e ajude a garantir o domínio tecnológico americano em relação à China. A UE só o pode fazer se concordar com a política industrial dos EUA e se circunscrever as suas relações económicas com a China de acordo com os conceitos americanos de tecnologias estratégicas. É isso que a Europa está a fazer.

Um relatório recente sobre o enfraquecimento da UE e a “Arte da Vassalização” (Conselho Europeu para as Relações Externas) avisa:

“Com base na medida mais grosseira do PIB, os EUA ultrapassaram dramaticamente a UE e o Reino Unido juntos nos últimos 15 anos… A economia americana é agora quase um terço maior. É mais de 50 por cento maior do que a UE sem o Reino Unido …

“O domínio tecnológico americano sobre a Europa também cresceu. Os europeus estão a tentar utilizar a política de concorrência para contrariar este domínio… Mas, ao contrário dos chineses, não conseguiram desenvolver alternativas locais – pelo que estes esforços parecem condenados ao fracasso… Desde 2008, os europeus também sofreram uma perda dramática de poder militar em comparação com os EUA.

“Conceptualmente, os aliados europeus têm um papel na luta geoeconómica com a China, mas não é, como durante a Guerra Fria, enriquecer e contribuir para a defesa militar da frente central. Pelo contrário, o seu papel fundamental – do ponto de vista dos Estados Unidos – é que a UE apoie a política industrial estratégica dos Estados Unidos e ajude a garantir o domínio tecnológico americano em relação à China… Podem fazê-lo aceitando a política industrial dos Estados Unidos e circunscrevendo as suas relações económicas com a China de acordo com os conceitos americanos de tecnologias estratégicas“.

Em suma, a Europa fez de si própria um vassalo – um vassalo voluntário e submisso. Quando a UE seguiu os EUA e adoptou sanções contra a Rússia, os líderes da UE previram o rápido colapso financeiro da Rússia. Estavam enganados. Quando a UE rejeitou desinteressadamente a compra de energia russa, calculou que a Rússia não conseguiria sobreviver economicamente – na ausência do mercado da UE – e que rapidamente capitularia. Estavam enganados. Quando a NATO liderou a guerra contra a Rússia (através da Ucrânia), a UE esperava uma rápida derrota das forças russas e do Donbas. Enganaram-se. Quando Prigozhin lançou a sua “insurreição”, os líderes da UE esperavam ansiosamente por uma guerra civil imediata. Voltaram a enganar-se.

Agora, a UE encontra-se presa a sanções eternas contra a Rússia (a que se seguirá a China); a um subsídio eterno a “Kiev”; a um ciclo eterno de militarismo da NATO; e a uma economia que resvala para a desindustrialização, para os elevados custos da energia e para o declínio relativo. A UE não alcançou o estatuto de “ator global” que há muito ambicionava. Em todos os aspectos, a Europa tem uma economia depauperada e uma influência que se reduziu em todo o mundo.

Quando é que os líderes da UE vão prestar contas das suas decisões erradas? Quando é que vão responder à pergunta de Carlson: Porque é que é exatamente do interesse europeu estar em guerra com a Rússia?

Por que razão foi do interesse europeu condicionar qualquer resolução do conflito com a Rússia à vitória total da Ucrânia? Será que esta decisão foi devidamente ponderada?

Durante os últimos trinta anos, os neo-conservadores dominaram a política externa dos EUA: O Guardian, por exemplo, observou que, como subsidiária da Axel Springer, que tem laços de longa data com a camarilha neoconservadora, espera-se que todos os empregados do Politico sejam “pró-EUA, pró-NATO, pró-Israel, pró-austeridade, pró-capital, anti-Rússia, anti-China”. Springer disse que não exigiria aos empregados do Politico que assinassem documentos de apoio a uma aliança transatlântica, embora esta política seja aplicada no jornal alemão Bild, outra subsidiária da Springer.

A Europa não é a “América”. A tendência neoconservadora representa apenas uma faceta dos EUA que, no entanto, capturou e ocupou os lugares de comando da política americana durante décadas. Falhou em tudo o que tentou e tem-se afastado cada vez mais (até) dos interesses mais básicos da maioria dos americanos. No entanto, a liderança da UE tornou a Europa subserviente a esta corrente específica – abraçando-a, e ao seu inerente autoritarismo, com gosto.

Terá este “destino” uniforme beneficiado os cidadãos da Europa? Não. Os seus resultados não se revelaram imprevisíveis e diferentes do que era inicialmente desejado ou esperado? Recorde-se: “O destino pode ser uma merda”!

 

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O autor: Alastair Crooke [1949-] Ex-diplomata britânico, fundador e diretor do Fórum de Conflitos, uma organização que advoga o compromisso entre o Islão político e o Ocidente. Anteriormente, era uma figura de destaque tanto na inteligência britânica (MI6) como na diplomacia da União Europeia. Era espião do Governo britânico, mas reformou-se pouco depois de se casar. Crooke foi conselheiro para o Médio Oriente de Javier Solana, Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia (PESC) de 1997 a 2003, facilitou uma série de desescaladas da violência e de retiradas militares nos Territórios Palestinianos com movimentos islamistas de 2000 a 2003 e esteve envolvido nos esforços diplomáticos no Cerco da Igreja da Natividade em Belém. Foi membro do Comité Mitchell para as causas da Segunda Intifada em 2000. Realizou reuniões clandestinas com a liderança do Hamas em Junho de 2002. É um defensor activo do envolvimento com o Hamas, ao qual se referiu como “Resistentes ou Combatentes da Resistência”. É autor do livro Resistance: The Essence of the Islamist Revolution. Tem um Master of Arts em Política e Economia pela Universidade de St. Andrews (Escócia).

 

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