Desceu graciosamente do magnífico Daimler, aceitando a porta aberta e a expectativa respeitosa do motorista fardado. Já na rua, encaminhou-se pela mão do pai para a escadaria imensa que dava acesso ao palácio. Jovem debutante sem qualquer experiência, musical ou outra, ali seria finalmente apresentada àquela sociedade da qual desejava ficar a fazer parte, uma parte importante, segundo todos esperavam, particularmente o seu pai.
Um grupo de jovens saxofones aproximou-se, com o intuito secreto de lhe serem apresentados e com a intenção mais secreta ainda, de dela se aperceberam melhor, de sentirem a sua feminilidade, o perfil suave das suas linhas melódicas, o charme que todos sabiam possuir. Sorriu delicadamente para todos, cumprimentou um velho fagote, amigo do tio que entretanto se aproximara e fazia as apresentações e sentiu-se mais à vontade, menos inibida, encetando até uma conversa amena com um trompete bem vestido, de uma elegância instrumental muito própria, que ia bem com os igualmente elegantes pistons que ostentava com naturalidade e sem qualquer pretensiosismo.
Cedo se daria conta, no entanto, da presença de um clarinete sóbrio, cavalheiro por natureza, com quem iria mais tarde fomentar e manter uma amizade sólida – um gentleman de ar grave e varonil, se assim se pode classificar a natureza deste importante protagonista e frequentador de todo aquele evento.
Já no final, todo o acontecimento musical ultrapassaria e em muito (dada a estética, a verve e a qualidade musicais inenarráveis) os aplausos marcantes, sólidos, merecidos. Da história da música, ela ficaria a fazer parte, uma parte importante do panorama musical dos nossos dias. O seu nome estaria para sempre ligado ao de seu pai, natural artífice deste début.
Não poderemos nunca, por nunca, esquecer (apesar da sua aparente sobriedade) a presença importante, não ostensiva mas sempre latente, daquele que viria a revelar-se o companheiro da sua vida, a relação eterna, a felicidade sem definição.
É que, tal como nos contos de fadas, viveram de facto felizes para sempre – a bela Rapsódia em Blue e o querido Swing – sob a égide, a bonomia e o sorriso rasgado do pai, George Gershwin, a quem dedico este despretensioso e desamplificado texto.