Espuma dos dias — “Era assim que era ser indiferente ao genocídio Nazi”,  por Finian Cunningham

 

Seleção e tradução de Francisco Tavares

5 min de leitura

Era assim que era ser indiferente ao genocídio Nazi

 Por Finian Cunningham

Publicado por em 26 de Outubro de 2023 (original aqui)

 

                     Foto: social media

 

A hipocrisia dos meios de comunicação ocidentais reflecte a agenda política sem escrúpulos dos seus governos.

 

Olhando para trás, para os horrores infligidos pela Alemanha Nazi, uma pergunta fascinante e perturbadora é: porquê e como tantas pessoas naquela época puderam ser indiferentes aos crimes? Após a derrota do regime Nazi-fascista, as pessoas lamentavam firmemente que “nunca mais” tal horror fosse permitido.

Parte do lamento deveu-se a um sentimento de culpa coletiva por não se ter feito mais na época para impedir os assassinatos sistemáticos em massa e a brutalidade.

Bem, até certo ponto, está a acontecer novamente em Gaza, onde 2,3 milhões foram submetidos a três semanas de bombardeamentos constantes e indiscriminados no meio de um bloqueio total de água, alimentos e outras necessidades humanas básicas.

E, vergonhosamente, incrivelmente, o mundo está a deixar que isso aconteça – de novo. Desta vez, não temos a desculpa atenuante da ignorância e da falta de informação de sistemas de comunicação antiquados. O assassinato em massa em Gaza está na televisão em horário nobre.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas está aparentemente num impasse para chegar a uma resolução que pede um cessar-fogo imediato e o envio urgente de camiões de ajuda para a faixa de Gaza. Três semanas de massacres de uma população civil presa numa zona costeira – descrita como o maior campo de concentração ao ar livre do mundo – foram permitidos enquanto o Conselho de Segurança da ONU discute resoluções diplomáticas.

Com o ritmo de mortes feitas pelas forças militares israelitas, o número de mortos em Gaza chegará em breve a 10.000, com múltiplos feridos. E este número diz respeito apenas às vítimas violentas. Sem água ou alimentos e hospitais fechando por falta de combustível, a mortalidade provavelmente será ainda maior. A maioria dos mortos e feridos são mulheres e crianças que nada têm a ver com os assassinatos praticados pelos militantes do Hamas de Gaza em 7 de outubro, quando 1.400 israelitas morreram.

O horror em Gaza é comparável à brutalidade Nazi infligida ao gueto de Varsóvia durante quatro semanas em Abril-Maio de 1943, quando mais de 10.000 civis judeus foram mortos em represália por uma insurreição armada por combatentes da resistência.

Muitas pessoas em todo o mundo estão justamente indignadas com o genocídio israelita contra os palestinianos em Gaza. Enormes protestos públicos em nações árabes, bem como na Europa e na América do Norte, condenando os crimes de guerra israelitas, são indicativos do desgosto coletivo pelo massacre diário e pela fome.

Parece haver agora um momento histórico decisivo no conflito de décadas israelo-palestiniano.

Durante demasiadas décadas, o regime israelita escapou impune de assassínios em massa e de ocupações criminosas contra os palestinianos. Parte dessa licença deveu-se à confusão na opinião mundial causada pela fusão distorcida sionista da história relativa ao Holocausto Nazi.

O que está a tornar-se cada vez mais claro para o mundo é que o regime israelita é uma farsa perversa do Genocídio judeu sob os Nazis. Desde a sua criação ilegal como Estado colonial em 1948, o regime sionista é comparativamente uma continuação dos crimes fascistas que foram cometidos pela Alemanha Nazi contra os judeus – a diferença é que as vítimas mais recentes são os palestinianos.

Parece incrível dizer isto: o regime de apartheid israelita está finalmente a perder a guerra de propaganda. Parece incrível dizê-lo, porque devemos perguntar-nos porque é que demorou tanto tempo até agora para que a terrível verdade fosse amplamente vista.

Deveria ser evidente que estão a ser perpetrados crimes enormes quando vemos crianças decapitadas por ataques aéreos quando os hospitais estão a ser explodidos, quando médicos e jornalistas estão a ser mortos, e quando os bebés estão a morrer devido ao encerramento de incubadoras por falta de electricidade. Parece quase bizarro dizer que os autores de tal barbárie estão finalmente a perder a guerra de propaganda. Como foi possível que se safassem até agora?

Então, por que não há uma condenação mundial desta barbárie? Há enormes protestos públicos e raiva em todo o mundo contra o genocídio israelita dos palestinianos, mas certamente deveria haver mais acção do que essa para levar esta obscenidade a um fim peremptório – agora.

É aqui que os líderes ocidentais, os governos e os meios de comunicação fazem parte do problema endémico.

O Presidente dos EUA, Joe Biden, tem o fanatismo doentio de dizer que os palestinos estão a mentir sobre as baixas em Gaza. Biden está a repetir as flagrantes mentiras do regime israelita de que as pessoas em Gaza estão a cortar o seu fornecimento de electricidade e a bombardear os seus próprios hospitais.

O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, tem a audácia nauseante de dizer que o povo de Gaza é “vítima do terrorismo do Hamas” e que ele deseja que Israel “vença”.

Macron, da França, Scholz, da Alemanha, Von Der Leyen, da UE, Trudeau, do Canadá, etc. Todos eles são apologistas vis e obscurantistas do genocídio.

Todos os líderes ocidentais professam cinicamente o seu apoio ao “direito de Israel a defender-se”, ao mesmo tempo que massacra centenas de civis inocentes todos os dias. Tal logro por parte dos governantes ocidentais – amplificado pelos servis media ocidentais – causou confusão, desinformação e desorientação entre o público. (Não só sobre a questão Israel-Palestina, mas também sobre inúmeros outros assuntos.)

Os Estados Unidos bloquearam pelo menos duas resoluções no Conselho de Segurança da ONU pedindo um cessar-fogo imediato porque a redação das propostas não continha “o direito de Israel a defender-se”.

Isto é brincar à política e proteger os crimes, enquanto milhares de pessoas inocentes são assassinadas sob uma chuva de bombas e morrem de fome sob os escombros.

É assim que o genocídio se parece e é assim que é como o mundo fica parado e assiste. Se você pensou que teria sido impossível acontecer, então pense novamente, abra seus olhos, é possível.

Os meios de comunicação ocidentais – os meios de comunicação europeus e dos Estados Unidos, como a BBC e a CNN, para citar apenas dois – ajudaram a minimizar a criminalidade do regime israelita e o papel nefasto dos cúmplices apoiantes estatais ocidentais. Sim, estes meios de comunicação mostraram imagens da terrível destruição em Gaza pelos israelitas, mas estes mesmos meios de comunicação raramente dizem aos telespectadores os nomes das vítimas nem quão devassa e perversa é a matança. Há um viés sistemático para diminuir a criminalidade da violência israelita apoiada pelos EUA e pela Europa contra uma população civil cativa.

Compare a cobertura desproporcionada e ininterrupta que os meios de comunicação ocidentais deram à guerra na Ucrânia nos últimos 19 meses. De acordo com os números da ONU, houve 10.000 mortes de civis no conflito na Ucrânia, em comparação com as mortes em Gaza ao longo de três semanas. A Rússia tem sido acusada, difamada e condenada a cada passo pela violência na Ucrânia – embora a causa raiz desse conflito possa ser atribuída à NATO liderada pelos EUA e ao regime nazi armado em Kiev desde um golpe orquestrado pela CIA em 2014.

A hipocrisia dos meios de comunicação ocidentais reflecte a agenda política sem escrúpulos dos seus governos. A Rússia é considerada um inimigo oficial, pelo que a cobertura mediática é desproporcionada e pejorativa, aliás propagandística. Enquanto o regime de Telavive, cujos crimes são colossais e gritantes, é relativamente protegido pelos meios de comunicação ocidentais, de acordo com os preconceitos dos seus governos.

No entanto – e isto é historicamente significativo – há uma falha abrupta e crescente na matriz de controlo do pensamento. A criminalidade pura e grotesca do regime israelita e a cumplicidade institucional do Ocidente já não são ocultáveis, apesar das mentiras e distorções maciças. As pessoas nos países ocidentais e em todo o mundo estão cada vez mais conscientes do genocídio que alegadas potências democráticas estão a cometer. Não apenas conscientes, mas detestando e furiosas com o que está a acontecer.

O regime de apartheid israelita acabou. E também o estão os regimes ocidentais corruptos que se disfarçaram durante tanto tempo como “democracias”.

 

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O autor: Finian Cunningham Antigo editor e escritor para as principais organizações noticiosas. Tem escrito extensivamente sobre assuntos internacionais, com artigos publicados em várias línguas. É licenciado em Química Agrícola e trabalhou como editor científico para a Royal Society of Chemistry, Cambridge, Inglaterra, antes de seguir uma carreira no jornalismo. É também músico e compositor. Durante quase 20 anos, trabalhou como editor e escritor nas principais organizações de comunicação social, incluindo The Mirror, Irish Times e Independent. Vencedor do Prémio Serena Shim para a Integridade Incomprometida no Jornalismo (2019).

 

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