Teoria e Política Económica: os grandes confrontos de ontem, hoje e amanhã, também – uma homenagem ao Joaquim Feio — Capítulo 1 — Parte A: Texto 16 – “O principal problema em economia política” (1/2),  por Mathieu-Joffre Lainé

Reflexos de uma trajetória intelectual conjunta ao longo de décadas – uma homenagem ao Joaquim Feio

 

Capítulo 1 – Dos Clássicos a Sraffa, de Sraffa aos neo-ricardianos

Nota de editor:

Devido à extensão do presente texto, o mesmo será publicado em duas partes, hoje a primeira.

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

22 min de leitura

Parte A: Texto 16 – O principal problema em economia política (1/2) [1]

 Por Mathieu-Joffre Lainé

Extrato da tese de Doutoramento em filosofia “David Ricardo, Karl Marx e o antagonismo necessário dos interesses de classe” (Introdução, ponto 1.)

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Karl Marx (1818-1883) considera, com razão, David Ricardo (1772-1823) como o primeiro economista a fazer do “antagonismo dos interesses de classe, da oposição entre salário e lucro, lucro e renda, o ponto de partida da sua investigação” [2]. Como explica Ricardo no prefácio dos seus Princípios de Economia Política e de Tributação (1817), o “produto da terra, isto é, tudo o que é extraído da sua superfície pelo uso conjunto do trabalho, das máquinas e do capital, é distribuído entre as três classes da comunidade: os proprietários da terra, os detentores do fundo ou do capital necessário à sua exploração e os trabalhadores que a cultivam” [3]. Cada uma dessas três classes — continua Ricardo – obterá uma parcela diferente da produção nacional sob a forma de renda, lucro e salário: “determinar as leis que regem essa distribuição constitui o principal problema da economia política” [4]. São precisamente estas leis que interessam a Marx [5]. O Capital é a resposta que deu ao principal problema da economia política:

Marx coloca-se no quadro da coletividade nacional; liga-se a todos os processos sociais e não apenas às ações de mercado; tem em conta a evolução das instituições. Os indivíduos são considerados, não como simples detentores de fatores num regime sem vida, mas sim como membros de grupos sociais que Marx se esforça por captar em todos os seus personagens e todas as suas relações. Nesta base, é construída uma construção verdadeiramente grandiosa, que visa não só dar conta da distribuição do produto entre trabalhadores e não trabalhadores, assalariados e beneficiários de mais-valia, mas também da evolução dessa distribuição no passado, presente e futuro. A teoria da distribuição está integrada numa dinâmica de sistemas da qual constitui a peça principal [6].

Por outras palavras, Marx procura explicar os mecanismos de distribuição entre as classes sociais do valor produzido pelo trabalho das operárias e dos operáriosdepois entre as frações das classes e, finalmente, entre os indivíduos [7]. Tal como Ricardo, Marx “colocou a teoria da distribuição no centro da sua investigação e tentou, analisando a luta de classes, identificar os fundamentos da ciência económica” [8].

Segundo Marx, Adam Smith (1723-1790) foi incapaz de resolver o principal problema da economia política, uma vez que decompôs o valor em renda, lucro e salário, que então erroneamente representava para si mesmo como elementos independentes, constitutivos do valor (=fórmula trinitária) [9]. Pior ainda, o erro de Smith, que conduz logicamente à harmonia dos interesses de classe, tornou-se posteriormente a pedra angular de toda a economia política, inglesa, francesa ou alemã [10]. Smith está nisso mesmo na origem do que Marx chamou de economia política vulgar, isto é, economia não científica. O próprio Ricardo é “contra a constituição do valor que se encontra em Smith como a soma de partes que ele próprio determina” – especifica Marx — “mas não determina de forma consequente. Caso contrário, ele [Ricardo] não poderia discutir com Smith para decidir se o lucro, os salários do trabalho e o aluguer (renda) entram no preço, ou, como ele diz, apenas o lucro e os salários do trabalho, isto é, apenas estes entram de forma constitutiva” [11]. Para dizer a verdade, Ricardo não “considera, em lado nenhum, a mais-valia à parte e separada das suas formas particulares” [12]. É claro que essa noção — a mais-valia em si mesma – está sempre presente nos seus escritos e sempre aparece em segundo plano, mas Ricardo nunca a teorizou formalmente [13]. Apesar dos erros que por vezes cometeu — conclui finalmente Marx —, Ricardo conseguiu, no entanto, compreender que a renda, o lucro e os salários não são virtualidades cuja adição, agregação ou combinação determinariam arbitrariamente a magnitude do valor que poderia ser distribuído entre as classes, mas que, pelo contrário, é uma “mesma magnitude de valor, uma dada quantidade de valor que se transforma em renda, lucro e salário” [14].

É assim que Ricardo estabeleceu racionalmente no seu Ensaio sobre a influência dos baixos preços do trigo nos lucros do capital (1815) que os interesses dos proprietários de terras eram “constantemente opostos aos de todas as outras classes da sociedade” [15]. Foi também assim que estabeleceu nos Princípios de Economia Política e de Tributação, a sua obra principal, que os lucros são sempre necessariamente reduzidos ou elevados em função do aumento ou diminuição dos salários [16]. No entanto, isso era atingir o “limite que a ciência burguesa não ultrapassaria” [17]. Marx, por outro lado, atravessou esse limite. Marx dirá então em voz alta em O Capital o que o próprio Ricardo hesitou em dizer: “a acumulação de riqueza num polo da sociedade aparece como uma acumulação correspondente de pobreza, sofrimento, ignorância, estupefação, degradação moral e escravidão no polo oposto, do lado da classe que produz o capital” [18].

Como recorda Karl Kautsky (1854-1938), que não só foi secretário pessoal de Friedrich Engels (1820-1895) durante muitos anos, mas também participou pessoalmente na publicação do Livro IV de O Capital, a teoria económica ricardiana foi inicialmente “utilizada pelos socialistas, por um lado, para demonstrar a iniquidade da condição do trabalho assalariado e, por outro, para fornecer uma base para um sistema socialista de produção e troca. Marx desenvolveu-a como uma explicação de todo o processo de produção capitalista” [19]. Para Ricardo, a teoria do valor-trabalho era uma teoria aproximativa, que lhe permitia tirar conclusões científicas e políticas sobre a distribuição do rendimento entre proprietários, capitalistas e trabalhadores – Marx, por seu lado, iria mostrar em O Capital que a teoria do valor-trabalho era uma teoria rigorosamente exata [20] .

Desta forma, Marx estabeleceu definitivamente a mais-valia como distinta das suas formas particulares, algo que Ricardo não tinha conseguido fazer corretamente, e determinou as leis que historicamente regulam a distribuição da mais-valia entre as classes sociais [21]. Completados ou não por Marx, ou em parte por ele, os quatro livros de O Capital estão assim impregnados de “pessimismo ricardiano sobre os antagonismos entre as classes implícito nas teorias da distribuição elaboradas nos Princípios (o que uma classe recebe a mais, tira à outra)” [22].

Ao contrário dos seus contemporâneos, economistas ou filósofos, David Ricardo e Karl Marx não se interessaram pelo princípio das nacionalidades (“Nationalitätenprinzip”), nem pelo espírito das nações (“Volksgeist”), nem pela providência engenhosa que supostamente velava pelo destino dessas nações (“Prästabilierte Harmonie”) e ao seu enriquecimento. A sua conceção especificamente manchesteriana do predomínio da economia sobre o Estado levou-os, pelo contrário, a centrarem-se nas classes sociais e na necessária oposição dos seus interesses, oposição essa que o erro de Smith permitia negar ou fazer esquecer. A teoria do valor-trabalho desempenha assim “o mesmo papel analítico em Marx e em Ricardo” [23]. Ricardo construiu a sua economia política com base numa sociedade estratificada, e a sua principal preocupação foi explicar as tendências fundamentais de três categorias de rendimento, correspondentes a três categorias de fatores de produção, sendo cada uma delas o atributo de uma classe social [24].

Depois, Marx reformulou esta teoria de forma brilhante. Começou o seu “estudo com uma teoria do valor. Esta fornecerá a chave da distribuição e, consequentemente, da evolução das relações sociais” [25]. A teoria económica ricardiana não só permitiu a Marx explicar o funcionamento das sociedades, como também lhe permitiu explicar as suas trajetórias históricas [26]. Além disso, ela é a única teoria económica que o poderia ter levado a considerar a história como a história da luta de classes, uma vez que as teorias económicas concorrentes, baseadas na utilidade ou na escassez, por exemplo, conduzem a conclusões históricas completamente diferentes [27].

Foi durante uma visita a Inglaterra que Engels se apercebeu pela primeira vez de que era em Manchester que “a indústria do Império Britânico tem o seu ponto de partida e o seu centro; a Bolsa de Manchester é o barómetro de todas as flutuações do comércio industrial, e as técnicas modernas de fabrico atingiram a sua perfeição em Manchester” [28]. Nessa altura, Manchester era, de facto, o símbolo da própria Revolução Industrial, fornecendo a toda a Inglaterra, se não mesmo a toda a Europa, uma imagem do seu futuro [29]. Mas a história não era pensada da mesma forma em Inglaterra, França e Alemanha [30]. Como Antonio Gramsci (1891-1937) intui, Marx, que viveu toda a sua vida em Inglaterra, ou quase, começou por pensar a história em termos ricardianos (= económicos) e não em termos hegelianos (= filosóficos) [31].

Sejamos então claros: seja qual for a sua relação com G.W.F. Hegel (1770-1831), de quem ele reteve sem dúvida certas ideias ou intuições, uma certa postura intelectual ou uma certa conceção da ciência e da sua sistematicidade, Marx é antes de mais um economista ou socialista ricardiano [32].

O que é que isto significa? É claro que Marx não aceitou sem reservas tudo o que Ricardo disse. Em contrapartida, concorda com ele no problema fundamental da economia política e partilha a sua conceção particular do mundo económico: “uma sociedade de classes, com a propriedade privada dos meios de produção” [33]. Tal como Ricardo, também ele aderiu à teoria do valor-trabalho, uma teoria sulfurosa que foi rejeitada por quase todos os economistas liberais e conservadores do século XIX. Como nos recorda Joseph Schumpeter (1883-1950), “os ricardianos sempre foram uma minoria, mesmo em Inglaterra, e é simplesmente a forte personalidade de Ricardo que, com o benefício da retrospetiva, cria a impressão de que a sua doutrina – a sua cunhagem smithiana – dominou o pensamento da época” [34]. De facto, Marx foi o único economista de renome a defender a teoria económica ricardiana depois de 1830 [35]. Dito isto, ele próprio era muito crítico em relação a Ricardo, e muitas vezes exigente e picuinhas nas suas críticas [36]. No entanto, a sua obra está “intimamente dependente da ciência ricardiana” [37]. Para compreender O Capital, temos de aceitar primeiro que Marx pertence à tradição ricardiana, como explica Schumpeter:

As teses de Ricardo serviram de ponto de partida para a argumentação de Marx, mas também, o que é muito mais significativo, na medida em que Ricardo lhe ensinou a arte de construir uma teoria. Marx utilizou constantemente os instrumentos de Ricardo e abordou todos os problemas do ponto de vista das dificuldades que encontrou no decurso do seu estudo aprofundado da obra de Ricardo e das novas investigações que esta obra lhe sugeriu. O próprio Marx aceitou em grande parte este facto, embora, naturalmente, não tivesse admitido que a sua atitude em relação a Ricardo fosse tipicamente a de um aluno […] é, aliás, talvez compreensível que tanto os marxistas como os antimarxistas tenham sido relutantes em admitir este facto óbvio [38].

Quer concordemos ou não totalmente com o juízo de Schumpeter – nós concordamos – ou quer concordemos com ele apenas em parte, concordaremos sem dúvida que Ricardo e Marx defendem ambos que o valor real (ou absoluto) de uma mercadoria, na hipótese de concorrência perfeita e de equilíbrio perfeito, é proporcional à quantidade de trabalho incorporada nessa mercadoria, desde que esse trabalho tenha sido efetuado de acordo com as normas existentes de eficácia produtiva. Provavelmente também concordaríamos que ambos medem esta quantidade em tempo de trabalho e que aplicam o mesmo método para reduzir as diferentes qualidades de trabalho a um único tipo homogéneo de trabalho. Existem, evidentemente, diferenças importantes nas estratégias retóricas e argumentativas utilizadas por Ricardo e Marx, respetivamente, mas não há praticamente nenhuma diferença na teoria que defendem [39]. Não só Ricardo e Marx abordaram os mesmos temas – mercadoria, valor, população, sobrepopulação, maquinismo, etc. – como utilizaram sempre as mesmas estratégias retóricas e argumentativas.  Utilizaram também o mesmo método dedutivo e a mesma teoria. Os escritos económicos de Marx “diferem apenas por serem menos polidos, mais prolixos e mais ‘filosóficos’ no sentido mais desfavorável do termo” [40].

Marx utilizou diferentes estilos nos seus escritos, incluindo o estilo ornamentado do idealismo alemão. Também utiliza diferentes estratégias retóricas. Tal como Engels, utiliza sistematicamente uma estratégia “polémico-partidária” [41] violenta e recorre frequentemente a formas extremas de invetivas nos seus escritos (publicados ou não).

Marx utilizava frequentemente uma linguagem suja, grosseira e vulgar. Comportava-se como um canalha. Insultava constantemente os seus rivais intelectuais e políticos, insultando-os e ridicularizando-os, além de lhes mover processos de intenção. De facto, consagrou obras inteiras a denigrir os seus rivais (reais ou imaginários) e a desacreditá-los – O Manifesto Filosófico da Escola do Direito Histórico (1842), Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1844), A Sagrada Família (1845), A Ideologia Alemã (1846), A Miséria da Filosofia (1847), Os Grandes Homens do Exílio (1852), etc. Escreveu também numerosos artigos e panfletos utilizando esta violenta retórica partidária, para não falar do volumoso e mordaz Herr Vogt (1860). Marx era implacável e impiedoso. Enfurecia-se contra os seus rivais e não se detinha perante nada para os silenciar, intimidar ou atordoar. O seu pastiche de Hegel em O Capital não é, aliás, mais do que uma crítica a um rival político comprometido com o kantianismo, Friedrich-Albert Lange (1828-1875).

Iconoclasta, contraditor e beligerante, o autor de O Capital tinha também uma elevada opinião sobre si próprio, e gostava por vezes de se comparar a Hegel, ou de ser elogiosamente comparado com Hegel. Dito isto, não escondeu os seus pontos de vista – dedicou milhares de páginas à obra de Ricardo, além de a defender publicamente nos seus livros. Se a atitude inconsistente de Marx em relação a Hegel parece hoje contraditória ou incoerente, se não mesmo desesperadamente confusa, a sua atitude em relação a Ricardo não coloca dificuldades particulares. Em todo o caso, as suas críticas a Ricardo (fundadas ou infundadas) permitem-nos compreender melhor a sua ideia do modo de produção capitalista e, a fortiori, a sua ideia das classes sociais [42].

Historicamente, em 1844, Marx (re)descobre a teoria económica ricardiana, que ninguém tinha defendido desde 1830, à exceção de alguns teóricos socialistas. Adota-a imediatamente, quase sem modificações, apesar de as suas “notas vibrarem com a indignação que secretamente sentia perante o implacável rigor das fórmulas ricardianas” [43]. Como Marx reconhece com relutância nos seus manuscritos de Paris, Ricardo “deixa a economia falar a sua própria linguagem. Se esta não for moral, Ricardo não pode fazer nada a respeito” [44]. Foi nestes famosos manuscritos que Marx começou por defender Ricardo contra os seus detratores e compreendeu gradualmente que o que parecia ser cinismo da sua parte era, de facto, um rigoroso reconhecimento científico da realidade do modo de produção capitalista, que outros autores se esforçavam por ocultar [45]. Envolvido numa sucessão interminável de debates intelectuais e políticos, opõe a teoria económica ricardiana aos revolucionários alemães das fileiras hegelianas, ou seja, aos seus antigos companheiros de viagem, aos seus inúmeros rivais no seio do movimento socialista e, finalmente, aos diferentes membros da Historische Schule der Nationalökonomie (Escola Histórica da Economia Política Alemã) [46].

O Capital não tem a marca de Hegel, mas sim a marca histórica, científica, linguística e, naturalmente, filosófica da formação universitária que Marx recebeu na Alemanha entre 1835 e 1841. Enganados pela distância cultural que nos separa deste período e da ideia de trabalho científico que prevalecia na época, alguns observadores afirmam que Marx não contribui “com nada de substancial para a teoria ricardiana do valor, para além de uma duvidosa orquestração filosófica” [47]. Esta posição é precipitada e desajeitada. Mas não está totalmente errada. Apesar da discussão em torno do seu génio no século XX, Marx nem sempre teve a originalidade teórica ou metodológica que lhe foi atribuída em retrospetiva, e O Capital não é uma obra esotérica que só pode ser compreendida por um punhado de comentadores autorizados que supostamente conseguiram apropriar-se da filosofia hegeliana. Como escreveu calmamente Émile Bréhier (1876-1952) na sua monumental Histoire de la philosophie, Marx foi um pensador “mais vigoroso do que original” [48]. No entanto, conseguiu eliminar o obstáculo com que Ricardo e os primeiros socialistas ricardianos se tinham deparado, nomeadamente a impossibilidade de estabelecer rigorosamente o acordo na partilha entre o capital e o trabalho e a determinação do valor pelo trabalho. Por conseguinte, O Capital representa o apogeu do socialismo ricardiano, como foi tardiamente reconhecido por Engels.

Na medida em que o socialismo moderno, qualquer que seja a tendência a que pertença, procede da economia política burguesa, está ligado quase exclusivamente à teoria do valor de Ricardo. As duas proposições que Ricardo, em 1817, apresenta no início dos seus Princípios: 1º que o valor de cada mercadoria é única e exclusivamente determinado pela quantidade de trabalho necessária à sua produção, e 2º que o produto da totalidade do trabalho social é repartido entre as três classes de proprietários (renda), capitalistas (lucro) e trabalhadores (salário), estas duas proposições tinham já, em 1821, dado origem a conclusões socialistas em Inglaterra. Tinham sido deduzidas com tal profundidade e clareza que esta literatura, hoje quase desaparecida, e que Marx tinha em grande parte descoberto, não pôde ser ultrapassada até à publicação de O Capital [49] .

Esclareçamos desde já, antes de prosseguirmos, que são os indivíduos que têm interesses e não as próprias classes sociais enquanto tais. Como Marx sabia muito bem, um conceito coletivo (“Kollektivbegriff”) não possui nenhuma intencionalidade, vontade ou consciência e não age na história em vez dos indivíduos. De facto, Marx censurou expressamente os filósofos do seu tempo por terem afirmado a “preexistência da classe” [50] em relação aos indivíduos que a compõem. Segundo ele, os “indivíduos isolados formam uma classe apenas na medida em que devem liderar a luta comum contra outra classe”[51].

Além disso, quando ele próprio concebe os interesses dos capitalistas como contraditórios com os do proletariado, quer dizer com isto que os capitalistas e o proletariado constituem dois grupos, cada um dos quais é composto por indivíduos com o mesmo interesse, o que é contraditório (ou irreconciliável) com o interesse comum dos membros do outro grupo: “toda a filosofia política do século XVIII, toda a economia do final do século XVIII e do início do século XIX, de que Marx se alimentou, girava em torno dos paradoxos da ação coletiva” [52]. Este último também sabia que os membros da burguesia juntos formam um círculo formidável — ideia que  lhe vem de Adam Smith [53]. A história de qualquer sociedade é, portanto, para Marx, a história da luta de classes. Mas esta história não se desenrola sem se ter em conta o que os indivíduos racionalmente fazem. Acontece por causa do que fazem e das consequências (esperadas ou não) do que fazem. No entanto, como todos nós, Marx luta para combinar liberdade e determinação [54]. Assim, por vezes, procurou reunir simultaneamente dois modelos de pensamento: “o da ciência moderna, que pretende derivar leis gerais e fenómenos observados, e o da política moderna, que pressupõe que os próprios homens façam a sua história. Esta tensão entre os dois modelos atravessa toda a obra de Marx e constituirá um problema constante” [55]. Dito isto, ele rejeita formalmente qualquer personificação da história [56]. Pelo contrário, segundo ele, é necessário pôr fim aos sujeitos metafísicos e rejeitar “qualquer conceção de ‘pessoa-sociedade’, isto é, qualquer conceção que dê às entidades sociais uma vontade, sentimentos, objetivos próprios” [57].

Em todo o caso, Marx descreve corretamente o Capital como o “míssil mais formidável que já foi lançado à cabeça dos burgueses (incluindo os latifundiários)” [58]. Ele não encontrou a carga explosiva desse míssil na filosofia de Hegel, que, segundo ele, teve um sucesso passageiro na Alemanha porque “parecia glorificar as coisas existentes” [59]. Não, Marx encontrou esta carga explosiva na teoria económica ricardiana [60].

Na época da publicação de O Capital (1867), Marx, exilado na Inglaterra desde há vinte anos, costumava passar no continente como “continuador perigoso daqueles socialistas ricardianos que, teoricamente atribuindo valor ao trabalho, reclamam para os trabalhadores a totalidade da produção nacional” [61]. Vindo das fileiras da escola historiográfica Rankeana [n.t. de Leopold von Ranke], Wilhelm Roscher (1817-1894), o autoproclamado fundador da escola histórica da economia política alemã, indignou-se por vê-lo dogmaticamente erigir a teoria económica ricardiana como um sistema [62].

Em resposta, Marx acusava Roscher, a quem apelidou causticamente de Tucídides, de ser um pequeno pateta pretensioso a soldo da burguesia alemã, e o historicismo alemão (“Historizismus”) representava para ele o cume da economia vulgar [63]. (Hegel e Marx não pertencem à tradição historicista. Pelo contrário, os historicistas alemães condenaram alternadamente o seu teoricismo e o seu racionalismo, como condenaram o de Ricardo) [64].

Uma obra nunca se apresenta como uma novidade absoluta que surge num ” deserto de informação; por todo um jogo de anúncios, sinais — manifestos ou latentes -, referências implícitas, características já familiares, o seu público está predisposto a um certo modo de receção. Evoca coisas já lidas, coloca o leitor nesta ou naquela disposição emocional e, desde o seu início, cria uma certa expectativa da continuação, do meio e do fim da narrativa” [65]. Pateta ou não, pretensioso ou não, Wilhelm Roscher sabia assim muito bem que Marx esperava demonstrar o necessário antagonismo dos interesses de classe no Capital, uma vez que retoma quase literalmente “a análise económica de Ricardo, muito debatida 50 anos antes” [66]. Os seus contemporâneos também sabiam disso. Tradutor de Heine e Schopenhauer, o famoso Germanista Jean Bourdeau (1848-1928) ficou assim alarmado ao encontrar no Capital a “teoria de Ricardo transformada numa máquina de guerra” [67]. A obra, cuja tradução francesa, dirigida pessoalmente por Marx, apareceu em sucessivas entregas de agosto de 1872 a maio de 1875, apavorou também o economista Émile Louis Victor de Laveleye (1822-1892). Naquela época, Laveleye “leu Karl Marx com atenção, melhor do que ninguém nas universidades francófonas” [68]. E quando lemos Marx -lamenta-se ele -, “sentimo-nos presos nas engrenagens da sua lógica de aço, estamos como que nas garras de um pesadelo, porque tendo admitidas as premissas não sabemos escapar às consequências” [69]. Assim que aceitamos a teoria ricardina-marxiana do valor-trabalho, “estamos perdidos” [70] . Mas enquanto Laveleye acusa teatralmente Marx de levar a sociedade à sua ruína, o economista ricardiano Karl Rodbertus-Jagetzow (1805-1875) acusa-o de plagiato [71]. Considerado hoje como o fundador do socialismo de Estado (“Staatssozialismus”), Rodbertus-Jagetzow afirma, de facto, que Marx decalcou resposta que [Jagetzow] tinha dado inicialmente ao principal problema da economia política. A acusação é infundada, mas é facilmente compreensível — Marx e Rodbertus-Jagetzow são ambos ricardianos. Esta querela conduzirá, no final do século XIX, à espinhosa questão da transformação dos valores em preços de produção [72]. O economista Ricardiano Wilhelm Lexis (1837-1914) dará então uma primeira resposta a esta pergunta, uma resposta que será publicamente saudada por Engels [73]. Esta primeira resposta seria completada alguns anos depois por outro brilhante economista ricardiano, Ladislaus von Bortkiewicz (1868-1931).

Como escreve Lexis, Marx propõe em O Capital um “desenvolvimento, num sentido estritamente lógico, das ideias de David Ricardo” [74]. O Capital, salvo o facto de conferir um papel acrescido à questão da composição do capital, ao fenómeno da sua acumulação progressiva e ao consequente aumento da produtividade do trabalho, enquadra-se efetivamente no mesmo método e leva exatamente às mesmas conclusões que os Princípios de Economia Política e de Tributação, ou seja, ao necessário antagonismo dos interesses de classe [75]. Historicamente, Ricardo e Marx também foram atingidos por um anátema pelas mesmas razões [76]. A ortodoxia ricardiana de Marx foi alternativamente condenada e elogiada por sua vez no século XIX e durante as primeiras décadas do século XX [77].

No entanto, como todos sabem, Marx tinha, segundo a sua própria fórmula, a “coqueteria de assumir aqui e ali” [78] (“kokettierte hier und da”) no primeiro livro do Capital a maneira particular que Hegel tinha de se expressar, e esta “coqueteria” fascinou o comentário durante décadas — enfeitiçou-o. No entanto, deixou os capitalistas e latifundiários alemães completamente indiferentes, assim como a sentença de morte quanto ao futuro do capitalismo que Marx havia pronunciado nos seus escritos anteriores. Tal como os seus homólogos ingleses, os capitalistas e latifundiários alemães estavam mais preocupados com a teoria económica ricardiana, e os seus representantes dirigiram quase todas as suas críticas e ataques contra a mesma [79]. A teoria económica ricardiana, recordemos, ajudou primeiro a burguesia industrial a retirar a velha aristocracia fundiária do poder em Inglaterra, mas esta teoria tornou-se imediatamente incómoda logo que a própria burguesia industrial tomou o poder político por volta de 1830 [80] .  E enquanto o centro de gravidade dos conflitos sociais se deslocou durante o século XIX do antagonismo entre industriais e latifundiários para o antagonismo entre industriais e trabalhadores, as teorias económicas que sugeriam a necessária existência de conflitos entre classes sociais foram postas de lado uma após a outra, a começar pela teoria económica ricardiana [81].

Do ponto de vista histórico, Marx aparece como o “último e, sem dúvida, o maior dos socialistas ricardianos” [82]. Em 1867, ele enfrentou assim um público intelectual e politicamente hostil às suas ideias, e em breve fá-lo-ão lamentar-se da sua decisão de imitar a forma de se expressar de Hegel. De facto, esta decisão saiu-lhe pela culatra rapidamente. Hegeliano ou não, Marx expôs-se às provocações dos seus numerosos opositores políticos e intelectuais de língua alemã, que gritavam um após o outro contra o “sofisma hegeliano” [83] nos seus relatos críticos da primeira edição do Capital. Motivada, como já dissemos, pelo desprezo de Marx por Friedrich-Albert Lange, que então difundia muito vigorosamente na Alemanha as teorias socioeconómicas conservadoras de Thomas Malthus (1766-1834), a decisão de Marx de “retomar aqui e ali” o vocabulário de Hegel em O Capital prejudicou a sua credibilidade no século XIX e provavelmente contribuiu para a impopularidade da obra, que levará muito tempo a encontrar o seu público.

Marx é hoje um autor canonizado e ocupa um lugar importante na conceção não histórica que muitas vezes mantemos da história das ideias. Mas ele foi “salvo do esquecimento” [84] graças ao trabalho zeloso do seu amigo e colaborador Friedrich Engels [85], editor e executor de seu legado intelectual. Por outras palavras, “o marxismo não veio ao mundo como produto autêntico do modo de pensar de Karl Marx, mas como fruto legítimo do espírito de Engels”. Trata-se de um ponto crucial, que permite explicar em parte o pré-entendimento que habitualmente temos do Capital e o papel que Hegel supostamente desempenhou na trajetória intelectual de Marx [86].

Engels não foi apenas o primeiro a comparar Marx com Hegel em elogios para fins retóricos e partidários, mas também foi ele quem sugeriu a Marx a maioria das fórmulas hegelianas encontradas no Capital, incluindo as fórmulas que são invariavelmente citadas para fazer de Marx um hegeliano [87]. Basta ler os textos de Engels para nos convencermos disso. Brilhante ou medíocre, Engels manteve-se sempre profundamente ligado a Hegel e à sua filosofia, de que fala constantemente nas suas obras. Fascinado pelas ciências naturais do seu tempo, pela física e pela química, em particular, mas também pela dialética hegeliana da natureza e as suas leis, ele sistematicamente “atenuou a ênfase de Marx na economia” [88]. Engels interessou-se brevemente pela economia política, mas nunca partilhou do interesse de Marx por esta ciência. No dia seguinte à sua morte, Marx foi assim arrastado para a “mudança para Hegel que encontramos constantemente nos escritos de Engels e que continua a acentuar-se depois disso” [89]. Além disso, é este último quem mitificará o “método dialético” que Marx supostamente utilizou [90]. Em suma, Engels está na origem da questão das relações de Marx com Hegel, que aflige os comentadores de Marx, bem como dos vários discursos hegelianos que hoje mantemos sobre Marx [91]. Evidentemente, ele sabia que Marx era um economista ou um socialista ricardiano. No final da sua vida, ele também confiou ao literário russo Alexei M. Voden (1870-1939) que o próprio Marx nunca foi hegeliano e que se interessou, quando jovem, por Platão, Aristóteles, Leibniz e Kant [92]. Além disso, Marx viveu quase toda a sua vida adulta na Inglaterra, onde a revolução industrial estava em pleno andamento, e esse exílio ampliou uma lacuna significativa entre o seu universo intelectual e o da maioria dos seus contemporâneos que permaneceram na Alemanha, que ainda era na época um estado fundamentalmente agrícola e feudal [93]. Este exílio acabará por torná-lo um “economista inglês. E isso é o que ele foi” [94].

Um jovem hegeliano impenitente, Engels compara elogiosamente Marx a Hegel em todos os seus escritos. Por seu lado, o jovem economista e filósofo positivista Eugen Duhring (1833-1921) comparou pejorativamente Marx a Hegel. Duhring não tinha conhecimentos especiais da filosofia hegeliana. Turbulento e combativo, próximo dos círculos anarquistas e libertários, ele simplesmente esperava desacreditar e descredibilizar Marx acusando-o de ser hegeliano ou comparando-o com o Velho hegeliano Lorenz von Stein (1815-1890) [95].Porque a filosofia hegeliana, deve recordar-se, tinha perdido a maior parte da sua relevância científica e política já em 1840, e passou a existir, a partir de 1850, apenas na  forma literária e descontraída, nos historiadores da filosofia e teólogos como Johann Erdmann (1805-1892), Assim foi com Eduard Zeller (1814-1908) e Kuno Fischer (1824-1907), que elogiaram Hegel nos seus  trabalhos [96]. A publicação de The Science of Logic, em 1812, inesperadamente fez de Hegel o mais eminente de todos os filósofos alemães: “somente Schelling gozava então de uma glória mais antiga e mais viva e nada restava do kantismo da grande época que Reinhold, e este tinha-se retirado para Kiel e estava meio esquecido. As outras celebridades foram recrutadas, com exceção de Fries, entre os discípulos de Schelling” [97]. Hegel foi o mestre pensante de toda uma geração de intelectuais — advogados, filósofos, teólogos, etc. – altos funcionários e políticos. Entre 1820 e 1830, foi uma das figuras públicas sem as quais a vida de Berlim teria sido impensável: as suas lições de estética, que expôs em estreita relação com a metafísica e a sua filosofia da história, renderam-lhe uma reputação que ia muito além do ambiente universitário, tal como a sua Cristologia [98]. Dito isto, a filosofia tinha naquela época um status simbólico de prestígio que não tem hoje, ela ordenava (ou estruturava) o próprio ensino universitário [99]. Hegel exerceu brevemente uma espécie de regência neste contexto, e ser então um “não-hegeliano quase passava por um crime” [100].

Originário da Renânia, centro histórico da resistência que mais tarde se opôs ao nacionalismo prussiano e ao hegelianismo, Marx não viveu pessoalmente esta época, mas conhecia as suas consequências, intelectuais e políticas [101]. Além disso, Hegel não era para ele o filósofo da modernidade, como às vezes é descrito hoje, mas sim o da feudalidade [102].

Preocupado com a ameaça conservadora que a dominação prussiana fazia pesar sobre a Renânia, que tinha beneficiado de reformas económicas, administrativas, políticas e sociais extremamente importantes depois de ter sido anexada à França entre 1795 e 1814, Marx era há muito tempo um anti-hegeliano declarado [103]. Segundo ele, foi sob as ordens do governo prussiano que Hegel começou a ensinar a sua filosofia do direito na Universidade de Berlim [104]. Foi então que Marx se manifestou contra a conceção hegeliana do Estado com “toda a indignação herdada do radicalismo do Iluminismo” [105]. Mas, ao contrário de certas ideias recebidas, ele não escreveu quase nada sobre o próprio Hegel, exceto em algumas páginas tempestuosas e até ofensivas. À semelhança de Ludwig Feuerbach (1804-1872), a quem admirava, Marx estava convencido de que Hegel havia “confundido o método e o resultado” [106]. Marx foi-se gradualmente acalmando, e esses debates gradualmente deixaram de agir sobre ele e sobre o seu humor. Mais tarde, Marx faria um julgamento mais matizado de Hegel, além de lhe prestar uma “homenagem vaga e ambígua” [107] no Capital. Mas, para a maioria dos intelectuais alemães da segunda metade do século XIX, ainda mais para homens como Duhring, que não sentiam nenhuma ligação particular a Hegel e que não tinham participado nas discussões de iniciados que opuseram outrora velhos e jovens hegelianos, a filosofia hegeliana não permitia compreender o mundo moderno [108]. Rapidamente deixou de ser ensinada nas universidades alemãs [109]. Publicadas na era Napoleónica, ou imediatamente depois, as obras de Hegel eram antigas sem serem antigas na era Bismarckiana; a sua metafísica parecia inútil, enquanto a ciência, a tecnologia e a industrialização suscitavam novas paixões e novas questões na Alemanha. Laudatória ou depreciativa, a referência a Hegel é, antes de mais, uma norma de estilo no momento da publicação do Livro I do Capital, um topos (uma singularidade) do discurso académico na Alemanha, ou seja, — uma convenção. Na prática, os académicos alemães abandonaram, em grande parte, a história especulativa da filosofia, do direito, da estética ou da teologia, ensinada quarenta anos antes, para fazer, como Marx, um “lugar maior para os fenómenos económicos” [110].

 

(continua)

 


Notas

[1] Agradeço ao meu amigo de longa data, António Martins da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, a leitura extremamente cuidadosa do presente texto assim como agradeço as sugestões de correção por ele apresentadas. Devo aqui sublinhar que para que a série de textos dedicada ao Joaquim Feio, recentemente falecido, esteja à altura do homenageado, exige-se não só que os textos sejam de grande qualidade, mas mais, exige-se revisões extremamente cuidadosas à altura da qualidade dos mesmos. Um trabalho moroso que necessita, para além do grande empenho, de sólida formação, de muita tempo e de muita concentração, o que se tem conseguido. Agradeço, pois, ao conjunto de revisores que me têm acompanhado nesta tarefa ciclópica, a valiosa ajuda que me têm prestado.

[2] Marx, K., 1978 [1867], Le capital, l.I, t.I. Paris, Éditions sociales, p. 24.

[3] Ricardo, D., 1992 [1821], Des Principes de l’économie politique et de l’impôt. Paris, Flammarion, p. 45.

[4] Ibid.

[5] Dobb, M.H., 2012 [1942], « A Lecture on Marx », On Economic Theory & Socialism: The Collected Papers of M.H. Dobb, vol. II. London, Routledge, p. 194.

[6] Marchal, J., J. Lecaillon, 1958, La Répartition du revenu national, t.I. Paris, M.-Th. Génin, p. 25-26.

[7] Cf. Philip, B., 2005, Reduction, Rationality and Game Theory in Marxian Economics. London, Routledge.

[8] Marchal, J., J. Lecaillon, 1958, La Répartition du revenu national, t. III. Paris, M.-Th. Génin, p. 376.

[9] Marx, K., 1974 [1861-1863], Le capital, l. IV, t. I. Paris, Éditions Sociales, p. 91 et seq.

[10] Ibid., p. 26.

[11] Marx, K., 1974 [1861-1863], Le capital, l. IV, t. III. Paris, Éditions Sociales, p. 606-607.

[12] Marx, K., 1974 [1861-1863], Le capital, l. IV, t. II. Paris, Éditions Sociales, p. 443.

[13] Ibid., p. 189.

[14] Marx, K., 1974 [1861-1863], Le capital, l. IV, t. III. Paris, Éditions Sociales, p. 607.

[15] Ricardo, D, 2004 [1815], « Essay on the Influence of a Low Price of Corn on the Profits of Stock », The Works and Correspondence of David Ricardo (ed. Piero Sraffa with the collaboration of M.H. Dobb), vol. IV. Indianapolis, Liberty Fund, p. 21 (notre traduction).

[16] Ricardo, D., 1992 [1821], Des Principes de l’économie politique et de l’impôt. Paris, Flammarion, p. 129-147.

[17] Marx, K., 1978 [1867], Le capital, l. I, t. I. Paris, Éditions sociales, p. 24.

[18] Marx, K., 1978 [1867], Le capital, l. I, t. III. Paris, Éditions sociales, p. 88.

[19] Kautsky, K., 1900, La question agraire. Paris, Giard & Brière, p. ii.

[20] Cf. Blaug, M., 1991, « Introduction », in Blaug, M. 1991 (dir.), Karl Marx (1818-1883). Brookfield, Edward Elgar Publishing, p. i-xii.

[21] Cf. Signoro, R., 2008, « Piero Sraffa’s Lectures on the Advanced Theory of Value 1928-31, and the Rediscovery of the Classical Approach », in Kurz, H.D., L.L. Pasinetti, N. Salvadori (dirs.), 2008, Piero Sraffa: The Man and the Scholar. Exploring his Unpublished Papers. London, Routledge, p. 206-207.

[22] Aron, R., 1970, Marxismes imaginaires : d’une sainte famille à l’autre. Paris, Gallimard, p. 268.

[23] Garegnani, P., 1985, « La théorie de la valeur-travail chez Marx et dans la tradition marxiste », in Chavance, B. (dir.), 1985, Marx en perspective. Paris, Éditions de l’École des Hautes Études en Sciences Sociales, p. 323.

[24] 1982, The Concept of Class: An Historical Introduction. London, Hutchinson, p. 66-67.

[25] Dehem, R., 1978, Précis d’histoire de la théorie économique. Québec, Presses de l’université Laval, p. 105

[26] Marchal, J., 1955, Deux essais sur le marxisme. Paris, Librairie de Médicis, p. 93.

[27] Cf. Roemer, J., 1990, « New Directions in the Marxian Theory of Exploitation and Class », in Bowles, S., R. Edwards (dirs.), Radical Political Economy, vol. I. Aldershot, Gower Pub. Co., p. 130; Roemer, J., 1982, A General Theory of Exploitation and Class. Cambridge, Harvard University Press, p. 287.

[28] Engels, F., 1975 [1845], La situation de la classe laborieuse en Angleterre. Paris, Éditions Sociales, p. 81.

[29] Wolff, J., 2013, « Manchester, Capital of the Nineteenth Century », Journal of Classical Sociology, vol. 13(1): 69-86; Hobsbawm, E., 1999 [1968], Industry and Empire: The Birth of the Industrial Revolution. New York, The New Press, p. 12.

[30] Cf. Prost, A., 2010 [1996], Douze leçons sur l’histoire. Paris, Seuil, p. 23-24.

[31] Gramsci, A., 1971, Lettres de prison. Paris, Gallimard, §268.

[32] Gramsci, A., 1971, Lettres de prison. Paris, Gallimard, §268.

[33] Zouboulakis, M., 1993, La science économique à la recherche de ses fondements : la tradition épistémologique ricardienne, 1826-1891. Paris, Presses Universitaires de France, p. 3.

[34] Schumpeter, J., 1983 [1954], Histoire de l’analyse économique, t. II. Paris, Gallimard, p. 300.

[35] Filkenstein, J., A Thimm, 1973, Economists and Society. New York, Harper, p. 64 et seq.

[36] Peach, T., 2009, Interpreting Ricardo. Cambridge, Cambridge University Press, p. 17-21, 239-240; Steedman, I., 1982, « Marx on Ricardo », in Bradley, I., M. Howard (dirs)., 1982, Classical and Marxian Political Economy: Essays in Honour of R.L. Meek. London, MacMillan, p. 115-156.

[37] Granger, G.-G., 1955, Méthodologie économique. Paris, Presses Universitaires de France, p. 397.

[38] Schumpeter, J., 1990 [1947], Capitalisme, socialisme et démocratie. Paris, Payot, p. 40.

[39] De Vivo, G. 1982, « Notes on Marx’s critique of Ricardo », Contributions to Political Economy, 1(1) : 87-99.

[40] Schumpeter, J., 1990 [1947], Capitalisme, socialisme et démocratie. Paris, Payot, p. 41-42.

[41] Aron, R., 2002 [1962-1977], Le marxisme de Marx. Paris, Éditions de Fallois, p. 285.

[42] Cf. Caravale, G.A., 1991, « Marx’s Views on Ricardo: A Critical Evaluation», in Caravale, G.A. (dir.), 1991, Marx and Modern Economic Analysis, vol. II. London, Elgar, p.167-207; Caravale, G., 1989, « On Marx’s Interpretation of Ricardo: A Note », Atlantic Economic Journal, vol. 17(4): 6-12.

[43] Rubel, M., 1957, Karl Marx. Essai de biographie intellectuelle. Paris, Marcel Rivière, p. 118-119.

[44] Marx, K., 1972 [1844], Manuscrits de 1844. Paris, Éditions Sociales, p. 104.

[45] Mandel, E., 1967, La formation de la pensée économique de Karl Marx. Paris, Maspero, p. 42.

[46] Cf. Mandel, E., 1986, The Place of Marxism in History. Atlantic Highlands, Humanities Press, p. 67.

[47] Jessua, C., 1991, Histoire de la théorie économique. Paris, Presses Universitaires de France, p. 271.

[48] Bréhier, E., 2004 [1930], Histoire de la philosophie. Paris, Presses Universitaires de France, p. 1416.

[49] Engels, F., 1884 « Préface à la première édition allemande », in Marx, K., 1977 [1847], La misère de la philosophie. Paris, Éditions Sociales, p. 26.

[50] Marx, K., F. Engels, 1976 [1845], L’Idéologie allemande. Paris, Éditions Sociale, p. 61.

[51] Ibid., p. 47.

[52] Boudon, R., 2009 [1977], Effets pervers et ordre social. Paris, Presses Universitaires de France, p. 44.

[53] Cf. Smith, A., 1991 [1776], La richesse des nations, t.I. Paris, Flammarion, p. 138.

[54] Cf. Maguire, J.M., 2009 [1978], Marx’s Theory of Politics. Cambridge, Cambridge University Press, p. 117-132.

[55] Laval, C., 2009, Marx au combat. Paris, Édition Thierry Magnier, p. 109.

[56] Cf. Kaplan, F., 2014, Les trois communismes de Marx. Paris, Le félin, p. 389.

[57] Collin, D., 2009, Comprendre Marx. Paris, Armand Colin, p. 57.

[58] Marx, K., 1867, « Marx à Johann Philipp Becker, 17 avril 1867 », Correspondance, t. VIII. Paris, Éditions Sociales, p. 360.

[59] Marx, K., 1978 [1867], Le capital, l. I, t. I. Paris, Éditions sociales, p. 29.

[60] Milgate, M., S.C. Stimson, 1991, Ricardian Politics. Princeton, Princeton University Press, p. 149; Hunt, E.K., 1980, « The Relation of the Ricardian Socialists to Ricardo and Marx », Science & Society, vol. 44(2): 177-198.

[61] Dostaler, G., 2013 [1978], Valeur et prix : histoire d’un débat. Paris, L’Harmattan, p. 7.

[62] Roscher, W., 1879 [1854], Die Grundlagen der Nationalökonomie : ein Hand und Lesebuch für Geschäftsmanner und Studierende (13. Ausgabe). Stuttgart, J. G. Cotta, p. 104n.

[63] Marx, K., 1974 [1861-1863], Le capital, l. IV, t. III. Paris, Éditions Sociales, p. 590-591.

[64] Cf. Beiser, F., 2011, The German Historicist Tradition. Oxford, Oxford University Press, p. 214-321.

[65] Jauss, H.R., 1975, Pour une esthétique de la réception. Paris, Gallimard, p. 55.

[66] Etner, F., 2000, Histoire de la pensée économique. Paris, Economica, p. 106.

[67] Bourdeau, J., 1891, « Le Parti de la démocratie sociale en Allemagne », Revue des Deux Mondes, vol. 104 : 911.

[68] Angenot, M., 2004, Rhétorique de l’antisocialisme : essai d’histoire discursive (1830-1917). Québec, Presses de l’Université Laval, p. 61.

[69] Angenot, M., 2004, Rhétorique de l’antisocialisme : essai d’histoire discursive (1830-1917). Québec, Presses de l’Université Laval, p. 61.

[70] 68 Laveleye, E., 1876, « Le socialisme en Allemagne, I », Revue des Deux Mondes, vol. 17 : 143.

[71] Cf. Rodbertus-Jagetzow, K., 1881, Briefe und sozialpolitische Aufsätze, Bd. 1. Berlin, Herausgegeben von Dr. R. Meyer, p. 111.

[72] Cf. Alcouffe, A., F. Quaas, G. Quaas, 2009, « La préhistoire du problème de la transformation », in Alcouffe, A, C. Diebolt, (dirs)., 2009, La pensée économique allemande. Paris, Économica, p. 309-337.

[73] Cf. Engels, F., 1894, « Préface », in Marx, K., 1975 [1865-1866], Le capital, l. III, t. I. Paris, Éditions Sociales, p. 13-15.

[74] Lexis, W., 1895, « The Concluding Volume of Marx’s Capital », Quarterly journal of Economics, vol.10: 25 (notre traduction).

[75] Grossman, H., 1992 [1929], The Law of Accumulation and Breakdown of the Capital system. London, Pluto Press, p. 92.

[76] Beer, M., 1921, The History of British Socialism, vol. I. London, G. Bell and sons, Ltd., p. 188; Cole, G.D.H., 1953, A History of Socialist Thought, vol. I. London, MacMillan & Co., p. 104, 270-300.

[77] Cf. Bonar J., 1885, Malthus and His Work. London, MacMillan & Co., p. 214, 388 ; Laski, H., 1921, Karl Marx. London, Allen & Unwin, p. 3.

[78] Marx, K., 1993 [1867], Le capital, l.I. Paris, Presses Universitaires de France, p. 17.

[79] Hobsbawm, E., 1964, Labouring Men. London, W. Goldbacks, p. 239-249.

[80] Cf. Bellofiore, R., 2008, « Sraffa After Marx: An Open Issue », in Chiodi, G., L. Ditta (dirs.), 2008, Sraffa: An Alternative Economics. London, McMillan, p. 75.

[81] Eatwell, J., J. Robinson, 1974, L’économique moderne. Paris, Édiscience, p. 46.

[82] Hobsbawm, E., 2014 [2011], Et le monde changea. Paris, Actes Sud, p. 55.

[83] Marx, K., 1978 [1867], Le capital, l. I, t. I. Paris, Éditions sociales, p. 27.

[84] Rubel, M., 1994, « Avertissement », in Marx, K., 1994, », OEuvres, t. IV. Paris, Pléaide, p. ix.

[85] Rubel, M., 1972, « La légende de Marx ou Engels fondateur », Économies et société, vol. 6 : 2190.

[86] Cf. Levine, N., 2006, Divergent Paths: Hegel in Marxism and Engelsism, vol. 1. New York, Rowman & Littlefield, p. 153 et seq

[87] Cf. White, J., 1996, Karl Marx and the Intellectual Origins of Dialectical Materialism. London, MacMillan; Carver, T., 1983, Marx and Engels. Bloomington, Indiana University Press.

[88] Vadée, M., 1998, Marx penseur du possible. Paris, L’Harmattan, p. 56.

[89] Dehan, P., 1978, « Engels fondateur ? », Économies et sociétés, vol. 12(3) : 224.

[90] Carver, T., 1999, « The Engels-Marx Question : Interpretation, Identity/ies, Partnership, Politics » in Steger, M.B., T. Carver (dirs.), 1999, Engels After Marx. University Park, Pennsylvania State University Press, p. 17-37; Carver, T., 1984, « Marxism as Method », in Ball, T., J. Farr (dirs.), 1984, After Marx. Cambridge, Cambridge University Press, p. 261-281; Lichtheim, G., 1966, « On the Interpretations of Marx’s Thought », in Lobkowicz, H. (dir.), 1966, Marx and the Western World. London, University of Notre-Dame Press, p. 3-19.

[91] Carver, T., 1999, The Postmodern Marx. Manchester University Press, p. 181 et seq.

[92] Cf. Voden, A., 1927, « Entretiens avec Engels », in Collectif, 1950, Souvenirs sur Marx et Engels. Moscou, Éditions en langues étrangères, p. 352-353.

[93] Berlin, I., 1996 [1978], Karl Marx. Oxford, Oxford University Press, p. 133; Sanderson, J.B., 1969, An Interpretation of the Political Ideas of Marx and Engels. London, Longman, p. 44.

[94] Schumpeter, J., 1983 [1954], Histoire de l’analyse économique, t. II. Paris, Gallimard, p. 25n.

[95] Cf. Dühring, E., 1867, « Marx, Das Kapital, Kritik der politischen Oekonomie, 1. Band, Hamburg 1867 », Ergänzungsblätter Zur Kenntnis Der Gegenwart, vol. 3(3) : 182-186.

[96] Quiton, A., 1971, « Absolute Idealism », Proceedings of the British Academy, vol. 57: 318.

[97] Rosenzweig, F., 1991 [1920], Hegel et l’État. Paris, Presses Universitaires de France, p. 275.

[98] Hosfeld, R., 2013, Karl Marx. An Intellectual Biography. New York, Berghahn Books, p. 6 et seq.

[99] Worsley, P., 2002, Marx and Marxism. London, Routledge, p. 14.

[100] Haym, R., 2008 [1857], Hegel et son temps. Paris, Gallimard, p. 68.

[101] Cornu, A., 1955, Karl Marx et Friedrich Engels, t. I : les années d’enfance et de jeunesse ; la gauche hégélienne 1818/20-1844. Paris, Presses Universitaires de France, p. 3-48.

[102] Cf. Marx, K., 2010 [1842-1843], Critique du droit politique hégélien. Paris, Allia, p. 135.

[103] Cf. Osmo, P. 1994, « Les Anti-Hégéliens : Kierkegaard, Marx, Nietzsche », in Tinland, O. (dir.), 2005, Lectures de Hegel. Paris, Librairie générale française, p. 451.

[104] Cf. Marx, K., 1975 [1843], « Marginal Notes to the Accusations of the Ministerial Rescript », Marx-Engels Collected Works, vol. I. London, Lawrence & Wishart, p. 362.

[105] Taylor, C., 1998, Hegel et la société moderne. Québec, Presses de l’Université Laval, p. 145.

[106] Dellaï, S., 2011, Marx, critique de Feuerbach. Paris, L’Harmattan, p. 317.

[107] Rubel, M., 1963 « Notes et variantes », in Marx, K., 1963 [1867], « Le capital, l. I », OEuvres, t.I. Paris, Pléiade, p. 1634.

[108] Bowie, A., 2003, Introduction to German Philosophy. Cambridge, Polity, p. 119; Pinkard, T., 2001, Hegel. Cambridge, Cambridge University Press, p. 662.

[109]  Rockmore, T., 2003, Before and After Hegel: An Historical Introduction to Hegel’s Thought. Cambridge, Hackett, p. 139 et seq.

[110] Sée, H., 1927, Matérialisme historique et interprétation économique de l’histoire. Paris, Marcel Giard, p. 116.

 


O autor: Mathieu-Joffre Lainé, doutorado em Filosofia pela Université de Laval (Canadá), é agente de investigação e planificação sócio-económica no Secretariado dos Assuntos Autóctones do governo do Canadá.

 

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