Teoria e Política Económica: os grandes confrontos de ontem, hoje e amanhã, também – uma homenagem ao Joaquim Feio — Capítulo 1 — Parte B: Texto 14 – “Piero Sraffa. Capítulo 6” (1/2). Por Alessandro Roncaglia

Reflexos de uma trajetória intelectual conjunta ao longo de décadas – uma homenagem ao Joaquim Feio

Capítulo 1 – Dos Clássicos a Sraffa, de Sraffa aos neo-ricardianos

Nota de editor:

Devido à extensão do presente texto, o mesmo é publicado em duas partes, hoje a primeira.

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

11 min de leitura

Parte B: Texto 14 – Piero Sraffa. Capítulo 6: Crítica da abordagem marginalista (1/2)

 Por Alessandro Roncaglia

Edição  (ver aqui)

 

6.1 A estrutura analítica da abordagem marginalista

Como já foi referido, Sraffa pretendeu transformar completamente a ciência económica rejeitando a abordagem marginalista dominante e propondo em seu lugar a abordagem dos economistas clássicos, embora modificada de modo a ter em conta os contributos de Keynes. O primeiro passo que Sraffa deu na crítica da teoria marginalista foi enfrentar a abordagem marshalliana que naquela época dominava o ensino académico da economia, tanto em Itália como em Inglaterra (Sraffa 1925, 1926, 1930). O segundo passo deu-se com a edição crítica das obras de Ricardo (Ricardo 1951-5), onde o quadro conceptual e o esquema analítico que constituem os fundamentos da economia política clássica são reapresentados sem as interpretações que lhes foram acrescentadas em quase um século de marginalismo. Finalmente, o terceiro e analiticamente decisivo passo foi a publicação, em 1960, de Produção de Mercadorias Através de Mercadorias: uma análise da relação entre os preços relativos e a repartição do rendimento que fornece simultaneamente uma solução para problemas fundamentais deixados por resolver pelos teóricos clássicos e a base para uma crítica interna das teorias marginalistas tradicionais do valor e da repartição.

Tradicionalmente, a abordagem marginalista concebe o problema do valor como sendo relativo à determinação dos preços e quantidades de equilíbrio, de modo a assegurar a igualdade entre a oferta e a procura. Estes valores de equilíbrio resultariam da comparação entre os recursos disponíveis e as preferências dos agentes económicos.

Esta interpretação do funcionamento do sistema económico mantém-se inalterada quando, depois de termos considerado modelos de troca pura (em que as atividades produtivas são excluídas e as dotações dos agentes económicos são constituídas por bens de consumo final), passamos a modelos que envolvem simultaneamente troca e produção. Neste último caso, as dotações incluem os recursos produtivos e a relação entre as dotações e as preferências dos consumidores é mediada pela atividade produtiva, que intervém paralelamente às atividades de troca e consumo. Assim, são considerados três grupos de dados: as preferências dos agentes económicos, as dotações iniciais e os conhecimentos técnicos. Este modelo de base pode ser alargado quando os meios de produção são incluídos nas dotações iniciais e se reconhece que o seu montante pode ser aumentado ao longo do tempo através de um processo de acumulação, cujo ritmo depende das decisões de investimento dos agentes económicos.

Assim, Sraffa sublinha as características centrais da abordagem marginalista quando se refere, logo nas primeiras linhas do seu livro (Sraffa 1960: v) a “qualquer pessoa habituada a pensar em termos de equilíbrio entre a oferta e a procura”, bem como quando, no final do livro (Sraffa 1960: 93), faz alusão a “uma avenida de sentido único que vai dos “fatores de produção” aos “bens de consumo””.

Estas características centrais mantêm-se independentemente da variedade de marginalismo que se considere. As dotações escassas e o consumo final (ou a satisfação das necessidades e desejos dos agentes económicos) são confrontados e ligados por mecanismos de mercado que atuam de forma a estabelecer um equilíbrio entre os dois lados opostos, de modo que, para cada bem, a oferta seja igual à procura. As diferenças na especificação deste esquema básico podem ser vistas, por exemplo, na extensão do papel atribuído ao elemento subjetivo, que pode influenciar apenas a procura ou também a oferta, como na análise do equilíbrio do produtor de Jevons – baseada na desutilidade do trabalho – ou na abordagem do custo de oportunidade de Wicksteed. Outras diferenças podem encontrar-se na especificação das dotações de recursos originais: uma lista pormenorizada de mercadorias nos modelos de equilíbrio geral ou os “fatores de produção” habituais que constam dos manuais – terra, trabalho e capital. Neste último caso, a repartição do rendimento entre renda, salários e lucros [1] não é concebida como uma questão separada, mas como um aspeto da questão geral do valor, sendo as variáveis distributivas simplesmente os preços de um tipo particular de mercadorias, os “fatores de produção”. Outras diferenças podem existir na agregação dos dados (por exemplo, com a utilização da categoria de “ramos” como entidades intermédias entre o produtor individual e a economia como um todo), ou na forma de lidar com o elemento tempo (como veremos no ponto 6.2 infra, quando tratarmos da noção de período médio de produção).

Ora, é óbvio que nenhuma crítica pode ter aplicação direta e imediata a todas as variedades da teoria marginalista. Não obstante, como tentaremos mostrar, à análise de Sraffa pode ser atribuído um impacto geral sobre a abordagem marginalista como um todo. De facto, a menos que seja definida em termos tão gerais (como no modelo axiomático de equilíbrio geral de Debreu) que seja inaplicável à interpretação de qualquer questão real [2], será válida a crítica de Sraffa, devidamente modificada. Isto deve-se à própria estrutura básica da abordagem marginalista, em que os recursos originais são tomados como dados, ao contrário da abordagem clássica, que representa “o sistema de produção e consumo como um fluxo circular” (Sraffa 1960: 93).

É evidente que as teorias económicas, mesmo quando é utilizada a análise axiomática, não devem ser concebidas como estruturas puramente formais, mas como tentativas substantivas de compreender a realidade. Isto implica, entre outras coisas, que os pressupostos em que as análises se baseiam sejam avaliados de forma realista. É claro que qualquer teoria requer abstração; a questão a considerar é se as abstrações específicas envolvidas (por exemplo, a ideia de um preço único para cada mercadoria ou a existência de uma taxa de lucro uniforme), embora longe de serem perfeita e sistematicamente verificadas, são simplificações admissíveis para os fins da análise específica em causa. Isto exige, entre outras coisas, que, sempre que uma característica principal do modelo utilizado na análise simplifique as complexidades do mundo real, tais complexidades possam ser introduzidas no modelo como sucessivas aproximações não anulando os resultados obtidos na análise de primeira aproximação à realidade. Por exemplo, o multiplicador do rendimento agregado, na sua forma mais simples, baseia-se no pressuposto de um sistema fechado, sem comércio externo e sem sector público; mas um multiplicador generalizado pode ser facilmente construído sem modificações substanciais dos resultados da teoria subjacente à primeira aproximação. Pelo contrário, as generalizações de modelos de um bem para modelos de vários bens implicam alterações drásticas nos resultados analíticos; por exemplo, a relação monótona e inversa entre a taxa de lucro (o preço do fator de produção capital) e a “quantidade de capital” por trabalhador já não se mantém, como veremos mais abaixo.

Em segundo lugar, a teoria deve fornecer resultados em termos de delimitação do âmbito dos acontecimentos possíveis. Por exemplo, como vimos no capítulo 4, a análise de Sraffa permite distinguir entre produtos básicos e não básicos, com um conjunto de implicações interessantes. Em contrapartida, a análise do equilíbrio geral, apesar de se basear em algumas hipóteses muito restritivas (como a convexidade dos conjuntos de produção), não fornece resultados definitivos: podemos ter equilíbrios múltiplos (o que exclui a análise de estática comparada), instabilidade (o que exclui a tese da “mão invisível do mercado”, bem como a possibilidade de indicar a direção da mudança sempre que se verifica uma alteração nas dotações, preferências ou tecnologia) e mesmo ausência de relação unívoca entre a quantidade disponível das dotações iniciais individuais e o seu preço (Montesano 1995). De facto, sempre que os chamados “modelos de equilíbrio geral” são utilizados para estudar as características específicas do mundo real, são introduzidas novas restrições no modelo (um mundo de uma só mercadoria, um único agente representativo, etc.) a fim de obter alguns resultados definitivos [3].

A análise axiomática do equilíbrio geral é, em si mesma, totalmente abstrata: a referência aparente à realidade é fornecida apenas pelos nomes atribuídos às variáveis (bens, preços, etc.). No entanto, só é possível atribuir-lhes um significado no contexto das regras de operação do modelo, em ligação com o conjunto das hipóteses adotadas. Com demasiada frequência, o carácter axiomático da análise é utilizado como pretexto para evitar qualquer discussão sobre a natureza das hipóteses e a sua relação com o mundo real; mas, nesse caso, não se justifica a adoção de um conjunto de designações “reais” (ou seja, termos que se referem a entidades económicas reais). Assim, na análise de equilíbrio geral de Debreu (1959) não há razão para não falar de anjos (ou demónios, ou avatares) em vez de agentes económicos, e de almas a serem salvas ou condenadas (para círculos mais baixos ou mais altos do inferno ou do paraíso, dependendo das avaliações dos próprios anjos) em vez de mercadorias.

As críticas de Sraffa referem-se às principais tentativas de construção de teorias marginalistas para obter resultados robustos na interpretação da economia do mundo real. É o caso da teoria marshalliana da empresa e da indústria, nos artigos de 1925, 1926 e 1930; é também o caso da teoria austríaca, baseada no período médio de produção, no capítulo 6 do livro de 1960; e, mais genericamente, é o caso de todas as teorias que interpretam o “capital” como um “fator de produção” cuja procura está inversamente relacionada com o seu preço (capítulo 12 do livro de 1960). Nas secções seguintes deste capítulo ilustraremos brevemente apenas estas últimas críticas uma vez que já foi anteriormente discutido o caso da teoria marshalliana da empresa e da indústria (pontos 1.3-1.5). Em linhas gerais, Sraffa defende que a representação marginalista da economia tem problemas porque somos confrontados com um mundo com múltiplas mercadorias no qual o “capital” não pode ser concebido, juntamente com os recursos naturais, como parte dos dados do problema.

 

6.2 Crítica da teoria austríaca

Como vimos, o livro de Sraffa de 1960 fornece não só uma teoria dos preços de produção no quadro da conceção clássica do sistema económico como, também, os instrumentos para uma crítica radical da teoria marginalista tradicional do valor, visando os seus próprios fundamentos. A este respeito, podemos concentrar a nossa atenção em dois capítulos: o sexto, sobre o período médio de produção, será considerado nesta secção, enquanto o último, o décimo segundo capítulo, sobre a escolha das técnicas de produção, será discutido na secção seguinte.

O conceito de período médio de produção foi proposto pela primeira vez por Jevons (1879, capítulo 7), para ser mais tarde retomado e desenvolvido no âmbito da teoria marginalista austríaca e, em particular, por Böhm-Bawerk (1889), como uma medida da intensidade de capital na produção [4].  O capital é aqui interpretado como “espera”, medido em termos de tempo e, mais precisamente, como a duração do tempo médio entre o início do emprego dos fatores de produção (diretos e indiretos) e a conclusão do processo de produção.

Para calcular o período médio de produção, cada mercadoria utilizada no processo de produção é substituída pelo trabalho diretamente necessário para a sua produção mais as mercadorias por ele utilizadas, sendo a operação repetida nestas últimas até termos uma série (tão longa quanto quisermos) de utilizações de trabalho datadas e um resíduo (tão pequeno quanto quisermos) de mercadorias. Sraffa (1960: 34) chama a este procedimento “redução a quantidades de trabalho datadas”. Podemos então calcular o período médio de produção através de uma média ponderada dos intervalos de tempo entre a data de cada utilização direta de trabalho e a data em que o produto é obtido, onde, para cada intervalo, a quantidade correspondente de entrada direta de trabalho é utilizada como ponderador, uma vez que a quantidade total de trabalho direta ou indiretamente necessária para obter a mercadoria em consideração é fixa e igual a um [5]. A teoria austríaca do capital interpreta então o período médio de produção como uma medida da quantidade de capital utilizada no processo de produção, considerando assim o “tempo”, juntamente com o trabalho, como fatores de produção.

A taxa de juro é assim obtida pelo equilíbrio de duas forças. Por um lado, temos a oferta de capital, nomeadamente “o tempo de espera”, que corresponde à disposição dos agentes económicos a adiar o consumo: supõe-se que o tempo que os agentes estão dispostos a esperar é uma função positiva da taxa de juro. Por outro lado, temos a procura de capital, nomeadamente a relação entre a espera adicional (aumento da duração do período médio de produção) e o produto adicional; o postulado da produtividade marginal decrescente implica uma relação decrescente entre o período médio de produção e a taxa de juro. Assim, esta taxa pode ser considerada como o preço do “capital”, determinado pelo mecanismo habitual de equilíbrio entre a oferta e a procura.

Esta construção é criticada por Sraffa (1960: 37-8). O problema é que o período médio de produção é calculado sem ter em conta os juros compostos; quando estes são considerados, os resultados podem mudar drasticamente. Assim, Sraffa mostra que, se os fatores de produção utilizados nos vários processos produtivos forem reduzidos a quantidades datadas de mão-de-obra, quando a taxa de lucro muda, podemos ter “padrões complicados de movimentos de preços com altos e baixos” Isto é demonstrado com um exemplo, em que o preço do produto a (“vinho velho”) começa por subir, depois desce e volta a subir relativamente ao produto b (“arca de madeira de carvalho”) à medida que a taxa de lucro aumenta de zero para o seu valor máximo”. As inversões na direção do movimento dos preços relativos, (subida/descida) com métodos de produção inalterados, não são conciliáveis com qualquer noção de capital como uma quantidade mensurável independente da repartição e dos preços” [6]. A dificuldade já tinha sido sentida por Wicksell (1901), mas autores posteriores da escola austríaca continuaram a utilizar o conceito de período médio de produção. Em particular, Hayek (1931a) baseou a sua análise do emprego e do ciclo económico nesta noção.

As implicações totais da crítica de Sraffa não foram imediatamente entendidas. Numa recensão do livro de Sraffa, Harrod (1961) tentou defender o período médio de produção salientando que este pode sempre ser calculado, dada a taxa de lucro. Aparentemente, Harrod não se apercebeu de que, nestas condições, o período médio de produção já não pode ser utilizado para explicar a repartição do rendimento uma vez que a sua própria definição depende de uma taxa de lucro dada exogenamente, como salientou Sraffa (1962) numa breve resposta a Harrod. É precisamente este o sentido da crítica original de Sraffa ao método austríaco de medição do “capital”.

As dificuldades acima ilustradas devem ser tidas em conta também quando se avaliam tentativas posteriores de utilização de quantidades de trabalho datadas para efetuar análises dinâmicas. Trata-se aqui da chamada abordagem “neoaustríaca” proposta por Hicks (1973) para a análise de questões como a transição para diferentes tecnologias. De facto, o modelo de Hicks implica tanto a utilização de um quadro estático para a análise de questões dinâmicas como uma séria subavaliação das dificuldades da teoria do capital acima mencionadas. Vejamos esta questão com um pouco mais de pormenor.

A análise de Sraffa torna claro – e, de facto, este ponto não foi negado nem por Böhm-Bawerk nem por Hayek – que a redução a quantidades de trabalho datadas é uma construção teórica em que simplesmente se apresenta de uma forma diferente a tecnologia subjacente ao sistema de Sraffa de equações simultâneas ilustrado anteriormente (ponto 3.2) e não uma reconstrução histórica da forma como os diferentes meios de produção foram efetivamente obtidos. A teoria marginalista do capital tem como objetivo determinar soluções de equilíbrio estático, pelo que a análise marginalista da mudança técnica se refere à substituição estática entre capital e trabalho; as mudanças tecnológicas ao longo do tempo histórico não são consideradas. Este facto deve ser tido em conta por duas razões. Em primeiro lugar, é evidente que as dificuldades da teoria do capital decorrentes da existência de uma multiplicidade de mercadorias não podem ser ultrapassadas através da alteração para uma apresentação da tecnologia em termos de fatores de produção datados: se não for introduzido, de uma forma ou de outra, um novo pressuposto restritivo na alteração, essas dificuldades não podem deixar de reaparecer também nesta última apresentação [7]. Em segundo lugar, o que é analisado com a redução a quantidades de trabalho datadas são as implicações de uma tecnologia em vigor num determinado momento: a presença de quantidades datadas é uma construção analítica, que não corresponde a períodos de tempo histórico. A comparação entre duas tecnologias diferentes é simplesmente um exercício de análise de estática comparada [8].

A análise daquilo a que Hicks chama “travessia”, ou seja, a transição entre duas tecnologias diferentes, implica ou uma análise histórica, deixando de lado qualquer tentativa de construção teórica, ou um exercício de análise de estática comparada: isto é, a comparação entre um equilíbrio inicial e um equilíbrio final. Este último caso implica a existência de um equilíbrio único tanto na posição inicial como na posição final. Além disso, a análise da transição “fora do equilíbrio” entre as duas técnicas exige hipóteses específicas relativas às “leis do movimento” das variáveis fora da posição de equilíbrio as quais, por sua vez, só podem dar resultados definitivos sob hipóteses restritivas. A este respeito, é típico o pressuposto (geralmente tácito) de que não existem produtos básicos no modelo – um pressuposto ainda mais restritivo do que o de um mundo de um produto (básico).

Mesmo na presença de apenas um produto básico, a série de fatores de produção é potencialmente infinita: o resíduo de produtos de base, por muito pequeno que seja, nunca pode ser totalmente eliminado; por muito pequeno que seja, torna-se muito importante na determinação do sistema de preços quando a taxa de lucro atinge o seu máximo. Isto leva-nos a concluir que, embora o método das equações simultâneas e o conjunto de fatores de produção datados possam ser considerados como formas equivalentes de representar a tecnologia [9], o primeiro método é mais seguro. Por outras palavras, nenhum resultado derivado do segundo método que não possa também ser alcançado pelo método das equações simultâneas pode ser aceite como tendo total generalidade num mundo com múltiplas mercadorias de produtos básicos.

 

(continua)

 

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Notas

[1] A terminologia marginalista tradicional utiliza juro e taxa de juro em vez de lucro e taxa de lucro, como utilizado pelos economistas clássicos e Sraffa. Aqui seguimos a terminologia de Sraffa.

[2] Em particular, nos modelos de equilíbrio geral, a ideia da existência de uma taxa de lucro uniforme é excluída: a concorrência apenas diz respeito à formação de um preço único para cada mercadoria. O único resultado “de política” que pode ser retirado dos modelos de equilíbrio geral é o facto de as condições teóricas serem específicas e irrealistas para suportar a validade total e geral da ideia da “mão invisível do mercado”.

[3] Esta é, por exemplo, a prática comum com os modelos “neokeynesianos”, que pretendem provar resultados com um forte apelo ao senso comum, utilizando hipóteses insustentáveis. Neste caso, é a plausibilidade dos resultados que estimula subtilmente a aceitação da teoria e não o contrário, como deveria ser o caso quando a teoria é usada para melhorar a compreensão do mundo e não como uma demonstração de capacidade pessoal por parte do economista.

[4] Cf. Böhm-Bawerk (1889). Uma tentativa do mesmo género foi levada a cabo por Wicksell (1893). Posteriormente, porém, Wicksell (1901) reconheceu as imperfeições das suas tentativas.

[5] Para um tratamento algébrico cf. Kurz e Salvadori (1995: 437).

[6] Uma crítica semelhante à de Sraffa foi desenvolvida por Garegnani (1960) através de uma análise direta das teorias dos vários autores que fizeram tentativas semelhantes de construção de uma teoria da repartição baseada nesta conceção. As críticas ao período médio de produção são hoje geralmente aceites. Cf. por exemplo Samuelson (1966).

[7] Para uma ilustração da forma como as hipóteses simplificadoras permitiram a Hicks (1973) contornar a questão do retorno das técnicas e outros problemas da teoria do capital e, de um modo mais geral, para uma análise do seu livro, cf. Burmeister (1974).

[8]Na terminologia moderna, é comum colocar a teoria de Böhm-Bawerk entre as análises de equilíbrio intertemporal, devido ao facto de a taxa de juro ser interpretada, do lado do consumo, como uma taxa de preferência intertemporal. No entanto, do lado da produção, a escolha entre técnicas alternativas (com diferentes períodos médios de produção e os correspondentes diferentes níveis de produtividade: presume-se que as técnicas operacionalizáveis em  carrocel  são as mais produtivas) é efetuada com base num dado conhecimento da tecnologia e, portanto, ligado a um dado momento do tempo. Portanto, o equilíbrio intertemporal é uma construção estática uma vez qua está associado a uma tecnologia e, consequentemente, a um dado momento no tempo.

[9] Para uma clara ilustração deste facto, cf. Kurz and Salvadori (1995, Chapter 6).

 


O autor: Alessandro Roncaglia [1947-] foi professor catedrático de Economia Política na Faculdade de Ciências Estatísticas da Universidade de Roma La Sapienza (1981-2017), sócio correspondente da Academia dei Lincei, diretor das revistas Moneta e credito e PSL Quarterly Review e presidente da Sociedade Italiana de Economistas. Autor de Breve História do Pensamento Económico, Economistas que se Equivocam, As raízes culturais da crise (2015), A era da desagregação: história do pensamento económico contemporâneo, A riqueza das ideias, Uma história do pensamento económico (2005), Economistas Clássicos, O mito da mão invisível (2011), Sraffa e a teoria dos preços (1978), Piero Sraffa, his life, thought and cultural heritage (2000).

 

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