CARTA DE BRAGA – “do CO2, da bicicleta e da mediocridade” por António Oliveira

Um vereador da mesma coisa que o ‘chega’ daqui ao lado, mas que dá pelo nome de ‘vox’, além de ser negativista da alteração climática, teve o desplante de se opor a uma moção para fomentar o uso da bicicleta na região, com o argumento risível, a apoiar a sua crença de o CO2 não ser prejudicial para o aquecimento global, ‘Nesse caso andar de bicicleta será mais contaminante que andar a pé, pois o esforço origina maior produção de CO2’.

Esta historieta, uma quase laracha, que fui encontrar nos meus passeios diários pelas páginas dos jornais em cuja apresentação, linguagem e esquemas noticiosos ainda creio correctos, levou-me a uma outra, tirada da mitologia grega e que fui beber a um dos artigos do filósofo Parra Montero, este sobre a mediocridade.

E conta Montero, aligeirando a linguagem da mitologia, que quando os deuses entenderam ter chegado a hora de criarem os humanos, mas só depois de também lhes terem arranjado tudo opara eles se ‘desenrascarem’, quando encontrassem esta maravilhosa festa de formas e cores que é a Terra, encarregam dois Titãs, Prometeu e Epimeteu, de lhes distribuírem os talentos com que, ainda hoje, estamos equipados.

E então, foi assim: Epimeteu, o que pensa sempre só depois de actuar, começou a distribuir os dele, fortaleza, rapidez e agilidade pelos animais que ia encontrando e, quando, pela falta de previsão, chegou ao humano, deu conta de já nada ter nem haver, para distribuir. Cuando Prometeu, o que pensa sempre antes de actuar, chegou para ver o trabalho do irmão, e deu conta do desastre que Epimeteu tinha provocado, decidiu compensar o fraco e desvalido humano, com a luz do fogo divino.

Parra Montero termina este aligeiramento da mitologia grega com uma conclusão inteiramente sua: ‘O resto da estória é bem conhecida e evidente, a política degrada-se quando se converte em profissão’, justificando esta asserção com uma outra, decorrente da observação crítica do andamento da política actual e global, ‘As grandes teorias das antigas e actuais sociedades são semelhantes, comparáveis entre si, tanto pelos temas e problemas vividos, como pelas soluções encontradas’.

Agora e aparentemente, acontece que se zangaram aqueles dois irmãos, Epimeteu e Prometeu, a ver pelos conflitos em volta da ‘palavra’, aquele ‘dom’ que nos acompanha desde a nascença, quando queríamos ter-lhe acesso, para depois a soletrar e dominar, juntar algumas e manipulá-las depois, ou só para as recordar mais tarde e, dizem muitos, até para nos despedirmos, murmurando-a somente.

No século XVIII, aprendemos a palavra ‘felicidade’, afirma o também filósofo José António Marina, ‘A social, a pública, a única em que podemos coincidir, e leva a perguntar-nos qual o modelo em que queremos viver, protegidos pelo direito ou pela força, ser compassivos ou ferozes, contar com os outros ou viver isolado? 

E Marina vai mais longe, num conjunto de afirmações que nos levam àqueles dois Titãs, ‘Há um descrédito da verdade desde a própria filosofia, porque a verdade não se pode alcançar, desde os religiosos por a verdade ser revelada, desde os políticos desde que apareceram as fake news, desde as universidades, por aparecer a verdade relacionada com a identidade e assim, não ser universal’.

Onde estará então o pensamento crítico? Por onde andará Prometeu?

A ver e a meditar nos últimos acontecimentos deste ‘pobre!’ mundo, onde até as florações foram enganadas pela falsa Primavera do passado mês, haverá que lutar pela verdade a todos os níveis, a começar pelos donos das novidades em todos as dimensões, alcance e abrangência da palavra humana, mesmo com os ‘brindes’ que tais novidades tragam penduradas. O medíocre Epimeteu ou as suas cópias começa(m) sempre a prometer distribuições sem saber de quê, nem olhar a quem!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

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