ASSOCIAÇÃO 25 DE ABRIL – NOTÍCIAS – VASCO LOURENÇO – 5 DE MARÇO 1974 – REUNIÃO DE CASCAIS – EVOCAÇÃO DOS 50 ANOS

 

Senhor Presidente da República

Senhora e Senhor Ministro

Senhor Secretário de Estado

Senhor Presidente da CM Cascais e de mais autarcas

Senhor Chefe da Casa Militar da PR

Senhores Chefes militares

Senhores Chefes das Forças de Segurança

Senhora Comissária das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril

Caros camaradas Capitães de Abril e queridas Capitãs de Abril

Senhoras e Senhores

Começo por agradecer a todos, a vossa presença. Bem hajam!

Permitam-me que, na pessoa do Senhor Presidente da Câmara e demais responsáveis autárquicos, saúde e agradeça à vila de Cascais a sua disponibilidade em aqui nos receberem, com a sua já habitual hospitalidade.

Foi neste concelho que se realizaram dezenas de reuniões conspirativas, entre as quais algumas das mais importantes, que nos levariam ao 25 de Abril. Permitam-me que recorde com alguma emoção o facto de ter morado neste concelho, no Estoril, durante toda a conspiração e durante todo o processo revolucionário, até ao dia 25 de Novembro de 1975, numa casa onde foram feitas dezenas de reuniões conspirativas, já devidamente assinaladas, desde o 10º aniversário do 25 de Abril, por uma placa evocativa.

Hoje, antes desta evocação, tivemos a oportunidade de lembrar esta e outra reunião em São Pedro do Estoril, através da colocação de dois testemunhos, as Girândolas de Luz, que temos vindo a colocar nos locais das principais reuniões conspirativas.

Mais uma vez agradeço aos membros da família Fonseca Ribeiro aqui presentes, a cedência da casa para a reunião de S. Pedro do Estoril. Bem hajam!

Aqui, evocamos a reunião de 5 de Março, a reunião de Cascais, onde, há 50 anos, realizámos um dos considerados três plenários da Conspiração.

Nesse ano de 1974, com o avanço da Conspiração, cada vez se sentia mais a necessidade de assumir decisões definitivas e, com isso, a tensão aumentava.

Devido à publicação do livro Portugal e o Futuro, de António Spínola, um dos Generais com que o Movimento contava para o pós golpe de Estado, deu-se um aumento do número de conspiradores. É certo que Spínola apressara a publicação do livro, ao saber que, em 5 de Fevereiro, o Movimento decidira elaborar um programa político – mas o Movimento acabaria por explorar, de forma intensa e com resultados significativos, essa sua publicação. Na reunião de 5 de Março, compareceram em massa os oficiais Spinolistas, engrossados pelos auto denominados Espúrios que com eles haviam acordado posições.

Na sequência da deliberação de 1 de Dezembro, em Óbidos, estava também presente uma delegação da Marinha (ainda que apenas como observadores) e uma forte delegação da Força Aérea.

Vindos de todo o país, chegaram a Cascais e ao atelier do arquitecto Braula Reis – aproveito para saudar e agradecer a seu filho Miguel Braula Reis, aqui presente, a cedência do atelier. Bem haja! cerca de 200 oficiais, sendo que os 185 do Exército representavam mais de 450, para a reunião que mereceu as medidas de segurança mais rigorosas de todas as efectuadas no âmbito da Conspiração.

Era já consensual e não merecia qualquer reticência a opção por uma acção de força que derrubasse o regime e criasse condições para se alcançarem os objectivos do Movimento – tão consensual que não recordo uma única intervenção que a questionasse.

Pelo contrário, as propostas apresentadas pela Comissão Coordenadora, quanto à necessidade da elaboração de um programa político, ao conteúdo do mesmo e aos Chefes a convidar para assumirem o Poder depois do derrube do regime, levantaram fortes contestações, com discussões acaloradas. Face à proposta da elaboração de um programa político, os spinolistas defenderam a sua irrelevância, justificando-a com “temos um Chefe, que dirá como é”.

Discutida e aprovada a escolha do Chefe, tal como acontecera em Óbidos, esta apontou para Francisco da Costa Gomes. Ainda que, com a presença massiva dos spinolistas, a proporção dos votos tivesse diminuído. De 8 para 1, passou a 4 para 1. Ainda assim, uma diferença substancial, sublinhada pela decisão de redação de um programa político e da necessidade de os dois Generais escolhidos só serem aceites se concordassem com o programa político a elaborar pelo Movimento.

Programa que teria por base o documento O Movimento, as Forças Armadas e a Nação, aí apresentado e contestado pela maioria dos elementos da Força Aérea presentes – o seu máximo representante na reunião afirmou mesmo que não concordava porque se opunha a que “os povos tivessem direito à autodeterminação e independência”!

O documento acabou por ser aprovado por 111 dos oficiais presentes.

Vencida e ultrapassada – pensávamos nós – a tentativa dos spinolistas, aceite a posição da Força Aérea (foram poucos os que se mantiveram solidários com a posição do Exército), foi possível assumir decisões definitivas e fundamentais, para prosseguir o caminho para a libertação:

. Avançar para uma acção de força, de derrube do regime.

. Elaborar um programa político que, tendo por base o documento O Movimento, as Forças Armadas e a Nação, definisse as linhas do futuro regime.

. Escolher Costa Gomes e António Spínola para futuros Chefes, desde que aceitassem o programa político a aprovar pelo Movimento.

. Aprovar um voto de confiança na Comissão Coordenadora e respectiva Direcção, para executarem as decisões aprovadas,

Os dias que se seguiram agudizaram fortemente a situação e provocaram um acelerar do processo, criando maiores dificuldades ao Movimento.

Enquanto os spinolistas, inconformados com a derrota sofrida, tentavam manobras de recuperação – ao arrepio da Comissão Coordenadora, colocaram em circulação um documento de recolha de assinaturas de uma declaração de apoio incondicional ao seu endeusado Chefe – o Poder, certamente conhecedor do que se passara e aprovara, avançou para uma retaliação.

Fê-lo de forma pífia, limitando-se à transferência compulsiva de quatro Capitães, três para as Ilhas e um para Bragança. O meu forte abraço ao Carlos Clemente e ao Antero Ribeiro da Silva, os outros dois que “me acompanharam” na ida até às Ilhas, que aqui vieram recordar essas “aventuras”. É certo que acertou em cheio, ao transferir o principal dirigente do Movimento, o seu responsável operacional, mas felizmente fê-lo tarde, pois a já avançada organização do Movimento permitiu aguentar a necessidade de mudanças no Comando.

A isso, o regime juntou uma acção de propaganda, encenando uma declaração de submissão e subserviência das Forças Armadas ao Poder político, através da lamentável Brigada do Reumático.

O Movimento conseguiu ultrapassar esses dois sobressaltos e saiu reforçado.

Até ao dia da libertação, ultrapassada a desastrosa aventura do 16 de Março, ainda se faria uma reunião relativamente alargada (24 de Março), onde a Comissão Coordenadora e a Direcção tiveram de se reformular, forçados pela minha ausência nos Açores. A caminhada para a consumação do que se preparava há menos de oito meses era imparável, como se viu um mês depois, em 25 de Abril de 1974.

Hoje, passados 50 anos, interrogamo-nos muitas vezes se “valeu a pena” correr todos os riscos, seja na preparação da acção militar, seja na sua realização, seja ainda no envolvimento subsequente, quando nos empenhámos na consolidação do Estado democrático, regressando a quartéis assim que todos os compromissos que assumíramos se concretizaram.

Mas, o facto é que, por mais desilusões que tenhamos, por mais críticos que possamos ser ao modo como os portugueses têm, por vezes, utilizado a Liberdade, a Cidadania e a Democracia conquistadas com o 25 de Abril, continuamos a sentir-nos realizados, satisfeitos e honrados pelo que protagonizámos.

Pese embora a continuada acção dos responsáveis políticos, para com as Forças Armadas, onde nasceu e se desenvolveu o MFA.  Pese embora a pouca consideração, de que resulta uma enorme destratação, que tem levado à sua quase paralisação e destruição.O que nos pode levar a duvidar da capacidade de, se for necessário, as Forças Armadas, como aconteceu nestes 50 anos, poderem continuar a ser a garantia da manutenção de um Estado livre e democrático em Portugal. Tenhamos esperança que outras forças, menos difíceis de instrumentalizar, não atentem contra a Democracia!

Sendo uma situação que nos preocupa, mantemos a convicção de que o espírito de Abril continuará a prevalecer no seio das Forças Armadas, a que acrescentamos a esperança de que os responsáveis políticos sejam capazes de retomar a visão e o conceito de que o país tem nas suas Forças Armadas o principal elemento de suporte e defesa de um Estado democrático e de direito. Daí tirando as naturais consequências, com a implantação das necessárias e indispensáveis medidas para a sua dignificação.

Desde o início das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a situação política em Portugal sofreu profundas e significativas alterações.:

Hoje, mais do que nunca, é fundamental utilizar a Liberdade conquistada com o 25 de Abril para definir o nosso futuro.

O mundo está em mudança. É enorme a convulsão que as guerras em curso e as que se anunciam no horizonte cria em todo o mundo.

Apesar de tudo o que se passou, de tudo o que a Humanidade sofreu, a curta memória dos humanos continua a fazer-nos caminhar para a destruição final.

A preservação do ambiente parece importar pouco e novos Hitler estão no terreno ou ameaçam aparecer.

Aproveito para informar que a Associação 25 de Abril acaba de divulgar uma Proclamação, onde felicita António Guterres e os demais portugueses que, na ONU e outras organizações humanitárias, vêm assumindo corajosas atitudes em defesa da vida e da dignidade dos palestinianos.

Não estamos isolados no mundo, mas teremos de ser capazes de voltar a dar um exemplo a esse mundo, afirmando, inequivocamente, com força e determinação, a nossa escolha pela continuação dos valores de Abril como essência do nosso regime, de Portugal.

Para isso, não podemos abster-nos, não podemos deixar que outros decidam por nós, temos de assumir com Coragem a luta pela Liberdade.

Só com Coragem, a liberdade se conquista e mantém!

Sejamos capazes de lutar para que os valores de Abril continuem a ser o sustentáculo maior da nossa sociedade, democraticamente organizada.

Acredito que comemoraremos o próximo 25 de Abril com as forças que se assumem como de Abril e praticam os seus valores nos diversos órgãos de soberania.

25 de Abril, Sempre!

Viva o Movimento dos Capitães!

Viva o MFA!

Viva Cascais!

Viva o 25 de Abril!

Viva Portugal!

5 de Março de 2024

Vasco Lourenço

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