ADÃO CRUZ – JÁ NÃO ENTENDO ESTE MUNDO

Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar o céu povoado,
E disse à minha alma: Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
E minha alma disse: Não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho.

 Walt Whitman

 

Não entendo este mundo moribundo, este mundo escuro nascido no ventre da pátria de Whitman, sem sol e sem luar, já não entendo esta onda de sismos e cifrões, esta dor de milhões de cabeças rolando como esferas para o fundo dos abismos.

Não entendo este mundo dilacerado e sem vida, já não aguento este frio de quatro paredes, este jogo perdido no vazio cemitério da história, este profundo alarido, este diabólico mistério de morte concebido, esta vida sem sentido a que chama mercado e democracia a argentária escória da pátria de Whitman.

Não entendo este mundo de olhos vendados com barras de ferro, este silêncio absorto e abstracto no assalto impune a soberanas nações pela pátria de Whitman, este mundo de vidas e almas sem direitos nem justiça, este mar de sangue escorrendo pelas garras dos algozes, este rasgar de corações, este martírio dolorosamente tatuado na pele dos inocentes por tanques e aviões.

Não entendo este mundo constantemente ameaçado por mísseis e canhões, já não entendo tantas metástases do cancro da guerra, este perigo sistémico diariamente arquitectado, esta inelutável evolução para a desordem suprema, e já não sou capaz de aguentar o peso desproporcionado da exponencialidade do super-lucro, brilhando na pátria de Whitman como a luz do inferno na ponta dos punhais.

Não entendo este mundo escorraçado para as bocas da fome por esta infame corrida central para o inglório podium da pátria de Whitman, por entre as malhas da ganância enlouquecida, neste imparável caminho do caos e da fatalidade, esta ensanguentada bandeira erguida para o nada, este constante apunhalar da liberdade.

Não entendo este mundo apodrecido, já não entendo a secura do grande rio da esperança de Whitman, já não acredito no sonho do poeta quando subiu a colina para admirar o céu povoado, e o céu desabou quando foram abarcados esses mundos de conhecimento e prazer, o céu desabou no místico obscurantismo da mente e da razão e a poesia morreu devorada pela globalização da morte e da destruição.

Não era isto, Walt Whitman, o que queriam dizer as tuas palavras e os teus poemas, nem nunca os teus versos tiveram a forma de algemas.

 

                                                                                   Adão Cruz

 

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