BISCATES – Desaparecendo – por Carlos de Matos Gomes

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A propósito da PT, da Portugal Telecom. Lembram-se? Era até há poucos meses uma grande empresa portuguesa, mas multinacional, na vanguarda da tecnologia das comunicações e da informação. Um orgulho nacional. Desapareceu. Derreteu-se como um gelado sem dizer um Oi, no Brasil. Também já tivemos a Cimpor, uma grande cimenteira, internacionalizada, também desapareceu. Dissolveu-se num conglomerado brasileiro, parece. Também já tivemos uma indústria da energia, com barragens, sistemas de transporte de electricidade, tivemos alguns dos melhores engenheiros de barragens do mundo, um sistema integrado de gestão de caudais. Hidroelétricas, chamavam-se do Douro, do Tejo, do Zêzere. Foi tudo fundido e vendido. Desapareceu. Era a EDP que passou a ser as Três Gargantas dos chineses. Também tivemos até há pouco uma indústria de armamento e de equipamentos militares. Não era uma coisa como o complexo militar-industrial dos Estados Unidos, mas fabricava espingardas e metralhadoras, algumas sob licença, mas outras de desenho nacional. E também já projetámos navios de guerra e até os construímos e exportámos. E também desenvolvemos equipamentos de comunicações militares de elevada qualidade. E ainda software para aviões e condução de operações militares. Eram as Fábricas de Braço de Prata e de Munições e Armas Ligeiras, o Arsenal do Alfeite e os Estaleiros de Viana do Castelo, a EdiSoft, a EID, reunidas na EMPORDEF, também desapareceram. Assim como as OGMA, as oficinas de material aeronáutico. Agora brasileiras. Também já fabricámos camiões militares de alto desempenho, as Berliet/Tramagal, na Metalúrgica Duarte Ferreira, que desapareceu. Hoje é uma linha de montagem de uma marca japonesa. Também já existiu uma indústria de construção ferroviária, era a Sorefame. Também desapareceu. Também já tivemos uma empresa nacional de Correios e Telecomunicações, eram os CTT. Desapareceram. São um banco e estão entregues nas habituais boas mãos do lucro privado. O BES era, goste-se ou não, um grande banco à nossa escala e dirigido por portugueses, que apesar de não terem onde cair mortos sempre se sabia quem eram, de onde vinham. Desapareceu. Todo o sistema bancário português desapareceu. Resta a Caixa. Para as aflições. A ANA, que tinha um nome romântico, continua a ter mas agora é Vinci, Ana Vinci. Foi tomada por uma construtora francesa que vai aumentando as rendas e as taxas regularmente. Já tivemos marinha de comércio. Hoje não temos. A TAP, a companhia aérea de bandeira, também está na calha para ir à vida.

Tenho ouvido sentenças várias. Dizem uns: a culpa foi do 25 de abril. Tínhamos Salazar, um regime de ordem e, principalmente, tínhamos as províncias ultramarinas. O raciocínio é então: sem ditadura não temos ordem, sem ordem não temos colónias e sem colónias não temos viabilidade, nem riqueza. Coloca problemas de lógica: parte do princípio de que era possível continuar a guerra eternamente e que era possível uma pequena nação europeia manter-se como cabeça de um império colonial, o único em todo o mundo! Ou, em alternativa, este raciocínio leva a acreditar que foram o 25 de abril e a descolonização portuguesa que provocaram a queda do muro de Berlim, a implosão da URSS, o fim da guerra fria e o fim do apartheid na África do Sul. Enfim, para a perda das colónias ser a causa da nossa decadência e os seus responsáveis os criminosos que deram cabo de Portugal era necessário que o 25 de abril de 1974 fosse o acontecimento determinante da história mundial do século XX. Parece-me exagerado, mas não a esses heróis perdidos na Peregrinação e na razão. Parece-me mais sensato entender que o 25 de abril foi o resultado de um impasse nacional, português e não o causador de uma revolução mundial.

Dizem outros: isto é fruto da globalização. O fim da guerra fria, do bipolarismo, a emergência de novos atores políticos, em especial a China, mas também a Índia, alteraram por completo o sistema de trocas mundial. Muito bem, mas entretanto, tendo perdido o império de África, demasiado grande para as suas possibilidades, Portugal entrou no império da União Europeia, que lhe prometia a integração e a protecção de um grande espaço, capaz de se bater com os outros que existiam e viriam a surgir, os EUA, a China, os emergentes BRICs.  A lista de desaparecimentos feita de memória parece evidenciar que a integração europeia falhou. Portugal, saído de uma guerra de desgaste em África, não só não encontrou qualquer protecção nos seus aliados tradicionais, os EUA e os parceiros europeus, como foi deixado à mercê dos novos competidores. É por isso que produtores de bens e serviços portugueses foram comidos por predadores vindos de toda a parte, da vizinha Espanha – a detentora de quase toda a banca – à longínqua China. Do Brasil à Alemanha, à França.

A passagem do império colonial para a Europa seria sempre uma travessia muito difícil. Um pouco como a bíblica fuga dos judeus do Egipto para se instalarem na Terra Prometida. Era necessário atravessar um deserto e um mar. Tal como no caso da viagem dos judeus houve uma divindade que lhes lançou o maná que lhes permitiu sobreviver, também a Portugal a Europa lançou um alimento sob a forma de fundos – fundos com vários nomes e para várias finalidades. Simplesmente os Moisés que apareceram e os seus ajudantes, em vez de distribuírem esse maná, locupletaram-se com ele. Em vez de abrirem uma passagem no mar, ficaram a tomar banhos de sol e a piquenicar. Nesse tempo até veio da Ucrânia e de outros confins gente para trabalhos pesados e serviços domésticos. Lembram-se?

Julgo, pois, que a causa da nossa decadência está em nós. Está nos fundos destinados à modernização e desenvolvimento que acabaram por se transformar em jipes alcunhados de IFADAP, em bancos como o BPN, em auto-estradas duplicadas, em estádios inúteis, na litoralização das populações através dos PDM, os planos directores municipais, no abandono dos campos, na formação de fantasmas, de que a Tecnoforma, a universidade moderna, ou a independente são exemplos. O maná europeu acabou nas contas bancárias de gente que toda a gente conhece e de quem diz: safaram-se. Alguns chegaram a senadores! Outros dão conselhos.

A actual lengalenga neoliberal, porque a-histórica, desliza sobre uma placa que esconde este passado e tem um modelo feito a partir de um aspirador. A geração que está no governo, com figuras como Vítor Gaspar e Moedas, a geração Goldman Sachs, propõe-se criar aqui uma nova sociedade ao estilo do que nos anos 60 foi feito na Amadora, em Massamá, no Seixal, em São Mamede de Infesta, na Senhora da Hora: um bairro suburbano da rica Europa do centro. Um redil para mão de obra barata. Barata a todos os títulos, nos salários, nos direitos sociais e numa velhice curta. Uma sociedade de serviços de baixa tecnologia, dirigida por uma pequena elite de capatazes bem pagos.

É neste ponto que nos encontramos: um pequeno grupo de chico-espertos comeu o bolo europeu durante os anos 80 e 90. Estão por aí de boa pelagem, bem instalados e até aprenderam a jogar golfe – são os padrinhos do regime. A nova geração de predadores pretende aproveitar a devastação causada pelos corruptos: fazer a exploração da miséria. São os tais aspiradores que em inglês se designam limpadores por vácuo (vaccumcleaner).

Há alguma saída? Há. Começa por sermos exigentes connosco para ganharmos a confiança dos aliados de que vamos necessitar para recuperar. E isso obriga-nos a viver com modéstia e honestidade. Todos. A sermos implacáveis com a corrupção. A utilizarmos bem os nossos recursos, a começar pelos hábitos de vida. A convencer-nos de que a sociedade de consumo para nós acabou. Acabou mais cedo do que para os outros europeus, mas acabou. Vamos ter de nos purgar moral e materialmente. A bem, ou a mal.

2 Comments

  1. Ingovernáveis, ainda.
    Sem um ministro das Finanças & PM à altura, ainda foi possível em 2011 e seguintes:
    a) Construir de raíz, um Aeródromo em Castelo PS Branco. Teve um viajante ilustre há um ano, a caminho de Monfortinho. Ricardo Salgado.
    b) Pagar o projecto de um Aeroporto na Covilhã PSD; o democraque local, apoiou um estágio da selecção nacional de futebol em mais de um Milhão de euros saído do orçamento da CMC! A FPF teve na última época, mais de um milhão de euros de lucro.
    c) O truculento autarca de Vila Nova PSD de Poiares, impossibilitado de continuar, foi elevado à categoria de presidente da Liga de Bombeiros; este proxeneta, deixou em Poiares uma terraplanagem destinada a aeródromo.
    PS: Who is in charge?
    Quem vai ser preso?

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