Fala-se da crise – Eva Joly: “a nossa crise não é só financeira, é também ecológica e social”. Opiniões recolhidas por Sylvia Zappi. Apresentação e tradução de Júlio Marques Mota.

| 17.08.11.

 

Eva Joly faz a sua abertura de campanha política, na quinta-feira, 18 de Agosto, nas jornadas de Verão de Europe-Ecologie-Les Verts em Clermont-Ferrand. A candidata investida nas primárias dos ecologistas reunirá a sua equipa de trabalho num seminário de campanha. Impulsionada pela votação obtida (58,2%) face ao concorrente Nicolas Hulot, nas primárias, Eva Joly quer fazer ouvir a sua voz sobre a crise. E quer desenvolver o seu novo slogan de “A mudança necessária”.

 

O que pensa sobre as medidas de austeridade anunciadas por Nicolas Sarkozy para enfrentar a crise económica?

 

Quando eu ouço Nicolas Sarkozy dizer: “Eu sou o homem que vos vai fazer sair da crise”, fico irritada. É um dos actores cuja inércia e cujas decisões, desde que chegou ao poder, nos levaram a crise. Sarkozy é o homem do mecanismo de protecção fiscal dos mais ricos (bouclier fiscal ), é o homem do cheque de 30 milhões de euros dado a Liliane Bettencourt e é também o homem que introduziu novos nichos de protecção fiscal assim como a exoneração das horas extraordinárias e a redução do IVA na restauração. Aumentou e de modo muito suculento as medidas de isenção de que beneficiam as multinacionais e que representaram 172 mil milhões de euros em 2009. Ainda recentemente, agravou o défice em 2 mil milhões de dólares em novas concessões fiscais aos mais ricos alterando o imposto sobre as fortunas, o ISF. Foram todas elas decisões que privaram assim o Estado de recursos essenciais e nos impedem de sair da crise! Com Angela Merkel, propuseram, na terça-feira, 16 de Agosto, um plano de austeridade generalizado para toda a Europa, quando o que seria necessário é uma verdadeira solidariedade na partilha das dívidas, uma verdadeira mutualização das dívidas soberanas.

 

Opõe-se Eva Joly a um plano de austeridade que vise reduzir os défices públicos ?

 

Querer não deixar que os défices aumentem disparatadamente é uma intenção louvável. Mas um plano de austeridade para tender, custe o que custar  e no imediato,  para um défice de menos de 3 %, neste contexto de crise económica e ecológica e com a fiscalidade constante, é um erro enorme. Nicolas Sarkozy quereria que a austeridade seja suportada pelos mais vulneráveis e não teve a coragem de dizer que a solução, para um orçamento em equilíbrio, é um aumento dos impostos e é uma reforma da tributação fiscal..

 

Será Eva Joly contra o voto que quer inscrever a “regra de ouro ” na Constituição?

 

Totalmente contra, seguramente ! É absurdo e injusto fixar para o horizonte de 2013 o final do prazo para conseguir alcançar este resultado. Não se pode governar se não há espaço de manobra.

 

Como faria para se manter com estes dois dados ?

 

Eu começaria por dignificar o serviço público revogando esta regra estúpida de não substituição de um funcionário em cada dois . Suprimiria os nichos de isenções fiscais, que são privilégios, para aumentar a base fiscal e lançaria uma verdadeira luta contra os paraísos fiscais e a fraude fiscal, que representam cerca de 40 mil milhões por ano.

Eu, eu digo-o claramente que aumentaria os impostos. Mas esta alta dos impostos diriam fundamentalmente respeito e de forma progressiva aos 15% dos mais ricos dos franceses e, de forma mais enérgica, aos 5 % dos mais ricos. Eu defendo também um aumento dos impostos sobre os rendimentos do capital como sobre as transacções financeiras. Além do mais, os estabelecimentos financeiros que estão na origem da crise de 2008 deverão contribuir: toda a distribuição de dividendos e de bónus serão fortemente taxadas . Eu gostaria igualmente de propor à União Europeia que se proceda a uma auditoria independente do endividamento público dos Estados-membros. Isto permitiria evidenciar quem paga os impostos e quais são os montantes concedidos a industrias que se deslocalizaram.

 

Mas pode-se continuar a defender um discurso de reconversão ecológica num contexto de crise como este ?

 

Sim, porque a crise não explica mais do que um quarto da nossa dívida. È pois a insuficiência das receitas e isto desde há muito tempo que está na base do nosso endividamento. Se nós voltarmos ao nível da imposição fiscal de 2000, antes da decisão de Laurent Fabius de reduzir os impostos, como o exigia o dogma neoliberal, o nosso défice seria completamente suportável.

Nós estamos no fim de um sistema e é urgente desencadearmos esta reconversão. Cerca de 50 mil milhões são necessários anualmente . Conseguiremos aí chegar, através de arbitragens orçamentais diferentes, como, por exemplo, com a supressão dos nichos de isenções fiscais ou dos créditos que servem para manter o armamento nuclear. Cada um de nós compreende que o Estado não vá financiar a renovação térmica das cidades de Neuilly-sur-Seine. Eu quero criar uma caderneta de poupança verde para inflectir a poupança dos franceses para o financiamento da reconversão ecológica mais do que deixar os bancos livres a  especularem com estes fundos.

 

A sua exigência será ela compatível com o que preconizam os socialistas, muito preocupados com o rigor orçamental?

 

Se quisermos encarar um pacto de governo em 2012 é  necessário que estejamos de acordo sobre a forma de obtermos as margens de manobra. Sem elas, nada a fazer. A minha linha de orientação é a de que a imposição fiscal sobre os rendimentos do capital deve ser igual à dos rendimentos do trabalho. E, começaremos pelos nichos fiscais. É uma regra fundamental sobre a qual penso conseguir chegar a um acordo com o ou a candidata dos socialistas.

 

Continua Eva Joly a querer aparecer como a candidata anticorrupção ?

 

Desde há mais de dez anos que não deixo de denunciar a financeirização da economia e os paraísos fiscais. Chegou a altura de dizer aos cidadãos que o sistema não tem que ser  necessariamente assim e que a política deve assumir o poder. Que é igualmente necessário retomar qualquer coisa de mais racional em que deixemos de tomar riscos ilimitados, quer seja no campo financeiro quer seja no campo nuclear. É tempo de fazer a escolha da ecologia política.

 

Qual é a sua palavra de ordem para esta campanha?

 

É A mudança necessária. A nossa crise não é apenas financeira, é também ecológica e social, como o mostra a fome na região do corno de África ou as manifestações em Israel. É necessário trabalhar sobre estes tres aspectos. É essencial insistir nesta campanha  sobre as questões da justiça, da dignidade e sobre o reconhecimento do outro para nos confrontarmos contra os discursos assentes simultaneamente nas questões de segurança, de isolamento, de ódio.

 

Irá Eva Joly aludir aos ataques da Frente Nacional (FN) e da UMP contra a sua dupla nacionalidade?

 

Penso que estas intenções são xenófobas. Quando ouço o actual primeiro-ministro François Fillon contestar a minha atitude de ser francesa digo para mim mesma que este é um ventríloquo de Marine Le Pen. Estes ataques têm a vantagem de pôr em evidência o como e quanto a concepção de nacionalidade da UMP ou da FN está distanciada e desfazada com a composição da realidade da nossa sociedade. Defender a ideia de uma sociedade aberta e solidária isto será um dos eixos da minha campanha.

 

Le Monde de 18 de Agosto de 2011

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