DIA DO BRASIL – Memórias de Oscar Niemeyer

 

Com o tempo, sentia-me — como a maioria dos meus colegas – pouco informado nos assuntos fora da arquitectura e resolvi deles me ocupar.

 

Lembrava Rodrigo a me dizer: “Oscar, leia os gregos e os clássicos portugueses”. E li. Li muito. Li como quem nada sabe e tudo quer aprender. Li com a devoção com que lera, anos antes, a obra de Le Corbusier.

 

E comecei pelos gregos, como meu amigo aconselhava, curioso diante dos discursos de Sócrates e Platão, da maneira inteligente com que faziam seus diálogos, astuciosos, de exemplar coerência. E passei, em seguida, aos clássicos portugueses, a Diogo do Couto, Fernão Lopes e outros, a contarem as pilhagens pelas costas da África e as “espingardadas” com que as resolviam. Era a linguagem simples, concisa, directa, que Rodrigo apreciava.

 

Interessado na literatura, segui em frente lendo, cuidadoso, devagar, os discursos de Vieira, os livros de Herculano, Eça de Queirós e Machado de Assis.

 

Herculano, com sua linguagem severa. Eça às vezes barroco, mas cheio de graça e espontaneidade. Como ainda hoje recorro aos Maias ou à Ilustre Casa de Ramires.

 

Machado de Assis a fazer ironias, a invadir a alma de seus personagens.

 

Não tinha pretensões literárias. Queria apenas poder explicar meus projectos de forma clara e simples. E prossegui, debruçado na literatura do Brasil e Portugal, a sentir em cada um dos que lia suas grandezas e qualidades. E li, de Machado aos novos escritores dos dois países, entusiasmado com a simplicidade de alguns, com a imaginação e espontaneidade de outros, com a preocupação política e social dos que trazem a miséria dentro do peito. E passei aos estrangeiros, surpreso com a unidade literária de Camus; a inteligência e cultura de André Malraux; a invasão do ser humano de Freud, Kafka e Graciliano; a pureza de Gide e Tchekhov; o realismo de Henry Miller; a agilidade e o talento cie Proust; a grandeza dos escritores russos como Tolstoí, Tchekhov, Dostoievski e Gorky.

 

Mas, sempre pela rama, sentia que a literatura não me bastava, que precisava conhecer melhor o mundo em que vivemos, o porquê da nossa presença neste velho planeta.

 

E os ensaios sobre a vida, a genética e o cosmos me atraíram. Muito aprendi ao ler Jacob e Monod, a obra de Sartre a nos induzir que toda a vida é um fracasso, a nos explicar seu existencialismo: “A precedência da existência da criatura sobre a essência”.

 

Nas horas vagas, lia os livros didácticos de Celso Cunha e os grandes mestres da poesia – Baudelaire a falar de amor, Neruda a cantar a revolução.

 

Não me permitia criticar ninguém nem assumir posições radicais. Era apenas um curioso no assunto. Lia com igual respeito um livro de Garcia Mãrquez e Jorge Amado ou um romance de Anatole France; uma poesia de Apollinaire ou outra de Drummond ou Gullar. Em cada um deles apreciava coisas diferentes, como se estivesse defronte de uma pintura de Matisse e de um quadro cie Picasso. Até os livros policiais de Simenon me atraíam, o que, ao comentá-los, deixava irritados nossos “intelectuais”, que um dia fuzilei contando que, nas suas Lettres au Castor, Sartre, satisfeito, disse: “Hoje li três livros de Simenon”.

 

Quando um escritor mais importante me fascinava, procurava ler sua correspondência. Quantas coisas aprendi lendo cartas de Lenine a Gorki e Tchekhov, as memórias de Gide, Buriuel e tantos outros!

 

Pessoalmente, prefiro a linguagem simples, do quotidiano. “A literatura se engrandece quando se aproxima da linguagem oral”, disse Moravia numa das suas entrevistas. 

 

Mas, se os livros de conteúdo social me entusiasmavam, outros, que nada disso oferecem, também me atraíam. Era a pureza literária a dispensar outros predicados, embora juntos pudessem, sem dúvida, se enriquecer ainda mais. Mas como a beleza se impõe! E lembro estes versos magníficos de Ricardo Jaime Freire, transcritos num livro de Jorge Luís Borges:

 

Peregrina Paloma imaginaria

Que enardeces los últimos amores,

Alma hecha de luz, de música y deflores,

Peregrina Paloma imaginaria.

 

E o comentário de Borges: “Esses versos não significam absolutamente nada. Mas para mim são inesquecíveis”.

 

(Oscar Niemeyer, Nas Curvas do Tempo – Memórias, Campo das Letras)

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