Sobre rumores, sobre tremores, sobre tumores, uma análise do capitalismo moderno, por Júlio Marques Mota

(Continuação)

 

Jean-Pierre Jouyet completa rapidamente a parte “recomendações” da sua nota: “Nestas condições, a suspensão das transacções sobre certas operações de carácter especulativo justifica-se plenamente. Uma diligência neste sentido junto da Autoridade europeia dos mercados, em concertação com os nossos homólogos alemães, é uma medida acertada. A directiva de 2011 sobre as vendas a descoberto prevê-o explicitamente no caso “de perturbação grave do mercado”.”


Chama um funcionário para que faça chegar a nota ao secretário-geral, pega no casaco e desce. À parte, alguns turistas americanos meio-perdidos, a praça Vaudeville está praticamente vazia nesse sábado, pelo meio-dia. O seu encontro espera-o, folheando o Libération. O diário de esquerda sonha numa grande “caixa” sobre uma vaga socialista nas “legislativas”. Os dois homens abraçam-se. Encomendam um dos pratos do dia. Vendo o ar curtido do seu amigo, Jean-Pierre Jouyet interroga-se se não teria feito melhor em permanecer advogado.

 

– Tens bom aspecto.


– Trabalho de grupo em Zermatt. E aqui?


– Crise aguda. Não se sabe qual vai a forma que irá assumir na semana seguinte. A rotina, que…


– Jantei ontem com François. Diz-me que há um verdadeiro debate no partido, que se julga estarmos a caminhar para um referendo. As pessoas estão fartas. Não vêem nenhum interesse em permanecer neste constrangimento. O discurso do Frente nacional faz o seu caminho nos espíritos. Jean-Pierre, o tabu está a cair. E isto não é necessariamente uma má notícia.


– Não te vais meter nisso, tu também.


-Poderia devolver-te o cumprimento. Esta história grega é grotesca. Passou-se-lhes um cheque no ano passado e continuam a estar pregados ao chão. Ninguém compreendeu nada a quem é que os bancos pagavam realmente. E de novo, cozinha-se um novo prato de medidas de apoio por pacotes de 50 mil milhões. Tudo isto se está a transformar numa farsa. É necessário deixá-los sair. Saldam-se as contas. Assume-se as perdas. Eles saem e dentro de alguns anos voltam a candidatarem-se. As condições são claras.


 

– E imaginas por um segundo que as coisas vão aí parar? O problema é que isto já não se limita desde há muito tempo só à Grécia. Em que planeta é que vivem estes teus amigos?


– Se não se faz nada, o que é que tu pensas que se vai passar? Ganha um pouco de distanciamento. Estamos a enterrarmo-nos, Jean-Pierre. Estamo-nos nas tintas. Olha o golpe de Moody’s. Pode ser muito agradável chamá-los de idiotas e de manipuladores. Mas há mesmo assim razões. É certo, assume-se o risco de um cenário do tipo “Neuro”, um euro bem limpinho reservado aos Europeus do Norte. É para isso que é necessário um plano B, Jean-Pierre. Em nome de quê? Em nome de quê, peço-te, é que ficamos na recusa e muito mais tempo. Por fidelidade à Musca e a Trichet? Para os recompensar de todas as noites passadas a negociarem em 1990-1991? Para agradar a Delors? Não é honesto. É necessário olhar um pouco para o futuro. Não há três opções: ou se sacrifica a Grécia, ou se federaliza. Os mercados não seriam contra um apoio incondicional.


– É fácil ser radical quando se está na oposição, ou quando se está esticado numa cadeira à beira de uma piscina em frente de Cervin. Há porém uma via mediana, mais difícil mas mais responsável. É aquela que se tenta seguir com o Clube Kirchberg.


– Que Clube Kirchberg é esse? Os mercados não compreendem nada disso. Esta história “de colocar em falência”, “de risco moral”, o que é isso quer dizer? Reestruturar, mas para fazer o quê, Jean-Pierre? A Argentina fê-lo por duas vezes em 2001, antes de entrar em incumprimento. É necessário sair da zona de forte nevoeiro. Se nós suprimirmos a incerteza, resolve-se 80% do problema.


– Nem consigo acreditar que defendes um tal discurso.


– Mas és tu que estás a sonhar! Põe-te no lugar dos alemães e dos holandeses. Vão ficar castanhos. A única solução, é dizer-lhes que assumam os seus prejuízos agora e que se desembaracem do problema. Isto entre nós, sabes bem que efectivamente eles já começaram a fazê-lo desde pelo menos há um ano. Tenho um cliente que provisionou mais de 60% sobre os seus créditos sobre a dívida grega. A Grécia pode tornar-se uma nova Maiorca ou bem pode tornar-se no veneno fatal da Europa… Que ela saia, então!


– O euro é o símbolo mais representativo da realidade europeia que já se viu desde há mais de cinquenta anos. Ao contrário, imagina, pode ser o símbolo do desfazer as malhas da união monetária.


– Jean-Pierre, eu estava em Frankfurt na semana passada. Almocei com um dos seus economistas. Adivinha o que este me disse entre a fruta e o queijo? “Ah, les good old days das desvalorizações!” No BCE. Em Frankfurt. Os tipos não vêem o fim. Porque é que deveriam ser só eles a saber? Ao nome de quê é que mantêm as pessoas na ignorância?

 

Tudo isto foi mais do que o antigo director do Tesouro era capaz de suportar. Este pensava encontrar um pouco mais de conforto junto de um camarada. Sentia-se como um aluno que tinha levado um sermão. O seu telemóvel vibrou. Pede desculpa, afasta-se um pouco e, depois, volta.

 

«É Xavier. Tenho que ir rapidamente. Desculpas-me.

 

– Está à vontade… Deixa, pago eu.»

 

Jean-Pierre Jouyet afasta-se. O Presidente de uma autoridade independente não responde imediatamente a uma convocatória do Executivo. Ninguém é verdadeiramente estúpido. Mas as aparências são salvas.

 

Philæ

 

(Continua)

 

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