OS HOMENS DO REI – 26 -por José Brandão

Nuno Álvares Pereira (1360-1431)

 

 

D. Nuno Álvares Pereira. É um dos 26 filhos conhecidos do prior do Crato, D. Álvaro Gonçalves Pereira. Foi sua mãe Iria Gonçalves do Carvalhal, senhora da nobreza que teve do referido prior do Crato dois filhos, além de D. Nuno. O prior Álvaro Gonçalves legitimou sete filhos, um dos quais Nuno Álvares.

 

Nascido, pelo S. João de 1360, em pleno coração do país, numa abadia militar da Ordem, a de Cernache de Bonjardim, na Beira Baixa, ali foi criado e crescendo junto do pai, pelos vaticínios do horóscopo dum Mestre Tomás, astrólogo, que à nascença lhe prediziam um glorioso destino de cavaleiro invencível.

 

Seus pacatos anos de infância os viveu, longe do mundo e do seu tumulto, adestrando-se no exercício das armas, na equitação, em ardis de guerra, e enlevado nos mistérios litúrgicos dos ofícios divinos e em suas leituras de maravilhosas lendas do ciclo do rei Artur. O cavaleiro puro, de assombrosas façanhas, fizera o seu modelo ideal de regra de vida cavaleiresca; e, no silêncio da sua alma, fizera como ele o voto íntimo de virgindade, castidade perfeita, para que, por essa virtude, viesse a realizar grandes feitos de armas.

 

Sendo filho ilegítimo e nem sequer o primogénito, a D. Nuno Álvares Pereira cabia-lhe escolher carreira nas armas ou na igreja. Escolheu as duas, cada uma a seu tempo. Em 1377 casou com Leonor de Alvim, senhora viúva, filha de João Pires de Alvim, de quem teve uma filha única, D. Beatriz Pereira de Alvim, nascida em 1380.

 

Seu pai o levaria, por vezes, ainda menino, ao poderoso mosteiro-fortaleza da Flor da Rosa, no Crato, grande Comenda da Ordem, na fronteira do Alto Alentejo.

 

E aos treze anos o levou a apresentá-lo na corte, então a coberto dos muros de Santarém, onde o rei D. Fernando se refugiara da invasão castelhana de 1372, com a rainha adúltera D. Leonor Teles, sem esboçar sequer um gesto de resistência; e logo ali despontava o génio militar do moço Nuno Álvares, num reconhecimento a que seu pai o mandou, com alguns cavaleiros e escudeiros da Ordem, a observar a passagem, perto de Santarém, do exército invasor sobre o seu objectivo estratégico – Lisboa.

 

Entusiasmada com as lúcidas informações do moço, a rainha o tomou então para seu serviço na corte, instigando o rei a armá-lo cavaleiro, servindo-se das armas e do reduzido escudo doutro moço, apenas um ano mais velho do que ele, o bastardo real D. João, já Mestre de Avis.

 

Quase 30 dias após o início dos trabalhos, o Parlamento, por unanimidade, elegera o Mestre de Avis. Foi uma unanimidade conseguida mais pelas ameaças de violência do fogoso condestável D. Nuno Alvares Pereira do que pelas razões do jurista João das Regras. De qualquer modo, uma unanimidade útil.

 

Útil, porque de extrema conveniência para efeitos de diplomacia internacional, na cúria do papa designadamente. Mas, porque forçada, interinamente questionável. Como questionável foi todo o processo, a começar pela legitimidade da convocatória das cortes.

 

Quando o rei Fernando de Portugal morreu em 1383, sem herdeiros a não ser a princesa Beatriz casada com o rei João I de Castela, Nuno foi um dos primeiros nobres a apoiar as pretensões de João, o Mestre de Avis à coroa. Apesar de ser filho ilegítimo de Pedro I de Portugal, João afigurava-se como uma hipótese preferível à perda de independência para os castelhanos. Depois da primeira vitória de Álvares Pereira frente aos castelhanos na batalha dos Atoleiros em Abril de 1384, João de Avis nomeia-o Condestável de Portugal e Conde de Ourém.

 

Ao cabo de mais sete anos de grande lavrador, em 1422, num acto de renúncia total, repartiu em vida pelos netos o que lhe restava da sua imensa fortuna; distribuiu pelos escudeiros e fiéis servidores da lavoura os seus haveres pessoais – armas, cavalos, cães, jóias, roupas, mobília. Ficava pobre, o que fora o poderoso conde de Ourém, Barcelos e Arraiolos e glorioso Condestável de Portugal, e entrava em religião por humildade e misticismo ardente no seu convento do Carmo, como frei Nuno de Santa Maria, sob uma grosseira samarra de tecido tosco, que mal o resguardava do frio. Em penitência dos seus pecados a remir, actos de violência, de agressão, de orgulho, de mortandades da guerra, os seus últimos anos andou esmolando pela cidade para os pobres, a quem na cozinha do convento ele próprio servia, de grandes caldeirões, a sopa que à sua custa mandava fazer. O Santo Condestável ouvia duas missas por dia, e três aos sábados e domingos.

 

A Igreja prescrevia abstinência de carne todas as sextas-feiras em que não recaísse alguma festa. Recomendava jejuns nas vigílias dos principais santos. Toda a Quaresma era de abstinência e de jejum frequentes. Nuno Álvares costumava jejuar três vezes por semana.

 

Assim viveu ainda mais nove anos, até 1431, um ano antes da morte do rei, seu irmão de armas, a quem consolidara no trono, fundador da dinastia que faria a glória maior da sua Pátria.

 

Foi condestável do reino e mordomo-mor. Recebeu de D. João I os títulos de 3º conde de Ourém, de 7º conde de Barcelos e de 2º conde de Arraiolos. Professou em 1423 na Ordem dos Carmelitas, tomando o nome de Frei Nuno da Santa Maria.

 

Mandou edificar o Convento de Santa Maria do Carmo, em Lisboa, onde morreu, já com fama de santo.

Morria com 71 anos, glorificado como herói pelo rei, pelos príncipes, pelos grandes do Reino e, como santo, pelo povo humilde, pelos pobres, pela legião de maltrapilhos, a quem socorrera com cristianíssima caridade, como lealmente servira a sua Pátria.

 

Ficou sepultado em campa rasa, no claustro da igreja do seu convento.

 

A seguir: Fernão Lopes

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