Aceitação dos mitos da violência doméstica e variáveis preditoras – II, por Ana Afonso Guerreiro

II

 

“Prefiro não ver” – Aceitar os mitos da violência doméstica

 

                No início, uma relação amorosa vive marcada pelo romantismo (Samson, 2010), ou seja, nesta fase inicial o casal vive ao rubro o amor romântico, encontrando-se num estado de imaginação e idealização permanentes, sonham que viverão juntos e felizes para sempre. Neste período, os defeitos do outro são entendidos como qualidades e será especialmente propício aceitar os mitos da violência doméstica. Falamos por exemplo, de acreditar que «Ele não é ciumento, só me ama loucamente.» (Samson, 2010) ou «Se foi agressivo é porque perdeu a cabeça.»


            De facto, todos nós já ouvimos dizer que o ser humano tem a tendência generalizada de tentar explicar o mundo que o rodeia. O tipo de atribuições que fazemos é de facto (pelo menos em parte) determinado por crenças que estão enraizadas na sociedade (Valor-Segura, Expósito & Moya, 2008). A literatura sobre violência de género mostra que as atribuições do fenómeno são muitas vezes influenciadas por mitos e estereótipos de género e por diferenças na percepção da violência doméstica por homens e mulheres. É possível que as crenças sexistas (hostis e benévolas) influenciem a sociedade na percepção sobre a violência doméstica (Valor-Segura, Expósito & Moya, 2008).


Vejamos então, alguns exemplos de mitos da violência doméstica: «A violência doméstica não afecta muita gente», ou seja, as pessoas tendem a negar a existência da violência doméstica, não a reconhecendo e desvalorizando a sua ocorrência; «Quando um homem é violento é porque perdeu o controlo do seu temperamento», justificando e tolerando deste modo comportamentos agressivos; «Se uma mulher continua a viver com um homem que lhe bate, então a culpa é dela se ele lhe bater outra vez», significa que as pessoas tendem a culpar a mulher que, por diversos motivos (por exemplo: medo, dependência económica, entre outros) permanece com o parceiro que a agride; «Fazer ciúmes a um homem é “estar a pedi-las”» (culpabiliza-se a mulher); «Os homens violentos perdem o controlo de tal maneira que não sabem aquilo que fazem», ou seja desresponsabiliza-se o homem (Peters, 2008).


Assim, os mitos  da violência doméstica são na realidade crenças falsas, infelizmente comuns, usadas para minimizar, tolerar, negar ou justificar a existência de violência doméstica (Peters, 2003). Ao considerarmos que a sociedade acredita, aceita os mitos da violência doméstica é levantado um problema no que se refere à manutenção deste fenómeno, na medida em que, a violência doméstica é um problema social com graves implicações sociais, económicas e na saúde dos indivíduos (Heise, 1994 cit. in Giffin, 1994). Por outro lado, Rush (2000, cit. in Paiva & Figueiredo, 2003) apresenta a questão da violência contra a mulher não apenas como um problema social, mas também como um problema de saúde pública.

 

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Ana Afonso Guerreiro nasceu em Faro em 1978. É Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve, tendo apresentado a dissertação Aceitação dos Mitos da Violência Doméstica e Variáveis Preditoras.

 

É doutoranda em Psicologia Social, também pela FCHS da Universidade do Algarve. Profissionalmente, trabalha para a Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson (APDPk), assegurando a coordenação técnica da Delegação do Sotavento Algarvio. Tem a seu cargo a orientação de um projecto de intervenção junto dos doentes e dos seus cuidadores, e a dinamização de grupos de auto-ajuda.

 

Também dinamiza um grupo de auto-ajuda sediado em Lisboa.

   

 

 

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