UM PROVEDOR DO ESPECTADOR OU DO GOVERNO? – por Paulo Rato

 

Hoje assisti a algo que, ingenuamente, considerava impossível: um programa do Provedor do Telespectador, manipulador e desonesto, que se posiciona sem ambiguidades do lado do programa do actual Governo. Isto é, o Provedor assume publicamente ser apenas mais um empregado do Governo, por interposta RTP, SA.

O tema anunciado do programa seria o debate do Serviço Público (SP) de televisão e a intenção governamental de privatizar, pelo menos, um dos seus canais.

Ora, o Provedor, que suponho ser Professor Universitário – o que, embora não seja garantia de cultura e inteligência, permite presumir alguma informação acumulada – não encontrou mais ninguém para convidar para este “debate” senão os seguintes personagens: Pacheco Pereira, do PSD e inimigo declarado do SP, por razões que nunca conseguiu explicar satisfatoriamente, a não ser pela confissão – facilmente dedutível dos seus parcos argumentos – de que, se integrasse o poder, seria incapaz de resistir à tentação de usar o SP em seu favor… e que conseguiu a proeza de usar uma frase assaz idiota e indigna dos seus pergaminhos intelectuais, do tipo (não é sic) “se o Estado não tem (ou vai deixar de ter) empresas de fornecimento de energia ou de água, bancos, transportes… porque há-de ter uma empresa de SP de Comunicação Social?”, que tem o mesmo nulo valor argumentativo da inversa: “se tem SP de rádio e TV e (já agora) SNS, etc., por que não há-de continuar a ter os que ainda possui e alguns dos que já privatizou?”; Zita Seabra, do PSD, que alinhavou umas banalidades copiadas do que o seu Governo “programou”, mais umas coisas culturais, que parece que é ao que se deve remeter, em exclusivo, o SP; e Pedro Mexia, que suponho independente, intelectual que estimo, mas declaradamente de direita e, portanto, dificilmente capaz de fugir à ideologia que domina a posição da direita portuguesa nesta matéria (no estrangeiro, há gente de direita mais esclarecida e com mais apurado sentido do que é o SP).

 

Estranhamente, o Provedor foi “incapaz” de descobrir alguém que defendesse ideias contrárias à privatização do SP, à peça ou a granel, que contrapusesse argumentos racionais e informados às banalidades proferidas pelos seus ideologicamente monolíticos convidados, inclusive às sugestões de reduzir o SP à satisfação de necessidades
culturais de públicos minoritários, precisamente as mesmas que foram utilizadas, em anterior Governo do mesmo PSD, com objectivos opostos (!), para tentar privatizar as Antenas 2 e 3, da RDP, e “um canal” da RTP!

 

Inegável é ser esta uma questão cujos reais fundamentos são ideológicos, porque ideológicas são as razões únicas das posições que se opõem (os argumentos económicos não passam de um fantoche risível, que se agita perante o povo mais desprevenido, sempre pronto a aceitar sem discutir os espantalhos da crise, da tróica, dos sacrifícios inevitáveis e outras trapalhices: atrás da cortina do teatrinho de bonifrates escondem-se as razões do que a empresa gasta no cumprimento das diversíssimas funções que lhe são cometidas – gastos, aliás, que apenas são transferidos para outras instituições se, p.e., a RTP,SA vender o seu património histórico – a quem, com que competências para o manter e tratar?!) Sublinhe-se que o Provedor não referiu uma linha dos muitos documentos que existem, historiam e justificam a existência de um SP de rádio e TV, quer se trate de estudos académicos, resoluções de instituições como a UER, de organismos sindicais de âmbito mundial, como a UNI-MEI, da UE e de, pelo menos, uma comissão, criada no seu âmbito, para analisar este tema.

Para completar o programa, o Provedor aproveitou as declarações de três “populares” que repetiram o que ouvem quotidianamente nos média sobre os “gastos” e a “crise” e, à laia de compensação, terminou com a citação de um email de uma telespectadora que louvava a informação da RTP…

Nunca lhe ocorreu, nem a nenhum dos seus convidados (algo tão previsível, que não me desperta a mínima perplexidade), debater a importância deste SP na existência de um regime político que se possa designar, com propriedade, por Democracia; nem indagar se os “critérios jornalísticos”, constantemente invocados pelos operadores privados para cavar desigualdades de tratamento cada vez maiores entre os “grandes partidos” e os “pequenos partidos”, entre as ideias dominantes e as menos difundidas, não contribuiria inevitavelmente – sem a
existência de um operador de SP – para o silenciamento, que já hoje praticam amplamente, de tudo o que, ideologicamente, se afastasse do “centrão”, onde se insere o partido que, tão diligentemente, mostrou servir; ou como poderia esse SP, se não mantivesse programas menos “nobres”, de modo a não alienar a maioria dos seus espectadores, conservar um nível de audiências que tornasse eficaz a difusão e debate de temas menos aliciantes.

O que também me incomoda, já que integrei vários Conselhos de Opinião, desde a RDP à RTP,SGPS – de que ficaram relações de amizade com alguns elementos do actual CO – é a suspeita, que agora se me insinua, de a reprovação para o cargo, por parte deste órgão, de uma Professora academicamente respeitada e com trabalhos de valor sobre o SP de rádio e TV, não passar de uma hábil manipulação, tendo como objectivo eleger para o cargo alguém tão flexível e adaptável aos objectivos governamentais, como o actual Provedor demonstra ser.

Ao Provedor do Telespectador, enviei o seguinte resumo, com cópia para o Conselho de Opinião.

“Hoje assisti a um programa do Provedor do Telespectador, manipulador e desonesto, claramente coincidente com objectivos do actual Governo… Tema do programa: o Serviço Público (SP) de televisão.

Ora, o Provedor só encontrou para intervir neste “debate”: Pacheco Pereira, PSD e inimigo declarado do SP… criador de uma frase do tipo “se o Estado não tem empresas de energia, água, transportes, bancos, porque há-de ter uma empresa de SP de CS?”, que vale o mesmo da inversa: “se tem SP de rádio e TV, SNS, etc… porque não há-de ter uma empresa de SP de CS?”; Zita Seabra, PSD, que repetiu a cartilha do seu Governo; Pedro Mexia,intelectual que estimo, mas declaradamente de direita, incapaz de fugir à posição dominante da direita Portuguesa nesta matéria. 

O que o Provedor não descobriu foi quem defendesse o SP e se opusesse à sua privatização, à peça ou a granel.

 

Não lhe ocorreu debater a importância deste SP na definição de um regime político que se possa designar, com propriedade, por Democracia; nem indagar se os “critérios jornalísticos” dos operadores privados não conduziriam
inevitavelmente – sem o operador de SP – ao silenciamento de tudo o que, ideologicamente, se afastasse do “centrão”, onde se situa o partido que tão diligentemente serve; ou como seria um SP que não mantivesse programas menos “nobres”, conservando um nível de audiências que torne eficaz a difusão e debate de temas menos aliciantes.

Como já integrei os Conselhos de Opinião da RDP e RTP,SGPS, incomoda-me a suspeita de a reprovação, por este órgão, da anterior candidata ao cargo, não passar de uma hábil manipulação, para eleger alguém tão flexível e adaptável aos objectivos governamentais como o actual Provedor demonstra ser.

A minha queixa é esta: o Provedor designado não cumpre, com isenção, as funções para que foi nomeado, traindo os interesses dos telespectadores e da Democracia. É claro que não deposito a menor esperança em que esta “queixa” não morra logo na recepção.

Pelo que não deixarei de difundir o seu conteúdo por algumas instituições (a começar pelo CO) e personalidades.

Paulo Rato”

 

7 Comments

  1. Depois de escrito o artigo, fui informado, por um amigo (do PS) e velho companheiro de andanças anti-fascistas de que o tal Provedor tinha dedicado o seu programa anterior (que podem descobrir no sítio da RTP) aos “defensores” do SP. Antes de ver esse programa, reenviei-lhe mais algumas reflexões:«Tenho de ir ver, para completar a minha análise. Mas, desde já te avanço umas opiniões, que duvido que venha a ter de alterar: considero que “a ordem dos factores”, em casos como este, não é arbitrária (nem inocente); mesmo à direita, há gente mais capaz de se pronunciar sobre o SP com argumentação mais sólida (só que, esses, em geral, não são tão basicamente contra ele, o que é uma grande chatice para os fiéis servidores das negociatas dos governos do PSD – nalguns casos, que não me esqueço dos antecedentes do ataque barrosista de 2002, com a prestimosa colaboração de uns “Armandos Varas” e a distracção ou oportunismo de outros teus camaradas…; a posição do Pacheco Pereira é, por mui intelectual que seja o autor, ridícula, frágil e – como refiro – a confissão de que, se fosse poder, não resistiria a tentar manipular, em seu favor, o SP, o que significa que nem ele se considera uma pessoa honesta e íntegra, o que é problema dele, comum – como se prova – a muita gente, mas só generalizável por abuso especulativo e desonestidade intelectual; quanto à Zita, só me espanta que uma “editora” não consiga equacionar mais que os poucos e indigentes argumentos que utilizou.Em última análise, o Provedeiro deveria saber que não é assim que se fazem programas de televisão sobre temas controversos, como estes, pois não pode fugir à realidade de não ser obrigatória a assistência semanal ao seu programa, mesmo por parte de gente interessada. Deveria, recolhidos os elementos (se é que o fez com algum critério coerente…), dividi-los pelas edições do seu programa que fossem necessárias (e adequadas…), permitindo que o espectador apreciasse, na mesma edição, opiniões distintas. Assim, mesmo para um espectador comum que tenha visto os dois programas, o que adquire maior relevo são as últimas opiniões emitidas. Em qualquer caso, insisto em que assisti a um péssimo programa de televisão, de onde a manipulação não andou ausente (a menos, que o senhor, apesar do “currículo” com que se apresenta, seja mesmo estúpido…)».(continua)

  2. (continuação)Fui ver o tal programa anterior e eis o que se me ofereceu dizer (a esse amigo):«Pois é.A intervenção do Arons de Carvalho é a única que revela um profundo conhecimento do tema e que, por isso mesmo, é clara e bem estruturada: o que, em minha opinião, lhe faltou, deve-se ao amadorismo das questões postas por um Provedor que não tem a lição bem estudada. A do Jacinto Godinho é um tanto errática e as perguntas do provedeiro não o ajudaram. Ao Narana Cossoró, nada é perguntado: trata-se de um mero depoimento, amador, vago, que se fica pela rama das questões, cingindo-se à difusão da “cultura” nacional, sobretudo externamente… o que mais se aproxima das inanidades da Zita e em nada contribui para a justificação (mais do que a defesa) da existência do SP, com os seus diversos canais, indispensáveis ao cumprimento das suas funções. Dos “populares” ouvidos, só um sabe, razoavelmente, do que está a falar, o que é assaz “conveniente”.”Dunque”…, como pensava, o conjunto dos dois programas não me convence. Quem soubesse o que estava a fazer e, como Provedor do Telespectador, tivesse consciência de que não lhe caberia, sequer, duvidar da necessidade da existência, não apenas de um SP, mas de uma empresa expressamente concebida e devidamente apetrechada para cumprir cabalmente as funções que, obrigatoriamente, lhe cabem, teria colocado o depoimento de Arons de Carvalho em último lugar, precisamente pelo seu evidente “peso” científico e intelectual, sendo o único que ultrapassa o feixe de considerações desconexas e imprecisas atribuíveis a quase todos os declarantes, à excepção do Jacinto Godinho. E teria aproveitado para lhe colocar algumas questões pertinentes, como a da importância do SP para a defesa e consolidação de uma Democracia que não se queira “de fachada”. Continuo a discordar da “separação” das “opiniões” em programas diferentes e distantes no tempo, não permitindo uma aferição consciente das diferentes “declarações”. Com pouco esperança e muita desconfiança, fico a aguardar que o Provedor exprima a sua opinião, se é que a tem e, já agora, como deve ser, a favor do SP: se assim não é, que raio de investigação levou o Conselho de Opinião a ratificar a sua escolha?»

  3. Caro Paulo: não há uma posição «de direita» sobre o serviço público, como se vê pelo facto de os dois partidos da coligação terem opiniões diferentes sobre o assunto. E mesmo noutros países não há, felizmente, uma posição de direita, mas várias, diferentes conforme a cultura política de cada país e o argumentário de cada pessoa. Quanto ao facto de as minhas opiniões serem ideológicas, com certeza que são, todas as posições políticas são ideológicas, por isso é que são políticas. Se bem que o meu principal argumento (não quero pagar com os meus impostos futebol, concursos e novelas) possa ser subscrito por um comunista, um socialista, um liberal ou um conservador. De resto, não sou contra o serviço público, nem pela privatização dos dois canais. Mas permita-me achar que o Fernando Mendes não é serviço público que deva ser pago com os impostos dos portugueses.

  4. Caro Pedro Mexia,Era isso mesmo que se poderia depreender do que escrevi (haver várias posições da direita sobre o SP de rádio e TV), embora pense – admito que erradamente, não sou deus nem cavaco silva – que seja difícil, a quem se insere numa certa “comunidade de ideias”, ainda que difusa e complexa, afastar-se de algumas posições mais esquemáticas que a atravessam. Há razões para isso, ainda que, por vezes, a personalidade de algumas pessoas lhes permita esse distaciamento.Subscreveria boa parte do que escreveu, ainda que não esteja de acordo com o que afirma sobre um programa de que também fujo. Por razões que já expliquei tantas vezes que não vou insistir em fazê-lo uma outra (o que lhe peço que me desculpe, mas, embora aposentado, tenho uma quantidade de ocupações culturais que, dadas a fragilidade e incerteza da vida humana, acabam por se tornar, senão inadiáveis, pelo menos, prioritárias).Mas o Pedro Mexia é uma das pessoas que só conheço de obra literária (e só parte), algumas coincidências de presença em acontecimentos culturais e das crónicas (que não perdia, quando consumia o “Público” – aliás, usei uma delas, que considerei trabalhada com particular maestria poética, ainda que como prosa se apresentasse, num programa de poesia que tive na Antena 2) que mais prezo, não só intelectualmente, mas também pelo carácter que transparece de tudo o que lhe conheço. Gostaria mesmo de conversar amenamente consigo sobre alguns aspectos desta tema que não são imediatamente apreensíveis por quem não se lhe dedica com mais profundidade; o que não significa que espere que, sobre elas, esteja de acordo comigo. Mas, precisamente, porque a inteligência, a cultura e um certo modo de olhar a mundo – e as coisas nele – são sempre aliciantes e, para mim, enriquecedores. Talvez venha a ser possivel.Aceite um abraço deste desconhecido, às vezes com “mau feitio”, sobretudo quando está em causa a “polis” e o respeito por cada cidadão dela, mas mais tolerante do que possa parecer.

  5. Caro Paulo, eu não sou um especialista do tema, nem me apresento como tal, tenho apenas uma opinião de cidadão, naturalmente enquadrada nas minhas convicções políticas, que por alguma razão são políticas. Conversamos quando quiser. Cordialmente. PM

  6. Caro Pedro,Vou pedir a um dos coordenadores do Blogue que lhe faculte o meu mail pessoal, para, eventualmente, combinar essa conversa. Se não me engano, já não está na Cinemateca, o que seria uma referência; mas vamos por esta via. Cordialmente. PR

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