Nota de abertura
Um grande banco caiu, mais um.
Júlio Marques Mota
É degradante ver os dirigentes políticos estarem a afundar as nossas sociedades e que isto seja feito perante o silêncio da maioria das suas vítimas, nós todos. Como alguém parece ter sublinhado, isto mais parece um grande paquete no alto mar e que em plena tempestade abriu um rombo no casco e onde o timoneiro, com toda a gente a dormir, abandona o leme deixando o barco à deriva e com uma colher de sopa a água quer tirar, a água que a jorros pelo rombo aberto está a entrar. Assim se deixa o barco afundar. E quase todos nós continuamos a dormir.
Publicámos recentemente uma longa série de textos com o titulo Rumores, Tremores, Tumores. Quando esta série acabou foi dito que a série ia continuar por outras vias, pelos comunicados da Moody’s, da Fitch, da Standard na d Poor’s, o que se verificou. Depois a história, com o artigo do Robert Reich continuou a ser contada mas pelo outro lado do Atlântico. E voltou de novo às capitais europeias. Um grande banco caiu, mais um, Dexia, e tudo isto se deve claramente à incompetência e à inconsciência dos nossos dirigentes políticos que entendem que praticamente nada devem fazer de estrutural nas nossas sociedades, porque disso se encarregam os mercados, e estes são sempre eficientes, clarividentes, mesmo que nestes os operadores já se estejam a destruir uns aos outros em nome dessa eficiência dos mercados tão reclamada.
Pânicos criados, manipulações sobre os mercados que afinal não são transparentes mas sim opacos, mesmo os mercados cambiais levaram estranhamente a uma falta de dólares na Europa, por exemplo, pânico criado sobre cada país e os capitais da burguesia que nunca tiveram pátria claramente a fugirem, os depósitos dos bancos, e os bancos a ficarem sem liquidez, pânico criado sobre o valor do euro e eis a Suíça a gritar que não quer ver mais o valor do franco suíço a subir desmedidamente, rumores de que num ou outro país, um dos seus grandes bancos tenha muitos títulos da dívida soberana de um outro Estado em dificuldade e eis a especulação a descoberto, eis os CDS totalmente a descoberto, naked CDS, eis até mesmo até a venda coberta, ou seja a venda de quem tem os seus títulos e com os rumores tem medo das descidas, fica cheia de tremores e vende, vende disparatadamente e na sociedade cria-se assim um verdadeiro tumor. Pânicos de várias origens, sobre vários agentes, tudo isto a desencadear uma corrida à venda, mesmo do que se não tem porque assim se há-de ganhar, tudo isto a desencadear vendas em massa e os bancos a afundarem-se, mas não só os bancos mas também as empresas que não entraram nessa onda de pânico e em que esses mesmos títulos fazem parte dos seus capitais próprios. porque se degradam todos os seus activos ao valor de cada momento na onda de pânico criada.
Uma pequena história imaginada, como todas as histórias verdadeiras assim são, há mais de um século, para melhor tudo isto se perceber. Alguém vendeu no mercado de Chicago, para entrega em Julho, milhões de toneladas de trigo a 10 dólares o alqueire, no mercado de futuros, o mercado onde se vende o que se não tem e se compra o que não se quer . E ia vendendo em Janeiro, em Fevereiro, em Março, milhões de toneladas por mês, do trigo que ainda estava a germinar nas searas deste mundo e que dele estas não eram. Vendia pois o que não tinha. Em Abril apercebeu-se que o tempo tinha estado mau e os primeiros sinais começaram a sentir-se no mercado de futuros, os contratos começaram a aumentar de valor. E a seca apareceu, e os preços continuaram a subir. Novo salto inesperado nos valores do trigo agora já a 15 dólares o alqueire e em cada alqueire perdia nessa data 5 dólares. E o nosso especulador, vendedor do que não tinha, começou a perceber que estava falido, pois 5 dólares por alqueire e muitos milhões vendidos, era uma fortuna que assim tinha perdido. Imaginativo, como qualquer latino que se preze, como qualquer português que em Sócrates ou em Passos Coelho não tenha votado para não assumir ser aldrabado, pegou no seu Ford Mustang de um século mais tarde, mas não comprado em segunda mão ao Steve McQueen depois do filme Bullit, colocou dentro dele dois a três garrafões não de vinho, não de azeite, mas de água um pouco suja com poeira. Chegado perto, muito perto do Chicago Board of Trade, colocou uma gabardine no corpo ainda a tremer, despejou os garrafões sobre si-mesmo e sobre um guarda-‑chuva já aberto. Pegou no quarda-chuva a escorrer entrou na Bolsa e gritou, gritou: está a chover, a chover muito. Imediatamente os preços desceram, desceram, o nosso especular tomou todas as posições inversas às que tinha assumido, voltou a comprar mas em baixa e fugiu, fugiu para bem longe, para onde ninguém o pudesse matar… E desta forma, não faliu. Um rumor, um tremor, a dinâmica do medo, e o resto acontece naturalmente.
Anedótico isto? É uma anedota que nos vem da noite dos tempos idos, já bem volvidos, é uma história que nos vem desde Tales de Mileto.
O primeiro especulador com opções de que se tem registo foi Tales de Mileto, um astrónomo e um grande filósofo grego. Segundo Aristóteles, Tales “sabia pelos seus conhecimentos das estrelas, ainda no inverno, que ocorreria uma grande colheita de azeitonas no ano seguinte. Tendo pouco dinheiro, ele reservou todas as tulhas disponíveis nos lagares de Chios e Mileto, pagando taxas bastante baixas porque não haviam muitos interessados em reservar as tulhas para azeitona, já. Adicionalmente vendeu muito azeite ao preço corrente para entrega futura, para entrega diferida como se dizia no século XIX. O azeite comprou-o na altura em que se moeu a azeitona, nos lagares, que depois entregou as seus compradores que lho tinham anteriormente comprado bem mais caro e embolsou a diferença. Quanto às tulhas, aí ganhou igualmente uma outra fortuna, pois uma colheita abundante e uma grande procura pelos agricultores dessas mesmas tulhas fez disparar o preço de aluguer dessas tulhas, desses depósitos onde se guarda a azeitona nos lagares à espera de ser moída. Todos os contratos foram firmados e Thales ganhou em todos os tabuleiros em simultâneo como o fez, com as tulhas e com o azeite. Foi assim por exemplo George Soros com a Indonésia em que a especular contra este país o vergou por inteiro , ao especular contra os títulos e contra os mercados cambiais em simultâneo para saír com o dinheiro ganho com a especulação, dinheiro ganho em rupias, tendo comprado antecipadamente os dólares, em Janeiro, que iria pagar em Outubro com as rupias que da especulação dos títulos havia de ganhar em Outubro. Até nos dólares comprados ganhou, pois comprou-os muito mais barato em Janeiro do que estavam em Outubro de 1998. Informação assimétrica, dirão hoje., depois dos trabalhos inovadores de Stiglitz. Ontem e hoje, hoje e amanhã, a vontade de enriquecer sem ser pelo trabalho é enorme, haja alguém, alguém que regule tudo isto, precisa-se urgentemente.
Desde Agosto, os grandes bancos estão a serem eles mesmo sujeitos às operações com que trabalharam durante muito tempo e com as quais bem nos tramaram. Assiste-se pois aos tubarões dos grandes mercados a comerem-se uns aos outros e o drama é que quando os elefantes se guerreiam quem paga é sempre a erva que fica fortemente pisada, sabem-no bem os africanos. O drama aqui é que por cada banco que nesta Europa é nesta luta vencido somos cada um de nós, europeus, que claramente pelos nossos bolsos bem roubados e tudo isto parece que por toda a gente é isso ignorado. Só assim é que homens como Passos Coelho se atrevem, por ignorância nossa que lho consentimos, a virnos garantir que querem satisfazer rapidamente os mercados. Até quando os deixamos governar assim, até quando não exigimos ao Governo que sejam antes os bancos a servir a economia, a servirem o país que todos somos? Até quando?
E tudo isto se passa em tempo da mais profunda crise , porque contra estes senhores nos mercados nada é permitido proibir-lhes, nem sequer o direito de nos poderem sucessivamente roubar, direito esse que lhes é alegremente consentido. Era de tudo isso que se falava em Rumores, Tremores, Tumores, é agora dos efeitos de tudo isso que nos fala o presente texto, curto mas incisivo, da Attac, France.
Boa leitura.
Coimbra, 7 de Outubro de 2011
Júlio Marques Mota
Intercala-se o comentário de um professor que leu este texto:
Muito obrigado. Confesso que nunca imaginaria Tales empenhado em negócios de azeites, ele que tanto defendia a água, como princípio de todas as coisas…Hoje, já nada me admira mas é uma tristeza ter de aguentar aquilo para que não contribuí.
Um abraço e continue ! A.G.D.
O texto que se segue é um texto da Attac-France.
O banco franco-belga Dexia está em situação de falência, o governo francês e o governo belga concederam com carácter de urgência as suas garantias aos depósitos e estão a organizar o desaparecimento do banco. Dexia tinha, no entanto, brilhantemente passado nos stress testes organizados pelas autoridades em Julho. Com o seu rácio de 11% de capitais próprios parecia estar bem capitalizado. Portanto que valor atribuir às afirmações de segurança proferidas pelo Primeiro-Ministro quanto à saúde dos bancos franceses se um banco desta importância pode desmoronar de um dia para o outro ? Qual é a verdadeira situação dos nossos bancos?..
O percurso de Dexia ilustra bem o comportamento vergonhoso do neoliberalismo bancário e dos erros do Estado. Até ao final dos anos 80, o Crédit Local de France, parte integrante do sector público porque então filial da Caisse des Dépôts et Consignations (CDC), assegurava em toda a segurança os créditos às autarquias locais. A sua privatização e a sua entrada em Bolsa, seguidamente a sua fusão com o Crédit Communal da Bélgica belga para formar Dexia em 1996, abriu o caminho a uma corrida frenética aos lucros em operações perigosas. Dexia não falhou em nenhuma golpada, nem sequer nos subprimes americanos, nem na especulação sobre os produtos derivados, nem na fraude dos empréstimos “tóxicos” às autarquias locais. Em Setembro de 2008, apanhado na tormenta dos subprimes, o grupo foi salvo em situação extrema pelos governos francês e belga que largaram mais de 6 mil milhões de euros. Resgate financeiro sem condições e somente para proveito dos accionistas, que continuaram a aumentar os seus já elevados lucros, enquanto que os activos de valor duvidoso foram mantidos nas suas contas e até aumentaram de 23 mil milhões de euros, que virão assim aumentar em igual valor a dívida pública para os Estados europeus. Hoje o custo do resgate financeiro para o contribuinte, acto II, corre o risco de ser bem elevado.
O problema central é a evolução futura dos activos de Dexia dos quais se suspeita que uma grande parte seja tóxica. O governo porque não quer dar a conhecer o valor do crescimento da dívida pública, pede ao Banque Postale e ao CDC que entrem na dança tentando-os com a actividade de empréstimo às autarquias locais. Mas nem o Banque Postale, nem sobretudo o CDC, já anteriormente solicitado pelo Estado em 2008 para comprar acções de Dexia a 9,90 euros que valem hoje menos de um euro, se querem tornar-se um BAD bank, [um banco de acantonamento de créditos de cobrança duvidosa]. Estes dois bancos, CDC e Banque Postale, reclamam garantias do Estado, que será assim chamado a apagar as perdas.
Esta situação está directamente ligada à irresponsabilidade do Estado francês, que no seguimento da crise de 2008 recapitalizou de maneira espectacular os principais grupos bancários sem nunca estar a exigir, por outro lado, o direito de poder olhar de forma vigilante sobre os seus negócios, sobre as suas actividades. Dexia – assim como muitos outros bancos – pode continuar as suas práticas de alto risco, sabendo que o Estado – e os contribuintes – estarão sempre disponíveis para pagar as perdas. Não temos por conseguinte nem o direito de olhar nem o direito de cidade nos negócios bancários, mesmo quando assumimos os custos das suas falências. Os bancos e a sua gestão devem ser o negócio de todos. Assim, Attac e os Amigos da Terra lançaram na Primavera uma interpelação de cidadania. Por toda a parte em França, às agências bancárias foi-lhes dado questionários em que lhes era solicitado que explicassem de forma precisa os principais aspectos das suas actividades. Destas respostas, fizemos um relatório de análise, que publicaremos no fim do mês. As políticas de crédito cegas, a gestão humana catastrófica, a irresponsabilidade ambiental, a ausência de democracia interna, o que nós aí descobrimos do mundo bancário permite-nos confirmar a ideia que só uma colocação dos bancos sob controlo pelo Estado e pelos cidadãos pode resolver a amplitude da crise actual.
A 15 de Outubro, no âmbito das acções do movimento Os Indignados, convidamos todos os nossos Comités locais e aderentes a agir, a mostrar a sua indignação, de maneira unitária, denunciando quer os bancos quer a negação da democracia que representa a submissão das políticas aos interesses financeiros instigadores de crise.
Attac France, Paris, le 7 Outubro de 2011
E andámos nós a estudar-lhe o teorema para agora termos este desgosto 🙂
Quando se pergunta “Onde estão esses banqueiros? Ninguém os prende, ninguém os penaliza, etc., etc.?”, quantas vezes se ouve a resposta de que não se podem deixar cair os bancos. Mas, afinal, são eles que fraudulentamente os destroem. E nós, cidadãos deste mundo, não fazemos nada.