“Dedicatória Autógrafa de Autor. Estudo de Retórica e Teoria Literária”, livro de Sílvio Castro – por Manuel Simões

 

Estes textos, publicados, na sua quase totalidade, no nosso blogue, foram agora reunidos em volume (Goiânia, Ed. Kelps, 2011), o que nos permite ter uma visão mais orgânica de um estudo, de certo modo pioneiro, da «retórica da dedicatória feita à mão pelo autor no próprio livro e destinada a um outro escritor, em geral um crítico» (p. 9). Trata-se, como se vê, de uma investigação não generalizada às dedicatórias autógrafas e que utiliza como amostra apenas as dedicatórias oferecidas ao Autor, o que confere a este trabalho um valor propedêutico, embora de grande alcance, para uma análise mais abrangente sobre a retórica das dedicatórias, constituindo este estudo «o sentido de uma introdução à questão e de uma derivada elaboração teórica» (p. 12).

 

Como se compreende, estes textos, inscritos nos diversos livros, não são espontâneos como é suposto serem os autógrafos dedicados ao leitor anónimo  no momento da apresentação pública de uma obra. Pelo contrário, são pensados e elaborados tendo em consideração o destinatário e o grau de intimidade entre os dois “interlocutores”, com a particularidade de oferecerem, a maior parte das vezes, um «alargamento do texto e revelação de uma diversa dimensão literária» (p.9), isto é, um primeiro indicador no sentido da descodificação.

Neste aspecto, as dedicatórias aqui estudadas são, em geral, um autógrafo único (em teoria irrepetível), constituindo, por sua vez, um “outro” texto literário que usa processos da retórica como a eloquência ou a própria criação artística (“inventio”) que procura as vias de persuadir o destinatário. Estão neste caso, por exemplo,  a dedicatória de Gilberto Mendonça Teles, «feita em forma de poesia de circunstância» e inserida no volume “Caixa-de-fósforo. Dedicatórias em versos, poemas circunstanciais” (1955-1999): «Ao Sílvio Castro,/ com o abraço amigo e/ os cumprimentos pelos/ belos poemas de ‘Poesia reunida’» (p. 36), ou a de Pedro Lyra, de 1993: «Ao caro/ Sílvio Castro/ este protesto contra a realidade/ de um mundo que insiste em não/ mudar» (p. 51).

 

É evidente, porém, que sendo a dedicatória um lugar textual onde, por força da repetição,os estereótipos irrompem de todos os lados do discurso, também os muitos exemplos recenseados por Sílvio Castro não escapam a tal procedimento. Daí que se evidenciem as expressões de uso como “estima”, “amizade”, “abraço”, “homenagem” ou “admiração”, para só citar alguns exemplos. Acerca da última expressão, talvez o lexema mais complexo usado nas dedicatórias autógrafas – constituindo o modelo privilegiado de lugar-comum dentro do que, em termos gerais, se considera a retórica -, o quadro de interpretações é muito vasto: envolve sinceridade, «gentileza e generosidade», em muitos casos; forma de persuasão (na aparente humildade) noutros; ou simples estereótipo ainda noutros.

 

Ao inserir este seu estudo no âmbito da teoria literária, aplicando os princípios da retórica moderna, Sílvio Castro não renuncia à análise crítica dos vários autores, integrando-os nos movimentos culminantes da moderna literatura brasileira: «geração de 22-30»; «geração de 45»; e «geração de 56». A revisitação da história das ideias literárias no Brasil desse período é sem dúvida mais um elemento enriquecedor de um livro cuja característica principal consiste na originalidade da proposta.

 

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