Tornemos a Europa mais democrática!. Por Jurgen Habermas.- I . Selecção e tradução por Júlio Marques Mota.

A  curto prazo, a crise requer uma muito  maior atenção. Mas para além disto, os actores políticos não deveriam esquecer os defeitos de construção que estão na base, nos fundamentos,  da união monetária e que não poderão ser levantados de outro modo que não seja através de  uma união política adequada: faltam à União Europeia as competências necessárias para a harmonização das economias nacionais, que apresentam divergências drásticas nas suas capacidades de concorrência.


“O Pacto para a Europa” de novo reforçado não faz nada mais do que  reforçar um já velho defeito: os acordos não vinculativos no círculo dos chefes de governo são  ou sem nenhum efeito  ou não são democráticos, e devem por esta razão ser substituídos por uma institucionalização incontestável das decisões comuns. O governo federal alemão tornou-se o acelerador de uma dessolidariazação  que atinge  toda a Europa, porque durante muito tempo tem fechado os olhos em face  da única saída construtiva que até mesmo o Frankfurter Allgemeine Zeitung tem entretanto descrito pela fórmula lacónica: “Mais Europa”. Todos os governos em causa se encontram   desamparados e paralisados  perante o dilema entre por um lado os imperativos dos grandes bancos e das agências de notação e, por outro lado, o seu temor perante a perda de legitimação que os ameaça junto da sua população frustrada. O incrementarismo  insensato  está a trair  a falta de uma perspectiva mais vasta.


Desde o momento  em que o embedded capitalism terminou e que os mercados globalizados da política se dissiparam,  e torna-se cada vez mais difícil para todos os Estados da OCDE estimular o crescimento económico e garantir  uma justa repartição do rendimento  bem como garantir a Segurança  Social à  maioria da população. Depois do desaparecimento das taxas de câmbio fixas, este problema foi desactivado pela aceitação da inflação.  Sendo dado que  esta estratégia provoca custos elevados, os governos utilizam cada vez mais a escapatória das participações nos orçamentos públicos financiadas pelo crédito.


A crise financeira que dura desde 2008 também fixou o mecanismo da dívida estatal às custas  das gerações futuras; e, entretanto , não se vê como é que  as políticas de austeridade – difíceis  a impôr em política interna – poderiam ser  colocadas  em acordo sobre  o longo prazo com a manutenção do nível de um Estado social suportável. As revoltas da juventude são uma advertência das ameaças que pesam sobre a paz social. Pelos menos, reconheceu-se, nestas circunstâncias, que o desequilíbrio entre os imperativos do mercado e a capacidade reguladora da política é  o verdadeiro desafio a enfrentar. Na zona euro, um esperado “governo económico” deveria voltar a dar uma força nova ao pacto de estabilidade desde há  muito tempo esvaziado.


As representações “de um federalismo executivo” de um tipo específico reflectem o temor das elites políticas em  transformar o projecto europeu, até aí  praticado para lá das  portas fechadas, num combate de opinião ruidoso e argumentado, obrigando a arregaçar as mangas e que seria público. Perante o peso dos problemas, esperar-se-ia  que os políticos, sem perda de tempo e sem   condições pusessem as cartas  europeias  sobre mesa a fim de se ilustrar   de maneira intensiva e empenhada  à  população a relação entre os custos a curto prazo e a sua verdadeira utilidade, ou seja sobre o significado histórico do projecto europeu.


Deveriam ultrapassar  o seu medo das sondagens sobre o estado da opinião pública e terem  confiança na capacidade  de persuasão dos  bons argumentos. Em vez disso,  degradam-se com um populismo que eles mesmos favoreceram pela ocultação de um tema complexo e mal-amado.  Sobre o limiar entre a unificação económica e a união política da Europa, a política parece reter o seu fôlego  e meter a cabeça debaixo dos ombros . Porquê  esta paralisia? É uma perspectiva mergulhada no século XIX  que impõe a resposta conhecida do demos: não existiria povo europeu; é por isso que uma união política que mereça este nome está construída  sobre a areia. A  esta interpretação, quereria eu contrapor uma outra: a fragmentação política duradoura no mundo e na Europa está em contradição com o crescimento sistémico  de uma sociedade mundial multicultural, e bloqueia todo e qualquer progresso na civilização jurídica constitucional das relações de poder estatais e sociais.


 (Continua)

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