A CANETA MÁGICA – MIkis Theodorakis e a Democracia

Esta secção não era para ser iniciada com este texto, mas sim com um outro, antecedido por uma nota que explica os objectivos e as características destes pequenos textos escritos com uma caneta mágica, uma espécie de tapete voador que me transporta ao passado e me leva ao futuro. Esse texto, a que chamei Samarcanda, estava preparado para ser o primeiro; mantenho a nota explicativa em Samarcanda. Será o segundo texto desta rubrica, caso nenhuma outra razão de conveniência editorial o impeça.

Δεμοκρατια

 

No fim da Primavera de1967, na cidade onde na altura vivia, numa reunião em minha casa, ouvimos uma gravação em fita magnética acabada de chegar de Paris. Era um apelo ao povo grego dito por Mikis Theodorakis, o cantor, o autor da música de «Zorba», e político marxista que passara à clandestinidade quando do golpe militar de direita de 21 de Abril desse ano. Alguns de nós tinham estudado grego clássico no Complementar dos liceus ou na Faculdade.

 

Conhecimento inútil – ninguém conseguia traduzir. Democracia – demokratía, era a única palavra que todos compreendiam.

 

Porém, a emoção que, de forma crescente, se ia apoderando da voz de Theodorakis, era tão intensa que, no fim da audição, ficámos em silêncio e com lágrimas nos olhos. No coração de cada um de nós havia tradução para cada uma das palavras. Vivíamos sob uma ditadura e isso fazia-nos compreender a oratória de qualquer cidadão fugido à polícia política, á tortura e à morte, falasse ele que língua falasse. Theodorakis só podia estar a apelar a que os Gregos e as Gregas lutassem pela liberdade e pela democracia.

 

Por mero acaso, cinco anos depois, aceitei fazer a tradução do Diário de um Resistente, de Mikis Theodorakis – a partir da edição francesa, pois os meus vagos conhecimentos de grego apenas chegaram para ler as placas toponímicas de Atenas quando ali estive uns dias). E pude então saber o que o famoso cantautor e político dissera e que naquela noite nos pusera a chorar. É um texto muito longo que começava por dizer que «O rei, oficiais traidores e magistrados perjuros, de colaboração com os imperialistas americanos, aboliram a democracia na Grécia.» E terminava. «No país onde a democracia nasceu, os tiranos estão votados à morte. Abaixo a ditadura monarco-fascista! Fora com o opressor estrangeiro! Abaixo o carrasco Collias! Viva o povo Grego! Viva a Grécia!».

 

Tinham sido estes brados finais que mais nos tinham emocionado.

 

E a nossa comovida tradução estava certa.

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