Novas Viagens na Minha Terra Série II Capítulo 50 – por Manuela Degerine

De Santarém à Golegã (continuação II)

 

Largo a mochila, bebo na fonte, molhando a roupa, que agradável, encho as garrafas, sento-me no Largo dos Trabalhadores. À sombra… Tenho a igreja atrás, a fonte à direita, em frente “Petiscos e Companhia”. Terei avançado dez quilómetros, mais ou menos, que achei muito aprazíveis, não obstante o calor, porém – mau sinal – a mochila começa a pesar. Como uma sandes, como nozes, como uma maçã: as paisagens abrem-me o apetite.

 

Vale de Figueira tem vida, talvez por ser feriado, famílias passam, homens conversam, giram trotinetes e bicicletas, passa uma camioneta que vende pão, fruta, leite, água mineral. (As clientes parecem todas viúvas.) Disse “bom dia” ao chegar, responderam-me, sou olhada com curiosidade. O ambiente é afável, a sombra é deleitosa… Convém todavia eu avançar, pois agora os dias são curtos.

 

O caminho que sai de Vale de Figueira tem uma fila de eucaliptos do lado direito, moitas de silvas do lado esquerdo, uma colina verde ao fundo. E algures devem esconder-se madressilvas, cujo perfume não passa despercebido. A terra continua a ser branca.

 

Quilómetro e meio mais adiante, as colinas verdejantes ficaram para trás, a sombra desapareceu, piso um pó muito fino, vou toda branca através do branco: parece que nevou! (Descubro que a princesa das amendoeiras em flor não vinha de nenhum país nórdico mas sim do Ribatejo. Tinha razão Montaigne escrevendo que as viagens formam a juventude…) O branco do chão cobre as árvores e arbustos, reverbera o sol, vou cega de luz, sufocada pelo calor, sinto pó nas narinas, na garganta, no cabelo, nas orelhas, por toda a pele, bebo e respiro pó branco, encontro-me toda enfarinhada, não obstante o chapéu, o lenço, todas as proteções e precauções, perdi até o latim, enterrado no branco, não o busco no pó, apenas tento avançar.

 

Bebi o primeiro litro da água trazida de Vale de Figueira, isto é, dois terços do total, não me atrevo a tocar na terceira garrafa: a sede torna-se, a pouco e pouco, uma tortura. E o sol é uma queimadura incessante, mesmo através do chapéu, da roupa, da mochila, do revestimento branco… Não há por aqui vivalma, calculo a próxima fonte a vários quilómetros de distância, a solução situa-se portanto mais adiante: convém eu avançar. Sem pensar no pó, nem na sede, nem no calor, sem latim, sem nada na cabeça, sou só pernas e pés: uma formiga num depósito de farinha de tipo 45.

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