A Grécia deve entrar em situação de incumprimento se quer democracia. Por Wolfgang Münchau.

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

Quando Wolfgang Schäuble propôs que a Grécia deve adiar as suas eleições como condição para obter mais ajuda, eu sabia que o jogo acabaria em breve. Estamos no ponto onde o sucesso já deixou de ser compatível com a democracia. O ministro alemão das Finanças quer evitar uma escolha democrática “errada”. Semelhante a esta  ideia está  a sugestão para que as eleições vão  para a frente  mas para ter uma grande coligação, independentemente do resultado alcançado. A zona euro quer impor a sua escolha de governo na Grécia – a primeira colónia da zona do euro.


Compreendo o dilema de Schäuble. Ele tem um dever fiduciário para com o seu parlamento e está-lhe a ser pedido que  assine  um programa de que ele duvida que vá  funcionar. A libertação dos recursos antes das eleições  é um risco. Quem poderia travar um novo governo grego e um novo parlamento de quererem mudar unilateralmente o acordo?


A Grécia tem um registo pobre na  implementação de políticas com  que ela própria concordou.  A desconfiança é compreensível. Mas, para ultrapassar esta situação, a zona euro está à procura de garantias de que são elas mesmas incrivelmente extremas.


A provocação feita à  Grécia tem vindo a crescer desde há algum tempo. A primeira foi uma proposta incendiária, expressa num documento político, para impor uma Kommissar fiscal em Atenas, com o poder de vetar decisões de política económica. Depois desta posição ter sido rejeitada, as autoridades  propuseram  a utilização de uma conta bloqueada, o que garantiria que a zona euro poderia  reter fundos para a Grécia em qualquer momento, sem desencadear uma situação de incumprimento. Mas é evidente que a proposta mais radical é a de suspender as eleições e de manter o governo técnico de Lucas Papademos no lugar por muito mais tempo.


Uma coisa é  os credores interferirem  na gestão das políticas de um país beneficiário. Outra é dizer-lhes para suspenderem as eleições ou para porem  em prática políticas que isolam o governo dos resultado do  processo democrático.


Estas exigências falham o “imperativo categórico” de Immanuel Kant – A Alemanha não que que este imperativo seja universalmente adoptado. Nem poderia ser aprovado na Alemanha – onde  seria inconstitucional. Só recentemente o Tribunal Constitucional alemão declarou que a soberania do parlamento era absoluta, que o parlamento não deve transferir permanentemente a soberania para instituições externas e que um parlamento não deve restringir a liberdade do seu sucessor. As propostas violam os princípios da própria constituição da Alemanha. Em suma, elas são antiéticas.


Um alto funcionário alemão disse-me  que a sua preferência é  que se force a Grécia a assumir uma situação de incumprimento de modo imediato. Só posso, portanto, ver sentido na  proposta de Schäuble para adiar as eleições como uma provocação direccionada para pretender  uma reacção extrema e  ilícita de Atenas. Se esse era o objectivo, então parece-me que está a funcionar. Karolos Papoulias, o presidente grego, respondeu de imediato e furiosamente contra Schäuble  com  “insultos”. Evangelos Venizelos, o ministro das Finanças, disse que certos elementos quereriam empurrar a Grécia para fora da zona euro. Teorias da conspiração, essas abundam. Dificilmente passa um dia sem que um cartoon na imprensa grega mostre Angela Merkel e Schäuble fardados com  uniformes nazis. Os deputados alemães expressaram indignação com o ultraje grego. Bild, o diário alemão de massas  está a apelar para que a  Grécia venha a ser  “expulsa” da zona  euro. Tremo ao pensar num acto de violência cometida contra os alemães na Grécia ou contra  os  gregos na Alemanha. Este é o tipo de conflito que poderia facilmente gerar uma escalada.


A situação evidencia a vulnerabilidade política da actual estratégia de resgate da zona euro. Vamos colocar os argumentos económicos de lado por uma só vez  e considerar os argumentos políticos. Qualquer um que solicite um aumento no pacote de resgate deve- se lembrar que a solidariedade entre governos está perto do seu limite. Isso já aconteceu antes mesmo de um único centavo ter transposto a fronteira. Também é o argumento mais forte para a existência de uma união fiscal. Se  quisermos deslocar  centenas de  milhares de milhões de euros em  redor, simplesmente não podemos fazê-lo numa base  intergovernamental, onde a Alemanha, Países Baixos e Finlândia paguem  para a Grécia, Portugal e Irlanda. Para isso, seria preciso  um sistema federal. Mas não se precisa disso   por razões de eficiência económica, mas sim  para evitar um conflito de tipo Alemanha versus Grécia. Se uma união fiscal acaba por ser politicamente inaceitável, em seguida, só temos  simplesmente que admitir que um sistema de seguro da transferência não pode e não vai acontecer.


A razão pela qual o actual sistema está em pane é a perda de confiança mútua. E esta perda diminui as opções políticas de resolução da crise. A desconfiança é a razão pela qual o pacote de resgate grego foi adiado até ao último momento possível  e, porque as últimas propostas contêm tantas pílulas envenenadas : estabelecer prazos de aplicação, uma entidade responsável pela fiscalização dos programas e concessão dos dinheiros à sua guarda, escrow account, e uma representação permanente dos credores e do Fundo Monetário Internacional. Em breve haveria então ainda  mais austeridade. Em algum momento, alguém teria que quebrar.

 

A estratégia alemã parece ser a de querer tornar a vida tão insuportável que os próprios gregos vai querer sair da zona euro. Merkel certamente não quer ser apanhada  com uma arma fumegante na mão. É uma estratégia do suicídio assistido  e que é extremamente perigosa  e irresponsável.


munchau@eurointelligence.com

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