Capitulo I. Retratos da Desindustrialização.
(Continuação)
Um pedido de desculpas a Eduardo Catroga
Júlio Marques Mota
Apenas um pedido público de desculpas ao senhor Eduardo Catroga, por si-próprio classificado de grande gestor e portanto merecedor, de tão alta remuneração, como a que estará agora a receber na EDP e com receitas que todos nós pagamos, pequenos e maus gestores, por confronto com as suas mais elevadas qualidades. E o pedido de desculpas deve-se a que eu reconheço agora, lamentavelmente só agora, que é um favor que ele nos faz em receber tão alta remuneração, pois vai pagar mais impostos e vai com a parte restante, suposta gasta em bens de luxo, vai ajudar a garantir uns postos de trabalho, nesta Europa das deslocalizações.
Mas antes de desenvolvermos as razões do nosso pedido de desculpas gostava de saber quais foram as suas altas qualidades de gestor no quadro da SAPEC, lá para os lados de Setúbal, creio. Sinceramente, gostava.
Mas antes de desenvolvermos as razões do nosso pedido de desculpas, dizem-nos os jornais o seguinte:
“como já foi proposto pelos accionistas, o ex–braço-direito de Pedro Passos Coelho nas negociações com a troika terá uma remuneração anual de quase 639 mil euros, montante ganho pelo seu antecessor (António de Almeida) em 2010, segundo o relatório sobre o governo da sociedade. Por mês, o ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva terá um ordenado superior a 45 mil euros, que acumulará com uma pensão de mais de 9600 euros.”
Para além da ilação que no reino de Sócrates ou de Passos Coelho, no reino de um licenciado de fim-de-semana ou num licenciado de tempos livres respectivamente, era tudo a mesma coisa: o tacho era público e o grande ordenado de Catroga era afinal o ordenado de um outro grande gestor anterior, António de Almeida, será que Catroga quer provar a máxima de Lampedusa : “É preciso que algo mude para que tudo fique na mesma”. Mude-se Sócrates, mude-se para Passos Coelho, os nossos tachos continuam a ser os mesmos, independentemente de quem governa. Será isso que quer provar?
Mas antes de desenvolvermos as razões do nosso pedido de desculpas, gostava que nos explicasse uma coisa: certamente, como neoliberal que é e como professor que foi terá ensinado aos seus alunos que a remuneração de cada trabalhador é expressa pela produtividade marginal em valor. Ora, dados os valores monetários em presença nas suas remunerações, como calculou a sua produtividade marginal? A olhar para as suas remunerações, o seu tempo vale ouro, será que atingiu o poder de Midas?
Senhor Eduardo Catroga, na peça que aqui apresentamos os nossos dirigentes da indústria automóvel, dizem-nos que só deslocalizam a produção automóvel dos modelos de baixo de gama, e que os carros de topo de gama vão continuar a ser construídos na Europa, vão continuar a garantir postos de trabalho, desde que haja compradores para eles. Ora quem ganha como o senhor ganha, não compra carro de baixo de gama, o low-end, não, desde os seus tempos de jovem assistente, que o senhor já era conhecido pelos bólides que guiava, ou será que estou enganado? Grandes carros , carros caros gosta de guiar.
Sendo assim que por esta Europa haja muitos Catrogas como o senhor, com a falta de pudor como a que mostrou, o Catroga no seu melhor como se dizia no Expresso da meia-noite, que para o efeito todas as SAPEC possam fechar e que os seus e nossos trabalhadores largas vias rápidas lhe hão-de depois proporcionar, Bons carros, grandes carros para os Catrogas do nosso tempo então poderem comprar e que o emprego na indústria automóvel possam conservar.
Deixemos de ironias e boa leitura sobre esta peça dedicada à deslocalização na indústria automóvel.
Júlio Marques Mota
1.8 Automóvel : sobre capacidade na Europa, criação de fábricas na periferia
Todos os construtores, sejam eles alemães, franceses ou italianos, transferiram a produção de modelos mais pequenos para os países da periferia da Europa.
É um símbolo cruel para a Europa. A Renault inaugura, na quinta-feira, 9 de Fevereiro, em Tânger, em Marrocos, uma fábrica capaz de produzir, com 6.000 trabalhadores, 40 mil veículos destinados principalmente ao mercado europeu. No mesmo tempo, o construtor japonês Mitsubishi acaba de anunciar o encerramento da sua fábrica de Born, nos Países Baixos, que emprega 1.500 pessoas.
Desde o encerramento de Vilvoorde (Bélgica) pela Renault em 1997, é a quinta fábrica a colocar a chave debaixo da porta na Europa: PSA tinha fechado o seu site Ryton (Reino Unido) em 2007, Opel em Antuérpia (Bélgica) em 2010 e Fiat em Palermo (Itália) em 2011. Esta vaga de encerramentos não deve parar. De acordo com o Wall Street Journal, a General Motors (GM) iria fechar duas fábricas da sua subsidiária Opel, na Alemanha e no Reino Unido. Mais de 5000 trabalhadores serão despedidos…
Todos os altos responsáveis dos fabricantes europeus de automóveis estão convencidos de que outros encerramentos se seguirão, porque os resultados estão praticamente em toda parte afectados pela crise europeia. No início de Janeiro, Sergio Marchionne, o patrão da Fiat, estima que será necessário reduzir a capacidade de produção de “10%, 15% ou mesmo 20 %” na Europa.
No Senado, na terça-feira, 7 de Fevereiro, Denis Martin, o director industrial da PSA Peugeot Citroën, garantiu que ” não é possível imaginar que todas as fábricas continuem em actividade”. Antes de acrescentar: “eu não quero encerrar uma fábrica, mas quando não há clientes, as fábricas não podem estar em actividade. Entre 2007 e 2011, o mercado europeu contraiu-se muito significativamente.” Em quatro anos, o número de carros vendidos caiu de 16 para 13,5 milhões, disse Yann Lacroix, responsável por estudos sectoriais na Euler Hermes. Em 2012, o mercado poderá cair para 13 milhões de veículos. “A estes níveis de vendas, a questão do excesso de capacidade aparece portanto.”
Para Carlos Tavares, director geral da Renault, também entrevistado pelo Senado em 7 de Fevereiro, ” existe na Europa entre 3 e 11 milhões de sobrecapacidade de produção de veículos, de acordo os seus cálculos”. Antes de acrescentar: “Contrariamente a outros nós ainda não abordámos esta questão.” Nos EUA, a GM encerrou, só ela, 15 fábricas no auge da crise, entre 2008 e 2009. Depois da retoma pelo mercado eles reabrem progressivamente. Acrescente-se ainda que os métodos expeditos dos americanos não são bem aceites na Europa. Todo a gente mantém na memória o célebre encerramento de Vilvorde. E a perspectiva de encerramento do site industrial d’Aulnay pertencente à PSA provocou então um enorme clamor em Junho de 2011.
Desemprego parcial
Os fabricantes europeus mobilizam todas as alavancas, todos os outros meios possíveis. Para além do desemprego parcial, para preservar temporariamente as suas equipas, eles decidiram reduzir a produção, suprimindo linhas de produção para suportar as perdas de volume dos carros vendidos. Para tornar as fábricas mais competitivas, os industriais “compactam-nas”. É graças a uma reorganização física das suas linhas de produção que a fábrica da PSA de Poissy ganhou o direito de produzir o novo 208, que será lançado na Primavera.
Finalmente, todos os fabricantes, sejam eles alemães, franceses ou italianos, transferiram a produção dos modelos mais pequenos para os países da periferia da Europa, para a Europa Oriental, para a Turquia. E, em vez de exportarem para os países emergentes, os europeus estabelecem-se para poder oferecer produtos mais baratos.
Esse fenómeno explica o paradoxo dos construtores franceses. Enquanto que a sua produção total a nível mundial nunca foi tão importante, está a diminuir a sua produção em solo francês. Só a produção dos veículos de maior valor acrescentado permanece, por enquanto, produzida nas fábricas da velha Europa. Quanto ao modelo 208, os modelos de entrada de gama são produzidos em Trnava, na Eslováquia, enquanto os modelos de topo de gama são produzidos em Poissy (Yvelines) e Mulhouse (Haut-Rhin). De acordo com um quadro de PSA, “a diferença dos custos da mão-de-obra é de 1 para 3 entre a França e a Eslováquia”. Uma 208 de produção eslovaca custa 500 a 1.000 euros amenos do que um carro feito em França.
Na Renault, admite Carlos Tavares, “a diferença no custo de produção de um Clio em Flins, na França e em Bursa, na Turquia, é de 1.300 euros”. Apoiado nestes dados, o fabricante francês que em França não produz mais do que um quarto dos carros que vende, quer concentrar as suas fábricas hexagonais sobre o topo de gama.
Polémica em torno da estratégia low-cost de Renault
Le Monde, 19 de Fevereiro de 2012
Após a abertura de uma fábrica em Marrocos, o construtor poderá virar-se para a Argélia
“Teríamos nós a escolha entre criar uma fábrica em França ou em Marrocos para produzir os carros ‘ de baixo custo’?” A resposta é não. Isto é, ou se faz em Marrocos, por exemplo, afim de exportar para o mundo inteiro ou então não se faz em lado nenhum. Na quinta-feira, 9 de Fevereiro, aquando da inauguração da última fábrica de baixo custo da aliança Renault-Nissan em Tânger, o seu Director, Carlos Ghosn, tentou pôr fim à polémica que começou a aparecer em França sobre o papel da sua empresa na vaga da desindustrialização.
Depois de Nicolas Dupont-Aignan, na quarta-feira, o ex-ministro da indústria Christian Estrosi (UMP) afirmou, quinta-feira, que a criação de uma fábrica em Marrocos com um custo de mil milhões de euros “é absolutamente insuportável ou até mesmo escandalosa (…).” “É um comportamento amoral”.
Bruno Le Roux, porta-voz do candidato PS nas eleições presidenciais, François Hollande, criticou a atitude da empresa, em que o Estado francês detém 15% do capital: ” Renault parte para realizar dumping social em Marrocos para produzir carros de “baixo custo” para a Europa e para a França (com um salário de 240 euros por mês), uma estratégia que o Estado accionista não pode ignorar.”
“Os 3 mil milhões de vantajosos empréstimos concedidos à empresa pelos contribuintes terão ajudado a construir uma fábrica enorme em nosso detrimento em Marrocos.” “A estratégia de “baixo custo” é suicida para a França, para a Renault,” disse MP (PS) Arnaud Montebourg, para quem esta produção “desestabilizará ainda mais a nossa indústria já em más condições.”
Renault produz actualmente em França 23% dos 2,7 milhões de veículos que vende em todo o mundo.
“Tânger permite o desenvolvimento da nossa gama de “baixo custo”, assegurou Carlos Ghosn .” Sem Tânger, nós não teria sido capazes de produzir nem o Lodgy, o novo mono-espaço de “baixo custo” nem o futuro pequeno utilitário leve. De qualquer maneira, esta fábrica não se substitui a nenhuma outra. “Ela permite revezar Pitesti, a nossa fábrica na Roménia, que está a atingir a saturação.”
Por agora, a “entrada” – Logan, Sandero, Duster – do construtor está a ser um sucesso: 813 000 veículos, produzidos nas dez fábricas fora de França foram vendidos em todo o mundo, incluindo 10% em França.
“Disparate”
A fábrica romena de Dacia produz cerca de 400.000 veículos, valor este também pretendido para a fábrica de Tânger a médio prazo, graças ao emprego, até 2014, de 6 000 empregados.
“O custo da força de trabalho local, combinado com o design muito económico dos nossos modelos, permite- nos oferecer, veículos a preços acessíveis, competitivos explica Arnaud Deboeuf, o director do programa de “entrada”. Fazer do “baixo custo” em Sandouville (Seine-Maritime) seria um disparate económico! Na França, que se faça o topo de gama, em países com baixo custo, que se façam os modelos de nível básico que permitam, graças a preços muito apertados, conquistar novos clientes que nunca teriam comprado um carro novo.”
O primeiro preço do Lodgy deve ser inferior a EUR 10 000, menos de metade do que um Renault Scénic fabricado em França.
Na prossecução dessa estratégia, Renault estima não prejudicar a França. “Para o lançamento da fábrica, cerca de 630 milhões de euros em actividades foram gerados para a indústria francesa”, fornece Michel Faivre-Duboz, o chefe da Renault Marrocos.
A perspectiva de implementar uma nova fábrica Renault na Argélia tem-se falado, por outro lado, depois de Marrocos. “Estamos extremamente preocupados, mas por agora não alcançámos nenhum resultado”, diz Ghosn. Depois de dois anos de discussões, Argel e Renault ainda não chegaram a acordo sobre grande coisa.