Com a devida vénia, transcrevemos da Revista Visão
Da lista de queixas sobre a falta de qualidade da nossa classe política não costuma constar a pobreza dos insultos que os políticos portugueses dedicam uns aos outros. Mas devia: são ofensas pobres, sem imaginação nem conteúdo político, e pouco ou nada ultrajantes. Não se admite que gente com experiência e talento para a oratória não seja capaz de produzir um vitupério que afronte verdadeiramente, um opróbrio que avilte a sério, uma ignomínia que aleije. E quem acompanha a política portuguesa percebe que não é por falta de motivos que os insultos não abundam. Os últimos casos de injúria política revelam uma tendência que intriga ao mesmo tempo que preocupa. O alvo do vilipêndio tem sido um grupo de pessoas que é minoritário e razoavelmente desprotegido: as tias de dirigentes do Bloco de Esquerda. “Manso é a tua tia”, disse Sócrates a Louçã no ano passado. “Salazar é a sua tia”, atirou Santana Lopes a Fernando Rosas ainda não há uma semana. São insultos muito ineficazes e que só ouvimos da boca de gente pueril, como frequentadores do ensino primário ou parlamentares. Todo o resto da população prefere insultos mais fortes e maduros.
A presença das tias nos insultos dirigidos a bloquistas acaba por ofender apenas a língua portuguesa. Quando aventaram a hipótese de uma tia poder ser Salazar ou manso, Sócrates e Santana foram menos incorrectos com Louçã e Rosas do que com a gramática. Não ofenderam os seus interlocutores, melindraram o prof. Lindley Cintra. O insulto dirigido à tia tem em consideração que uma referência à mãe seria demasiado grave, e que dizer “manso é uma tua prima por afinidade” não chega a magoar. É uma ofensa propositadamente mediana, que escolhe um familiar importante mas não tanto que possa fazer mossa. Nem ofende o outro nem permite que o próprio desabafe como deve ser. Uma vergonha. No entanto, pode tornar-se politicamente grave. Quando pretendeu ofender com moderação a tia de Louçã, Sócrates insultou, na verdade, e com alguma violência, a mãe de Vítor Gaspar. O ministro das Finanças é primo de Francisco Louçã e, portanto, a sua mãe é tia do bloquista. O antigo primeiro-ministro chamou manso à mãe do actual ministro das Finanças. Até que enfim: uma ofensa ao mais alto nível político dirigida a uma progenitora. Mas quando, finalmente, temos um insulto com potencial, o agressor e o ofendido estão em países diferentes.